domingo, 7 de dezembro de 2014

Mais vale um juiz singular na mão do que três a voar?- Funcionamento dos tribunais administrativos de círculo com juiz singular.

Mais vale um juiz singular na mão do que três a voar?- Funcionamento dos tribunais administrativos de círculo com juiz singular.


Aida Eliana dos Santos Conde
N.º 22489

I.             Introdução

O presente post versa sobre umas das alterações ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais presente no Anteprojecto de proposta de lei de revisão, sendo que consiste numa mudança muito significativa em relação à “(...) consagração do funcionamento dos tribunais administrativos de círculo somente com juiz singular, excepto as situações de julgamento alargado previstas no CPTA, pondo-se assim termo a uma situação- reclamações para a conferência, que em nada estava a prestigiar o funcionamento da justiça administrativa”[1].
Esta alteração consiste na revisão do funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, em que se prevê que, excepto em casos em que seja previsto o julgamento em formação alargada, os tribunais administrativos funcionarão com apenas juiz singular, “ competindo a cada juiz o julgamento, de facto e de direito dos processos que lhe sejam distribuídos”[2].
Ora, esta mudança tem a ver também com o facto de ser prática de julgamento por um juiz de processos que deveriam ser decididos por uma formação de três juízes[3] e como tal, a aplicação do artigo 27.º n.º1, al i) e n.º 2 do CPTA[4].
Sendo que a questão que caberá tentar responder é saber se qual é a formação de julgamento que irá permitir uma melhor prestação de serviço público da justiça e aplicação da mesma nos Tribunais Administrativos de Círculo e se realmente vale mais ter um juiz na mão do que três a voar, aqui adaptando esta situação à popular frase: “ mais vale um pássaro na não do que dois a voar”.

II.          Entre falar e fazer, há muito que dizer- Julgamento das causas nos tribunais administrativos de círculo por juiz singular e a “invocação” do afastamento ilegal do julgamento por formação de três juízes

À luz do actual artigo 40.º[5] do ETAF a regra de julgamento das causas nos TAC é a do julgamento, de facto e de direito por juiz singular.
No entanto e tal como refere Ana Neves[6], “ a expressão quantitativa da utilização das acções administrativas especiais e a atribuição( que propiciam) de um valor à causa superior à alçada, convocam amiúde o julgamento, de facto e de direito, por uma formação de três juízes”.
No que diz respeito às acções comuns, o julgamento respeitante à matéria de facto era feito em tribunal colectivo até à revisão do CPC.
Relativamente a matéria pré-contratual, e devido à sua natureza urgente, devem ser objecto de julgamento por juiz singular. Acrescenta-se ainda que nos termos do art. 100.º, n.º1 do CPTAa remissão feita para as disposições que dizem respeito à acção administrativa especial respeitam à tramitação e não ao modo de funcionamento do tribunal, sendo que esta última referência não é uniforme na jurisprudência como iremos ver a seguir.
No Acórdão de 05/12/2013, Processo n.º 01360/13, respeitante à dúvida de saber se uma acção de execução de sentença de anulação deve ser ou não julgada por juiz singular é dito que: Pelo exposto, as regras que o ETAF e o CPTA criaram para a acção administrativa especial e para a competência da indicada formação de três juízes, são regras únicas, apenas aplicáveis a este tipo de acção, que não se alargam aos demais meios processuais e designadamente ao processo executivo.

A regra da competência do julgamento nos tribunais administrativos, tal como nos tributários, é a do juiz singular (cf. artigo 40º, n.º 1 e 46º, n.º1do ETAF). Essa competência apenas é afastada em duas formas de processo, na acção administrativa comum, nos casos em que se lhe apliquem as regras do processo civil relativas ao tribunal colectivo e na acção administrativa especial, quando deva ser julgada pela formação de três juízes.

Em suma, estando-se aqui frente a uma acção de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, uma acção com uma tramitação célere e simplificada, que vem prevista nos artigos 176º a 179º do CPTA, que se distingue do outro meio processual previsto nos artigos 46º e ss. do CPTA – a acção administrativa especial –, entendemos, que a esta acção de execução aplicar-se-á a regra geral constante do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial indicada no artigo 40º, n.º 3, do ETAF.

