Mais vale um juiz singular na
mão do que três a voar?- Funcionamento dos tribunais administrativos de círculo
com juiz singular.
Aida Eliana dos Santos Conde
N.º 22489
I.
Introdução
O presente post versa sobre umas das alterações
ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais presente no Anteprojecto de
proposta de lei de revisão, sendo que consiste numa mudança muito significativa
em relação à “(...) consagração do funcionamento dos tribunais administrativos
de círculo somente com juiz singular, excepto as situações de julgamento
alargado previstas no CPTA, pondo-se assim termo a uma situação- reclamações
para a conferência, que em nada estava a prestigiar o funcionamento da justiça
administrativa”[1].
Esta alteração consiste na revisão do
funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, em que se prevê que,
excepto em casos em que seja previsto o julgamento em formação alargada, os
tribunais administrativos funcionarão com apenas juiz singular, “ competindo a
cada juiz o julgamento, de facto e de direito dos processos que lhe sejam distribuídos”[2].
Ora, esta mudança tem a ver também com o facto
de ser prática de julgamento por um juiz de processos que deveriam ser
decididos por uma formação de três juízes[3] e como
tal, a aplicação do artigo 27.º n.º1, al i) e n.º 2 do CPTA[4].
Sendo que a questão que caberá tentar responder
é saber se qual é a formação de julgamento que irá permitir uma melhor
prestação de serviço público da justiça e aplicação da mesma nos Tribunais
Administrativos de Círculo e se realmente vale mais ter um juiz na mão do que
três a voar, aqui adaptando esta situação à popular frase: “ mais vale um
pássaro na não do que dois a voar”.
II.
Entre falar e fazer, há muito que dizer- Julgamento das causas nos tribunais administrativos de círculo
por juiz singular e a “invocação” do afastamento ilegal do julgamento por
formação de três juízes
À luz do actual artigo 40.º[5] do ETAF
a regra de julgamento das causas nos TAC é a do julgamento, de facto e de
direito por juiz singular.
No entanto e tal como refere Ana Neves[6], “ a
expressão quantitativa da utilização das acções administrativas especiais e a
atribuição( que propiciam) de um valor à causa superior à alçada, convocam
amiúde o julgamento, de facto e de direito, por uma formação de três juízes”.
No que diz respeito às acções comuns, o
julgamento respeitante à matéria de facto era feito em tribunal colectivo até à
revisão do CPC.
Relativamente a matéria pré-contratual, e
devido à sua natureza urgente, devem ser objecto de julgamento por juiz
singular. Acrescenta-se ainda que nos termos do art. 100.º, n.º1 do CPTAa
remissão feita para as disposições que dizem respeito à acção administrativa
especial respeitam à tramitação e não ao modo de funcionamento do tribunal,
sendo que esta última referência não é uniforme na jurisprudência como iremos
ver a seguir.
No Acórdão de 05/12/2013, Processo n.º
01360/13, respeitante à dúvida de saber se uma acção de execução de sentença de
anulação deve ser ou não julgada por juiz singular é dito que: “Pelo exposto, as regras
que o ETAF e o CPTA criaram para a acção administrativa especial e para a
competência da indicada formação de três juízes, são regras únicas, apenas
aplicáveis a este tipo de acção, que não se alargam aos demais meios
processuais e designadamente ao processo executivo.
A regra da competência do julgamento nos tribunais administrativos, tal como nos tributários, é a do juiz singular (cf. artigo 40º, n.º 1 e 46º, n.º1do ETAF). Essa competência apenas é afastada em duas formas de processo, na acção administrativa comum, nos casos em que se lhe apliquem as regras do processo civil relativas ao tribunal colectivo e na acção administrativa especial, quando deva ser julgada pela formação de três juízes.
Em suma, estando-se aqui frente a uma acção de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, uma acção com uma tramitação célere e simplificada, que vem prevista nos artigos 176º a 179º do CPTA, que se distingue do outro meio processual previsto nos artigos 46º e ss. do CPTA – a acção administrativa especial –, entendemos, que a esta acção de execução aplicar-se-á a regra geral constante do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial indicada no artigo 40º, n.º 3, do ETAF.
Em conclusão, a presente acção, em regra, deve ser julgada, de facto e de direito, por juiz singular, designadamente pelo juiz titular do processo, tal como haja resultado da distribuição, nos termos do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, não sendo imediatamente aplicável a esta acção de execução de sentenças de anulação a regra especial de competência, estabelecida no n.º 3 daquele artigo 40º, dirigida às acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal.
