domingo, 7 de dezembro de 2014

A impugnação de disposições do planeamento urbanístico – Francisca Duarte de Almeida

O ponto de partida da nossa pesquisa vai focar-se na natureza jurídica dos planos jurídicos. Os planos assumem-se como Regulamentos, ou seja, seria de esperar que as suas normas se apresentassem como normas regulamentares. Mas nem sempre é assim. Há certas disposições de planos urbanísticos que se consubstanciam em actos administrativos. No entanto, este facto não vai ser relevante para o contencioso dos planos pois mesmo que a disposições se apresentem como actos administrativos, vão ser consideradas como normas regulamentares.
A classificação dos planos, como regulamentos administrativos tem consequências essencialmente procedimentais pois vai-nos levar a um contencioso regulamentar. Isto é, mesmo que a norma em questão de um plano venha a assumir-se como tendo natureza de acto administrativo, o ordenamento e o contencioso vai considerá-la como norma regulamentar, apenas e só por razões procedimentais e processuais. Assim sendo, esta classificação vai remeter-nos para o regime dos artigos 72º e seguintes do CPTA.
Como tal, a primeira análise a ser feita é obviamente, em termos administrativos, sobre a impugnação de normas regulamentares. Vamos encontrar, nos artigos 72º a 77º do CPTA o regime de impugnação de normas regulamentares. Para tal, podemos elaborar um de dois pedidos: a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e a declaração de ilegalidade com efeitos restritos ao caso concreto. Relativamente ao primeiro tipo de pedido, pode ser invocado por quem tenha sido prejudicado pela aplicação da norma ou possa vir a sê-lo. Só tem legitimidade para solicitar a declaração de ilegalidade o interessado que demonstre que a norma em questão foi desaplicada em três casos concretos, ou seja, a declaração de ilegalidade só ganha força obrigatória geral, depois de terem surgido três casos concretos de ilegalidade da norma em questão. Já quanto ao segundo pedido possível, só pode ser formulado por quem alegue ser lesado pelos efeitos de normas que se produzam na sua esfera jurídica. Neste caso a norma não tem de depender de qualquer outro acto concreto de aplicação. O requerente apenas quer limitar os efeitos da declaração de ilegalidade ao seu caso concreto.
O passo que se segue na nossa análise é a comparação das invalidades dos planos urbanísticos com as invalidades no Direito Administrativo em geral. As invalidades no âmbito dos planos urbanísticos são diferentes das invalidades no Direito Administrativo em geral. Relativamente ao Direito Administrativo sabemos que as invalidades vão-se consubstanciar em nulidade, invocável a todo o tempo, e anulabilidade, nos termos dos artigos 133º e seguintes do CPA. Já no Direito do Urbanismo, o regime das invalidades encontra-se explicitado nos artigos 101º, 102º e 103º do RJGIT. Da leitura destes artigos podemos concluir que, tanto a inconformidade como a incompatibilidade dos actos praticados relativamente ao plano vai ser condição da sua validade. A sua invalidade vai-se traduzir numa nulidade, que no Direito do Urbanísmo é a regra, ao contrário do regime da invalidades do Direito Administrativo. A declaração de nulidade dos planos não incide necessariamente sobre todo o instrumento de gestão territorial. Enquanto a nulidade dos actos administrativos é total, a invalidade dos planos pode ser parcial. Este pormenor tem consequências gigantes para a impugnação de um plano urbanístico.
Seguindo o caminho na nossa análise, qual é o regime que se vai aplicar quanto à impugnação de planos urbanísticos e as suas normas? Tanto a Lei de Bases de Política do Ordenamento do Territorio (LBPOTU), como o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial referem a existência de garantias dos pariculares mas não parece existir de facto um regime especialmente regulado para a impugnação de disposições do planeamento administrativo.Ora, sabemos que o regime que o RJGIT nos apresenta, limita-se a afirmar que aos particulares são asseguradas garantias, e sabemos ainda que se nos apresenta como solução, uma remissão para o regime da declaração de ilegalidade constante dos artigos 72º e seguintes do CPTA. Mas será correcto uma remissão por completo para o CPTA? Não será que nos vamos deparar com dificuldades de aplicação deste regime ao caso concreto dos planos urbanísticos?
É relativamente simples pedir a impugnação de uma norma de um plano que contenha um vício material, pois, substancialmente, essa norma vai prejudicar directamente o requerente. Mais, com a violação de uma norma material essencial ao plano, a sua impugnação vai espalhar o veneno por todo o corpo do plano, e este vai cair à mercê da impugnação de uma só norma. Mas já quando exista a violação de uma norma formal, ou procedimental, a impugnação desta e do plano é bem mais dificultada ao requerente. Há uma excessiva onerosidade da impugnação de planos com fundamento em vicios orgânicos, procedimentais ou formais uma vez que tais vicios não se projectam numa disposição específica directamente lesiva, mas no plano globalmente considerado. Veja-se o caso em que o plano em questão viola o prazo de discussão pública, ou seja, não foi cumprido o prazo. Quando o plano está inquinado de uma norma procedimental, qual será a norma que o requerente pode atacar? Na verdade pode atacar todas as normas, pois todas as normas foram inquinadas, mas nenhuma delas individualmente vai conseguir preencher os requesitos de legitimidade do requerente. Será que tem legitimidade para a impugnar? Também é dificil determinar qual seria o interesse pessoal e directo do requente para pedir a impugnção de qualquer norma. Deparamo-nos sobre um dilema essencial. Como impugnar normas dos planos que fazem parte da sua moldura, e não do quadro? Parece não haver um regime estruturado das invalidades dos planos e dos seus efeitos.
Assim sendo parece-nos que, tal como existe uma diferenciação de regimes no que tocas às invalidades dos planos e dos actos administrativos, também deveria haver um regime diferente para a impugnação de planos urbanísticos. Neste caso, um regime que preenchesse a necessidade de garantia e tutela da confiança dos particulares.
Bibliografia:
  • Alves Correia, Fernando - Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I e III, Almedina 2004 e 2010;
  • Aroso de Almeida, Mário – Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coímbra, 2010;
  • Paula Oliveira, Fernanda - A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa, Almedina, Coimbra, 2011;
  • Vieira de Andrade, José Carlos – A Justiça Administrativa, Lições, 11º Edição, Almedina, Coímbra, 2011;
Francisca Duarte de Almeida
Nº 20897
Subturma 6


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