Em conclusão, a presente acção, em regra, deve ser julgada, de facto e de direito, por juiz singular, designadamente pelo juiz titular do processo, tal como haja resultado da distribuição, nos termos do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, não sendo imediatamente aplicável a esta acção de execução de sentenças de anulação a regra especial de competência, estabelecida no n.º 3 daquele artigo 40º, dirigida às acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal.
Portanto, da decisão proferida, porque o não foi no âmbito dos poderes do relator, conforme artigo 27º do CPTA, mas sim no âmbito dos poderes próprios de um juiz singular, há recurso directo para este TCAS e não reclamação para a conferência.
Improcede, por isso, a questão prévia suscitada pelo Recorrido.”.

Ora, desta decisão e tal como afirma Ana Neves, parece resultar a “ ideia de que o julgamento do processo segue a forma de processo declarativo.
Estender-se a regra do julgamento por juiz singular à luz dos artigos 40.º, n.º 3 do ETAF e artigo 27.º do CPTA não seria possível.
Eis que surge a figura do juiz relator nos termos do artigo 27.º, n.º1 al. i). Nos termos deste artigo é possível ser proferida decisão no caso de a questão ser: simples e no caso de ser manifestamente infundada a pretensão deduzida.
O artigo 21.º, n.º1 al i) é alvo de uma análise detalhada por Rui Belfo Pereira[7].
Nos termos do art. 27.º, n.º2 é também dito que dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência(...)”. Isto poderia levar a pensar que estamos perante um suposto despacho proferido pelo juiz que leva à não submissão da causa ao julgamento com formação de três juízes, nos termos do art. 40.º, n.º3 do ETAF, porém, e tal como afirma Ana Neves: “(...) este despacho, caso não tenha sido proferido, está implícito na sentença emitida.”[8].
Como tal e tendo em conta que esta possibilidade de recurso num regime completamente alterado pela prática dos tribunais, numa lógica de “ Olha para o que digo, não olhes para o que faço”, nas palavras de Sofia David[9], os recursos anteriores ao acórdão n.º 3/2012[10], em que o Pleno da 1.ª Secção do STA veio, em interpretação e aplicação do quadro normativo descrito sob os artigos 40.º, n.º 3 do ETAF e 27.º, n.1 al. i) do CPTA, a firmar jurisprudência no sentido de que de que as “(...) decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1 alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2, não recurso(...)” teriam de ser vistos e analisados com a devida cautela[11].
No Acórdão da 1ª secção do TCA Norte 28/06/2013 foi considerado que: “ I. O meio de reação impugnatório de decisão judicial proferida em singular no âmbito de processo cautelar é o recurso jurisdicional e não a reclamação para a conferência face ao que resulta da aplicação do regime decorrente dos arts. 27.º e 119.º do CPTA.
II. Se é certo que o meio de reação a utilizar pela requerente/recorrente deveria ter sido o recurso jurisdicional e não a reclamação para a conferência tal não significa que o julgador “a quo” tenha de concluir pela rejeição daquele meio e não proceder à sua devida convolação para o meio de impugnação adequado ou correto reunidos que se mostrem os requisitos para esse efeito.” (sumário elaborado pelo Relator).
TIAGO SERRÃO e MARCO CALDEIRA[12] face ao facto de os Tribunais superiores da jurisdição administrativa, numa prática recorrente, decidirem pela rejeição de recursos jurisdicionais interpostos de sentenças de valor superior à alçada, sejam proferidas pelo Tribunal de primeira instância em formação singular e mais especificamente a propósito dos recursos interpostos tempestivamente antes do Ac. Do STA n.º 3/2012, defendem que a melhor solução jurídica é considerar a sua convolação em reclamação, que deve ser considerada em tempo.
Os autores que esta solução é que determina:
i)               “ A lógica de funcionamento do instituto da convolação;
ii)             O princípio da cooperação processual;
iii)            O principio da promoção do acesso à justiça( corolário evidente do principio da tutela jurisdicional efectiva) “[13].
Importante para ao que a esta matéria diz respeito é o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 846/2013[14], relativo à proposição de uma acção administrativa especial de anulação da Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada à alternativa 12 relativa ao Projecto dos Aproveitamentos Hidroelétricos (AH) (de Gouvães, Padroselos, Alto Tâmega e Daivões), emitida pelo Secretário de Estado do Ambiente, em 21 de junho de 2010 em que tendo sido proferida sentença que julgou improcedente esta acção posteriormente a Autora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul sendo que a convite do Desembargador Relator, se ter pronunciado sobre a possibilidade do recurso não ser conhecido, foi proferido acórdão, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que não conheceu do recurso por tê-lo considerado legalmente inadmissível.
Face a isto a Autora recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, sendo que consta o seguinte:
“Independentemente da correção da interpretação efetuada, que não cumpre a este Tribunal controlar, ainda que a decisão recorrida refira que não é possível concluir pela convolação do recurso em reclamação, visto não se mostrar respeitado o respetivo prazo legal de 10 dias, esta orientação não foi objeto do requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, pelo que não é possível apreciar a sua constitucionalidade, atenta a vinculação do Tribunal ao objeto do recurso definido pela Recorrente.
Por estas razões deve ser negado provimento ao recurso interposto.”.
Face a esta decisão Mafalda Teixeira de Abreu[15] analisando a prática anterior de recepção e julgamento dos recursos sem ser levantada a questão respeitante à necessidade de reclamação.
No seu comentário a Autora refere que: Com efeito, previamente à prolação do referido acórdão uniformizador de jurisprudência, não era pacífica, em sede jurisprudencial, a obrigatoriedade de reclamação para a conferência. Ao longo dos anos, os advogados foram sendo confrontados com entendimentos díspares dos tribunais administrativos. 