Portanto, da decisão proferida, porque o não foi no âmbito dos poderes do relator, conforme artigo 27º do CPTA, mas sim no âmbito dos poderes próprios de um juiz singular, há recurso directo para este TCAS e não reclamação para a conferência.
Improcede, por isso, a questão prévia suscitada pelo Recorrido.”.
Ora, desta decisão e tal como afirma Ana Neves, parece resultar a
“ ideia de que o julgamento do processo segue a forma de processo declarativo.
Estender-se a regra do julgamento por juiz singular à luz dos
artigos 40.º, n.º 3 do ETAF e artigo 27.º do CPTA não seria possível.
Eis que surge a figura do juiz relator nos termos do artigo 27.º,
n.º1 al. i). Nos termos deste artigo é possível ser proferida decisão no caso
de a questão ser: simples e no caso de ser manifestamente infundada a pretensão
deduzida.
O artigo 21.º, n.º1 al i) é alvo de uma análise detalhada por Rui
Belfo Pereira[7].
Nos termos do art. 27.º, n.º2 é também dito que dos despachos do
relator cabe reclamação para a conferência(...)”. Isto poderia levar a pensar
que estamos perante um suposto despacho proferido pelo juiz que leva à não
submissão da causa ao julgamento com formação de três juízes, nos termos do
art. 40.º, n.º3 do ETAF, porém, e tal como afirma Ana Neves: “(...) este
despacho, caso não tenha sido proferido, está implícito na sentença emitida.”[8].
Como tal e tendo em conta que esta possibilidade
de recurso num regime completamente alterado pela prática dos tribunais, numa
lógica de “ Olha para o que digo, não olhes para o que faço”, nas palavras de
Sofia David[9], os
recursos anteriores ao acórdão n.º 3/2012[10],
em que o Pleno da 1.ª Secção do STA veio, em interpretação e aplicação do
quadro normativo descrito sob os artigos 40.º, n.º 3 do ETAF e 27.º, n.1 al. i)
do CPTA, a firmar jurisprudência no sentido de que de que as “(...) decisões do juiz relator sobre o mérito da
causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º 1
alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2,
não recurso(...)” teriam de ser vistos e analisados com a devida cautela[11].
No Acórdão da 1ª secção do TCA Norte 28/06/2013 foi considerado
que: “ I. O meio de reação impugnatório de decisão judicial proferida em
singular no âmbito de processo cautelar é o recurso jurisdicional e não a
reclamação para a conferência face ao que resulta da aplicação do regime
decorrente dos arts. 27.º e 119.º do CPTA.
II. Se é certo que o meio de reação
a utilizar pela requerente/recorrente deveria ter sido o recurso jurisdicional
e não a reclamação para a conferência tal não significa que o julgador “a quo”
tenha de concluir pela rejeição daquele meio e não proceder à sua devida
convolação para o meio de impugnação adequado ou correto reunidos que se
mostrem os requisitos para esse efeito.” (sumário elaborado pelo Relator).
TIAGO SERRÃO e MARCO CALDEIRA[12]
face ao facto de os Tribunais superiores da jurisdição administrativa, numa
prática recorrente, decidirem pela rejeição de
recursos jurisdicionais interpostos de sentenças de valor superior à alçada,
sejam proferidas pelo Tribunal de primeira instância em formação singular e
mais especificamente a propósito dos recursos interpostos tempestivamente antes
do Ac. Do STA n.º 3/2012, defendem que a melhor solução jurídica é considerar a
sua convolação em reclamação, que deve ser considerada em tempo.
Os autores que esta solução é que determina:
i)
“ A lógica de funcionamento do instituto da
convolação;
ii)
O
princípio da cooperação processual;
iii)
O
principio da promoção do acesso à justiça( corolário evidente do principio da
tutela jurisdicional efectiva) “[13].