Por um lado, porque se entendia que não havia lugar a reclamação para a conferência, sempre que o juiz não fizesse referência aos poderes do art. 27º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA); porque se entendia que não havia lugar a reclamação para a conferência por estarmos perante uma sentença e não um despacho; por último, porque se entendia que não havia lugar a reclamação para a conferência quando estávamos perante acções de contencioso pré-contratual. 
Por outro lado, subscreveu-se igualmente que a parte vencida deveria reclamar, mesmo que o juiz não fizesse referência ao art. 27, n.º 1, alínea i) do CPTA; que não cumpria distinguir, para efeitos do art. 27º do CPTA, os despachos das sentenças, sendo em ambos os casos obrigatória a reclamação ou que, afinal, também as acções de contencioso pré-contratual de valor superior a € 30.000,01 caíam, pela sua natureza, no âmbito do art. 27º do CPTA, sendo portanto obrigatória a reclamação para a formação de três juízes.

Para colmatar, reconhece o próprio STA que “não poderá deixar de considerar-se, por corresponder a uma situação de conhecimento geral, que a prática dos tribunais de 1.ª instancia e dos Tribunais Centrais era de admitir recurso imediato das decisões do juiz singular quando proferidas em situações para as quais a lei previa inequivocamente a decisão por uma formação de três juízes”. Na prática, os próprios magistrados de primeira e segunda instância recebiam e julgavam os recursos sem suscitar a necessidade de reclamação.”.

Face a este panorama os advogados litigantes tinham um enorme desafio que era o de tentar defender da melhor forma aqueles que representavam, desafio esse extremamente difícil face às diversas interpretações da lei.
Face a isto a Autora coloca duas questões:
1)    O legislador ordinário não deveria clarificar o âmbito objectivo dos arts. 27.º, n.º1, al. i) e n.º2 do CPTA?
2)    O TC não poderia ter proposto uma verdadeira interpretação face a estas normas?
Dando resposta às duas perguntas ,respectivamente, considera a Autora que:
Destarte, concordamos com o teor do acórdão do Tribunal Constitucional quando sufraga que a circunstância de a lei impor à parte vencida uma espécie de recurso hierárquico necessário, no sentido de que, sem a tal reclamação para a conferência, o recurso não seria objecto de admissão e que tal não coarcta o acesso ao direito e com a tutela jurisdicional efectiva (direitos ambos constitucionalmente tutelados). No entanto, somos necessariamente confrontados com a simplicidade com que o tribunal desvaloriza a manifesta insuficiência de redacção e articulação do disposto nos arts. 27º, n.º 1, alínea i) e n.º 2 do CPTA e das interpretações que lhe têm sido veiculadas. 

São os próprios princípios da segurança jurídica e da confiança que impõem que a parte vencida saiba, ou possa saber, de antemão os direitos legais que lhe assistem. Ora, o exercício de tal direito (seja de reclamar, seja de recorrer) não se pode compaginar com a insegurança decorrente das diversas e díspares interpretações jurisprudenciais a que o preceito tem sido objecto. 

(...)Cremos, todavia, que o actual estado da jurisprudência em matéria de cognição dos poderes do relator e a necessidade (ou não) de intervenção do colectivo, mesmo tendo presente o acórdão uniformizador de jurisprudência, traduz, por si só, uma violação do direito o recurso, cabendo pois aos advogados identificar e suscitar habilmente as questões de constitucionalidade nos acórdãos proferidos sobre esta matéria, por forma a que o Tribunal Constitucional, constringido nos seus poderes interpretativos, possa clarificar o “iter cognoscitivo” dos arts. 27º, n.º 1, alínea i) e 2 do CPTA.”.

A meu ver e concordando com Ana Neves[16], existem uma série de questões que não foram bem ponderadas: desde a banalização do julgamento por juiz singular de processos que deveriam ser decididos por formação de três juízes, falta de informação quanto à aplicação do art. 27.º, n.º 1 e 2, a confusão gerada em torno do termo despacho, etc.
Concluindo, parece-nos que, fruto desta confusão criada não permitindo o recurso por quem suscitou a ilegalidade da decisão de juiz singular e não procedendo a uma boa administração da justiça.

III.       Juiz singular prevenido vale por três- Contraposição ao tribunal colectivo, formação de três juízes e formação alargada

São em regra exigidos três juízes, segundo a regra da colegialidade.
 Nos TCA e de acordo com o Anteprojecto, o julgamento por tribunal colectivo corresponde a uma formação alargada.
O Tribunal Colectivo corresponde a um órgão colegial, que decide em conferência quer a fixação dos factos materiais da causa, quer a solução jurídica aplicável, funcionando o juiz relator aquele a quem tenha sido distribuído o processo[17].
A formação de três juízes difere do Tribunal Colectivo, que intervém apenas na acção administrativa comum e acaba por funcionar como um “ tribunal colectivo quando haja lugar a audiência de julgamento[18](...) para a fixação da matéria de facto. O que sucede é que, intervindo também no julgamento da matéria de direito, a formação de três juízes decide, também em conferência, o direito aplicável.”[19].
A formação alargada diz respeito aos processos de massa[20], sendo que aí há a intervenção de todos os juízes de um tribunal ou de uma secção, nos termos do art. 48.º, n.º6 do Projecto, estando previsto também para quando seja suscitada uma questão nova de direito que possa ser suscitada noutros litígios, definindo modelos de sentença para a resolução de múltiplos litígios que tenham o mesmo objecto.

Relativamente ao juiz singular, uma série de cautelas vão ser tomadas em relação ao regime jurídico nos arts. 87.º, n.º1, 90.º, 91.º, n.º 1 e 2, 92.º. Face a isto conclui-se que neste Anteprojecto[21] um juiz singular prevenido vai certamente valer por três.

IV.          O juiz singular da(s) vizinha(s) é sempre melhor que o meu?- Análise Comparatística

Cabe agora analisar o juiz singular da(s) vizinha(s), fazendo uma analise comparatística relativamente a outros ordenamentos jurídicos[22].

Em França, cerca de 60 % dos processos nos tribunaux administratifs em regra foram em 1ª instância julgados por juiz singular[23].

Na Alemanha, o Código de Processo Judicial Administrativo estabelece a regra de julgamento por juiz singular, salvo se suscitadas dificuldades quanto à matéria de facto ou de direito ou se for uma matéria de extrema importância[24].

Em Itália[25], foram adoptadas medidas de modo a obter decisões mais céleres, sendo uma delas a de extensão do recurso a juiz singular.
Na Holanda o juiz singular pode decidir levar a causa a um julgamento com um colectivo de juízes com base na dificuldade da mesma, sendo que acaba por ser um critério de importante flexibilização ao nível do ordenamento jurídico holandês.