Importante para ao que a
esta matéria diz respeito é o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 846/2013[14],
relativo à proposição de uma acção administrativa especial de anulação da
Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada à alternativa 12
relativa ao Projecto dos Aproveitamentos
Hidroelétricos (AH) (de Gouvães, Padroselos, Alto Tâmega e Daivões), emitida
pelo Secretário de Estado do Ambiente, em 21 de junho de 2010 em que tendo sido
proferida sentença que julgou improcedente esta acção posteriormente a Autora
interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul sendo
que a convite do Desembargador Relator, se ter pronunciado sobre a
possibilidade do recurso não ser conhecido, foi proferido acórdão, pelo
Tribunal Central Administrativo Sul, que não conheceu do recurso por tê-lo
considerado legalmente inadmissível.
Face a isto
a Autora recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, sendo que consta o seguinte:
“Independentemente
da correção da interpretação efetuada, que não cumpre a este Tribunal
controlar, ainda que a decisão recorrida refira que não é possível concluir pela
convolação do recurso em reclamação, visto não se mostrar respeitado o
respetivo prazo legal de 10 dias, esta orientação não foi objeto do
requerimento de interposição de recurso dirigido ao Tribunal Constitucional,
pelo que não é possível apreciar a sua constitucionalidade, atenta a vinculação
do Tribunal ao objeto do recurso definido pela Recorrente.
Por estas
razões deve ser negado provimento ao recurso interposto.”.
Face a esta
decisão Mafalda Teixeira de Abreu[15] analisando a prática
anterior de recepção e julgamento dos recursos sem ser levantada a questão
respeitante à necessidade de reclamação.
No seu comentário a Autora
refere que: “Com
efeito, previamente à prolação do referido acórdão uniformizador de
jurisprudência, não era pacífica, em sede jurisprudencial, a obrigatoriedade de
reclamação para a conferência. Ao longo dos anos, os advogados foram sendo
confrontados com entendimentos díspares dos tribunais administrativos.
Por um lado, porque se entendia que não havia lugar a reclamação para a conferência, sempre que o juiz não fizesse referência aos poderes do art. 27º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA); porque se entendia que não havia lugar a reclamação para a conferência por estarmos perante uma sentença e não um despacho; por último, porque se entendia que não havia lugar a reclamação para a conferência quando estávamos perante acções de contencioso pré-contratual.
Por outro lado, subscreveu-se igualmente que a parte vencida deveria reclamar, mesmo que o juiz não fizesse referência ao art. 27, n.º 1, alínea i) do CPTA; que não cumpria distinguir, para efeitos do art. 27º do CPTA, os despachos das sentenças, sendo em ambos os casos obrigatória a reclamação ou que, afinal, também as acções de contencioso pré-contratual de valor superior a € 30.000,01 caíam, pela sua natureza, no âmbito do art. 27º do CPTA, sendo portanto obrigatória a reclamação para a formação de três juízes.
Para colmatar, reconhece o próprio STA que “não poderá deixar de considerar-se, por corresponder a uma situação de conhecimento geral, que a prática dos tribunais de 1.ª instancia e dos Tribunais Centrais era de admitir recurso imediato das decisões do juiz singular quando proferidas em situações para as quais a lei previa inequivocamente a decisão por uma formação de três juízes”. Na prática, os próprios magistrados de primeira e segunda instância recebiam e julgavam os recursos sem suscitar a necessidade de reclamação.”.
Face a este panorama os advogados litigantes
tinham um enorme desafio que era o de tentar defender da melhor forma aqueles
que representavam, desafio esse extremamente difícil face às diversas
interpretações da lei.
Face a isto a Autora coloca duas questões:
1)
O
legislador ordinário não deveria clarificar o âmbito objectivo dos arts. 27.º,
n.º1, al. i) e n.º2 do CPTA?
2)
O TC
não poderia ter proposto uma verdadeira interpretação face a estas normas?
Dando resposta às duas perguntas
,respectivamente, considera a Autora que:
“Destarte, concordamos com o teor do acórdão do
Tribunal Constitucional quando sufraga que a circunstância de a lei impor à
parte vencida uma espécie de recurso hierárquico necessário,
no sentido de que, sem a tal reclamação para a conferência, o recurso não seria
objecto de admissão e que tal não coarcta o acesso ao direito e com a tutela
jurisdicional efectiva (direitos ambos constitucionalmente tutelados). No
entanto, somos necessariamente confrontados com a simplicidade com que o
tribunal desvaloriza a manifesta insuficiência de redacção e articulação do
disposto nos arts. 27º, n.º 1, alínea i) e n.º 2 do CPTA e das interpretações
que lhe têm sido veiculadas.