Face ao exposto, a figura do juiz singular em Portugal vai ser melhorada com a Reforma, mas olhando para os outros ordenamentos jurídicos, parece-me ser bastante razoável e um contrapeso importante a solução holandesa, que acaba por ser um exemplo de sucesso na medida em que 90% dos casos em primeira instância são decididos por juiz singular.[26]

V.           Dois pesos e duas medidas- Vantagens e desvantagens da decisão da causa por juiz singular

Para além do referido supra é uma evidência que faz parte de um processo justo a sua duração razoável, nos termos do art. 6.º, n.º1 da CEDH[27].

Como tal é ponto importante que tal tenha lugar, no sentido de, num prazo razoável, ser posto termo à incerteza que leva a que as pessoas recorram a tribunal de modo a defenderem o que lhes é de direito e a sua segurança jurídica.

Para além disso é também importante que haja credibilidade e eficácia[28], argumentação das decisões feitas à medida do caso e de forma clara, etc.

Por outro lado, o facto de haver um só juiz a debruçar-se sobre os diversos litígios que surgem pode trazer algumas desvantagens, devido ao facto de estarmos perante situações de grande complexidade e dificuldade, o que pode levar a uma menos qualidade e adequação.

Face a estes dois pesos, considero que existe um contrapeso importante para permitir que a figura do juiz singular possa ter sucesso.

Esse contrapeso baseia-se em algo que acaba por resultar do ordenamento jurídico Holandês[29] e que Sofia David[30]  defende que seja prevista a possibilidade de o juiz, por despacho seguido de devida fundamentação, com ou sem requerimento das partes, decida levar a causa a um julgamento por colectivo quando estejamos perante uma situação complexa ou com um valor elevado[31], sendo que aí poderíamos assegurar uma decisão mais objectiva, concisa e justa e permitindo uma maior flexibilidade, adequada à gestão processual.
Haveria através do recurso jurisdicional a garantia da possibilidade de recurso que decorrer da hierarquia entre tribunais e garantia da tutela jurisdicional efectiva[32], seguindo a recomendação do Conselho da Europa sobre o controlo jurisdicional dos actos da administração[33].
Porém, e tal como afirma Ana Neves parece que o Projecto de Revisão do CPTA “ vai ao arrepio do necessário contrapeso” ao ter o artigo 142.º, n.º2 do CPTA( proposta), o que não é razoável para a mesma, considerando que melhor é o exemplo holandês, em que tem lugar o referido supra, sendo que em 2007, entre 40% e 30% dos recursos eram julgados por juiz singular.

  VI.        Conclusão
Face ao exposto, parece de louvar a concretização quer do CPTA, quer do ETAF relativamente a esta matéria, reforçando a regra de que os tribunais administrativos de círculo funcionam com juiz singular.
Isto leva a que as restantes figuras percam algum peso, deixando a colegialidade de ter força em relação à formação de três juízes, passando a ter importância na formação alargada, respeitante a processos de massa.
Estamos perante um instrumento que irá assegurar uma melhor, mais célere e flexível aplicação da justiça, no entanto cabe alertar para a necessidade de haver um contrapeso no sentido de concretizar o princípio da boa administração da justiça e garantia jurisdicional efectiva( art. 268.º, n.º4 CRP).
Destarte, e feito este balanço, vejo com bons olhos esta futura alteração que irá ter lugar no nosso Contencioso Administrativo, e parece-me que sim, mais vale um juiz singular na mão do que três a voar.

Bibliografia:


ARMINDO RIBEIRO MENDES, “ Uma reclamação indesejada, verdadeira armadilha contra actionem”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 97, Janeiro/Fevereiro, 2013.

BERNARD PACTEAU, “Manuel de contentieux administratif”, Presses Universitaires de France, 5º edition vise à jour.

CARLOS ALBERTO CADILHA, “Dicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2006.

Coordenadores: Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão

·      ANA FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014.
·      SOFIA DAVID, “Começado e não acabado, vale por estragado: o que se tentou mudar com o novo ETAF e CPTA”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014.


MAFALDA TEIXEIRA DE ABREU, “Comentário ao Acórdão n.º 846/2013 do Tribunal Constitucional, de 10 de Dezembro de 2013- Recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo ou reclamação para a conferência”, in http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=27.


RUI BELFO PEREIRA, “ O art. 27.º, n.º1, alínea i), do CPTA: meio de agilização processual ou foco autónomo de aumento de litígios?”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 101, Setembro/Outubro de 2013.

TIAGO SERRÃO/MARCO CALDEIRA, “ As reclamações para a conferência na jurisprudência administrativa: análise crítica”, in “O Direito”, Ano 145, 2013, III.

Acórdãos Consultados :





[2] No artigo 40.º, n.º1 do ETAF e 3.º, n.º11 cuja epígrafe é: sentido e extensão da revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a redacção é a seguinte: “ Excepto nos casos em que a lei processual preveja o julgamento em formação alargada, os tribunais administrativos de circulo funcionam apenas com juiz singular, a cada juiz competindo a decisão, de facto e de direito, dos processos que lhe sejam distribuídos”.
[3] Tal com se  verifica no Acórdão da 1ª secção do STA, n.º 0532/13, de 30/04/2013: “A prolacção em primeira instância de sentença por juiz singular em acção que preenche a previsão do n.º 3 do art.º 40.º do ETAD( acção administrativa especial com valor superior à alçada), sem invocar os pressupostos da al. I) do art.º 27.º do CPTA quanto à competência do juiz relator não é igual à situação sobrea qual o Supremo uniformizou jurisprudência do Ac. De 5/6/2012, P. 0420/12, antes parece corresponder a um modo de funcionamento divulgado na primeira instância, pelo que importa admitir revista para o Supremo se pronunciar sobre a questão da recorribilidade da sentença( sem reclamação para a conferência) emitida naquelas condições, esclarecendo o direito”.
[4] “ Artigo 27.º
Poderes do relator

1 - Compete ao relator, sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código:
a) Deferir os termos do processo, proceder à sua instrução e prepará-lo para julgamento;
b) Dar por findos os processos;
c) Declarar a suspensão da instância;
d) Ordenar a apensação de processos;
e) Julgar extinta a instância por transacção, deserção, desistência, impossibilidade ou inutilidade da lide;
f) Rejeitar liminarmente os requerimentos e incidentes de cujo objecto não deva tomar conhecimento;
g) Conhecer das nulidades dos actos processuais e dos próprios despachos;
h) Conhecer do pedido de adopção de providências cautelares ou submetê-lo à apreciação da conferência, quando o considere justificado;
i) Proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada; j) Admitir os recursos de acórdãos, declarando a sua espécie, regime de subida e efeitos, ou negar-lhes admissão.

2 - Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal.”
[5]  “Artigo 40.º
Funcionamento
1-     Os tribunais administrativos de circulo funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo o julgamento, de facto e de direito, dos processos que lhe sejam distribuídos.
2-     Nas acções administrativas comuns que sigam o processo ordinário, o julgamento da matéria de facto é feito em tribunal colectivo, se tal for requerido por qualquer das partes e desde que nenhuma delas requeira a gravação da prova.
3-     Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de Direito. “
[6] ANA FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 477.
[7] RUI BELFO PEREIRA, “ O art. 27.º, n.º1, alínea i), do CPTA: meio de agilização processual ou foco autónomo de aumento de litígios?”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 101, Setembro/Outubro de 2013.
[8] Afirma também Ana Neves que, poder-se-á pensar que são aplicáveis os artigos 110.º, n.º 4 CPC, ex vi artigos 1.º e 35.º, n.º2 do CPTA.
[9] SOFIA DAVID, “Começado e não acabado, vale por estragado: o que se tentou mudar com o novo ETAF e CPTA”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 511.