São os próprios princípios da segurança jurídica e da confiança que impõem que a parte vencida saiba, ou possa saber, de antemão os direitos legais que lhe assistem. Ora, o exercício de tal direito (seja de reclamar, seja de recorrer) não se pode compaginar com a insegurança decorrente das diversas e díspares interpretações jurisprudenciais a que o preceito tem sido objecto.
(...)Cremos, todavia, que o
actual estado da jurisprudência em matéria de cognição dos poderes do relator e
a necessidade (ou não) de intervenção do colectivo, mesmo tendo presente o
acórdão uniformizador de jurisprudência, traduz, por si só, uma violação do
direito o recurso, cabendo pois aos advogados identificar e suscitar habilmente
as questões de constitucionalidade nos acórdãos proferidos sobre esta matéria,
por forma a que o Tribunal Constitucional, constringido nos seus poderes
interpretativos, possa clarificar o “iter cognoscitivo”
dos arts. 27º, n.º 1, alínea i) e 2 do CPTA.”.
A meu ver e concordando com Ana Neves[16],
existem uma série de questões que não foram bem ponderadas: desde a banalização
do julgamento por juiz singular de processos que deveriam ser decididos por
formação de três juízes, falta de informação quanto à aplicação do art. 27.º,
n.º 1 e 2, a confusão gerada em torno do termo despacho, etc.
Concluindo, parece-nos que, fruto desta
confusão criada não permitindo o recurso por quem suscitou a ilegalidade da
decisão de juiz singular e não procedendo a uma boa administração da justiça.
III.
Juiz singular prevenido vale por três- Contraposição ao tribunal colectivo, formação de três juízes e
formação alargada
São em regra exigidos três
juízes, segundo a regra da colegialidade.
Nos TCA e de acordo com o Anteprojecto, o
julgamento por tribunal colectivo corresponde a uma formação alargada.
O Tribunal Colectivo
corresponde a um órgão colegial, que decide em conferência quer a fixação dos
factos materiais da causa, quer a solução jurídica aplicável, funcionando o
juiz relator aquele a quem tenha sido distribuído o processo[17].
A formação de três juízes
difere do Tribunal Colectivo, que intervém apenas na acção administrativa comum
e acaba por funcionar como um “ tribunal colectivo quando haja lugar a
audiência de julgamento[18](...)
para a fixação da matéria de facto. O que sucede é que, intervindo também no
julgamento da matéria de direito, a formação de três juízes decide, também em
conferência, o direito aplicável.”[19].
A formação alargada diz
respeito aos processos de massa[20], sendo
que aí há a intervenção de todos os juízes de um tribunal ou de uma secção, nos
termos do art. 48.º, n.º6 do Projecto, estando previsto também para quando seja
suscitada uma questão nova de direito que possa ser suscitada noutros litígios,
definindo modelos de sentença para a resolução de múltiplos litígios que tenham
o mesmo objecto.
Relativamente ao juiz
singular, uma série de cautelas vão ser tomadas em relação ao regime jurídico
nos arts. 87.º, n.º1, 90.º, 91.º, n.º 1 e 2, 92.º. Face a isto conclui-se que
neste Anteprojecto[21] um juiz
singular prevenido vai certamente valer por três.
IV.
O juiz singular da(s) vizinha(s) é sempre melhor que o meu?- Análise Comparatística
Cabe agora analisar o juiz singular da(s)
vizinha(s), fazendo uma analise comparatística relativamente a outros
ordenamentos jurídicos[22].
Em França, cerca de 60 % dos processos nos
tribunaux administratifs em regra foram em 1ª instância julgados por juiz
singular[23].
Na Alemanha, o Código de Processo Judicial
Administrativo estabelece a regra de julgamento por juiz singular, salvo se
suscitadas dificuldades quanto à matéria de facto ou de direito ou se for uma
matéria de extrema importância[24].
Em Itália[25], foram
adoptadas medidas de modo a obter decisões mais céleres, sendo uma delas a de
extensão do recurso a juiz singular.
Na Holanda o juiz singular pode decidir levar a
causa a um julgamento com um colectivo de juízes com base na dificuldade da
mesma, sendo que acaba por ser um critério de importante flexibilização ao
nível do ordenamento jurídico holandês.