[10] Acórdão do Pleno da Secção do STA  n.º 3/2012, de 05.06.2012.
[11] ARMINDO RIBEIRO MENDES, considera que “ É, por isso criticável, a solução deste Acórdão de Uniformização, o qual deveria ter ido mais longe e aditado na parte final o seguinte:” devendo convolar-se em reclamação a peça processual que contenha o requerimento de interposição do recurdo e a sua alegação, independentemente de ter sido entregue para além do prazo da reclamação, por dever prevalecer a manifestaçã da intenção de impugnar o despacho ou sentença proferidos por juiz singular(...) Mantém-se uma “armadilha”, variando os regimes consoante se esteja perante decisão de juiz singular na acção administrativa comum e na acção administrativa especial( em processo acima de certo valor).” in “ Uma reclamação indesejada, verdadeira armadilha contra actionem”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 97, Janeiro/Fevereiro, 2013.
[12] TIAGO SERRÃO/MARCO CALDEIRA, “ As reclamações para a conferência na jurisprudência administrativa: análise crítica”, in “O Direito”, Ano 145, 2013, III, pp. 641-661.
[13] TIAGO SERRÃO/MARCO CALDEIRA, “ As reclamações para a conferência na jurisprudência administrativa: análise crítica”, in “O Direito”, Ano 145, 2013, III, pp. 654-661.
[15] MAFALDA TEIXEIRA DE ABREU, “Comentário ao Acórdão n.º 846/2013 do Tribunal Constitucional, de 10 de Dezembro de 2013- Recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo ou reclamação para a conferência”, in http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=27 ; Ac. STA de 26/06/2014, Processo n.º 01831/13 : “I – Só é possível a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.
II – A circunstância de ter havido alguma prática jurisprudencial dos TCAs admitindo recurso em vez de reclamação, nos casos a que se referem os artigos 40o, 3, do ETAF e 27o, 2, do CPTA, não justifica modificar o entendimento referido em I, dado que (i) tal prática não era exacta (como veio a decidir­se em acórdão uniformizador de jurisprudência 3/2012, DR 1a Série, 182, de 19­9­2012) (ii) não era uniforme pois contrariava a jurisprudência do STA (acórdão de 19­10­2010, proc. 0542/10) e (iii) não tratava de modo igual o interesses da parte ao trânsito em julgado de decisão favorável e os interesses da parte contrária a ver admitida a reclamação para além desse prazo.”.

[16] ANA FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, pp. 487-488.
[17] CARLOS ALBERTO CADILHA, “Dicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 274-276; 315-327, 674-678.
[18] Art. 652.º CPC
[19] CARLOS ALBERTO CADILHA, “Dicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 274-276; 315-327, 674-678.
[20] Que irão também ter alterações com a Reforma.
[22] ANA FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, pp. 487-489.
[23] BERNARD PACTEAU, Manuel de contentieux administratif, p. 59; http://www.legifrance.gouv.fr/ 
[25] Devido à violação do art. 6.º, n.º1 CEDH e do art. 47.º, paragráfo 2 da CEDH- http://www.cfsirp.pt/images/legislacao/cedh.pdf ; http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0389:0403:pt:PDF
[26] ANA FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 495.
[28] Neste sentido, em 1986 foi recomendado pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, entre várias medidas, a generalização do julgamento em primeira instâcia por juiz singular.- Recommendation N.º R(86_) 12 Concerning Measures to Prevent and Reduce the Excessive Workload in the Courts-https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCIQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.justice.gov.sk%2FDokumenty%2FOSP%2FRECOMMENDATION%2520No.%2520R%2520%252886%2529%252012.pdf&ei=uMmEVP-kEIbaav2OgaAM&usg=AFQjCNHdOnuwNOLi3yKeAErYsQr5ihbXNg ; Compendium of “ best practices” on time management of judicial proceedings, 08/12/2006 da Comissão para a eficiência da Justiça do Conselho da Europa,sendo referido o aumento do recurso à figura do juiz singular; Length of court proceedings in the member states of the Council of Europe based on the case law of the European Court of Human Rights, de 31/07/2012, é afirmado que os “ multi-members tribunals” são uma das causas dos atrasos judiciais- https://wcd.coe.int/com.instranet.InstraServlet?command=com.instranetCmdBlobGet&Instra-netImage=2204779&SecMode=1&DocId=1965298&Usage=.
[29] Com a especificidade de aqui partir da percepção do próprio juiz da dificuldade presente no caso.
[30] SOFIA DAVID, “Começado e não acabado, vale por estragado: o que se tentou mudar com o novo ETAF e CPTA”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 520.
[31] O que em certa medida é previsto já no art. 27.º, n.º1, al. h) relativamente a providências cautelares.
[32] Art. 268.º, n.º4 CRP.
[33] “ The decision of the tribunal that reviews an administrative act should, at least in important cases, be subject to appeal to a  higher tribunal, unless the case is directly referred to a higher tribunal in accordance with the national legislation”.

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