Face ao exposto, a figura do juiz singular em
Portugal vai ser melhorada com a Reforma, mas olhando para os outros
ordenamentos jurídicos, parece-me ser bastante razoável e um contrapeso
importante a solução holandesa, que acaba por ser um exemplo de sucesso na
medida em que 90% dos casos em primeira instância são decididos por juiz
singular.[26]
V.
Dois pesos e duas medidas- Vantagens
e desvantagens da decisão da causa por juiz singular
Para além do referido supra é uma evidência que
faz parte de um processo justo a sua duração razoável, nos termos do art. 6.º,
n.º1 da CEDH[27].
Como tal é ponto importante que tal tenha
lugar, no sentido de, num prazo razoável, ser posto termo à incerteza que leva
a que as pessoas recorram a tribunal de modo a defenderem o que lhes é de
direito e a sua segurança jurídica.
Para além disso é também importante que haja
credibilidade e eficácia[28],
argumentação das decisões feitas à medida do caso e de forma clara, etc.
Por outro lado, o facto de haver um só juiz a
debruçar-se sobre os diversos litígios que surgem pode trazer algumas
desvantagens, devido ao facto de estarmos perante situações de grande
complexidade e dificuldade, o que pode levar a uma menos qualidade e adequação.
Face a estes dois pesos, considero que existe
um contrapeso importante para permitir que a figura do juiz singular possa ter
sucesso.
Esse contrapeso baseia-se em algo que acaba por
resultar do ordenamento jurídico Holandês[29] e que
Sofia David[30]
defende que seja prevista a
possibilidade de o juiz, por despacho seguido de devida fundamentação, com ou
sem requerimento das partes, decida levar a causa a um julgamento por colectivo
quando estejamos perante uma situação complexa ou com um valor elevado[31], sendo
que aí poderíamos assegurar uma decisão mais objectiva, concisa e justa e
permitindo uma maior flexibilidade, adequada à gestão processual.
Haveria através do recurso jurisdicional a
garantia da possibilidade de recurso que decorrer da hierarquia entre tribunais
e garantia da tutela jurisdicional efectiva[32],
seguindo a recomendação do Conselho da Europa sobre o controlo jurisdicional
dos actos da administração[33].
Porém, e tal como afirma Ana Neves parece que o
Projecto de Revisão do CPTA “ vai ao arrepio do necessário contrapeso” ao ter o
artigo 142.º, n.º2 do CPTA( proposta), o que não é razoável para a mesma,
considerando que melhor é o exemplo holandês, em que tem lugar o referido
supra, sendo que em 2007, entre 40% e 30% dos recursos eram julgados por juiz
singular.
VI.
Conclusão
Face ao exposto, parece de
louvar a concretização quer do CPTA, quer do ETAF relativamente a esta matéria,
reforçando a regra de que os tribunais administrativos de círculo funcionam com
juiz singular.
Isto leva a que as restantes
figuras percam algum peso, deixando a colegialidade de ter força em relação à
formação de três juízes, passando a ter importância na formação alargada,
respeitante a processos de massa.
Estamos perante um
instrumento que irá assegurar uma melhor, mais célere e flexível aplicação da
justiça, no entanto cabe alertar para a necessidade de haver um contrapeso no
sentido de concretizar o princípio da boa administração da justiça e garantia
jurisdicional efectiva( art. 268.º, n.º4 CRP).
Destarte, e feito este
balanço, vejo com bons olhos esta futura alteração que irá ter lugar no nosso
Contencioso Administrativo, e parece-me que sim, mais vale um juiz singular na
mão do que três a voar.
Bibliografia:
ARMINDO RIBEIRO MENDES, “ Uma reclamação indesejada,
verdadeira armadilha contra actionem”, in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 97, Janeiro/Fevereiro, 2013.
BERNARD PACTEAU,
“Manuel de contentieux administratif”, Presses Universitaires de France, 5º
edition vise à jour.
CARLOS ALBERTO CADILHA, “Dicionário de Contencioso
Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2006.
Coordenadores: Carla Amado Gomes, Ana Fernanda
Neves, Tiago Serrão
·
ANA FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de
círculo somente com juiz singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores:
CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014.
·
SOFIA DAVID, “Começado e não acabado, vale por
estragado: o que se tentou mudar com o novo ETAF e CPTA”, in “ O Anteprojecto
de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO,
AAFDL, Lisboa, 2014.
MAFALDA TEIXEIRA DE ABREU, “Comentário ao
Acórdão n.º 846/2013 do Tribunal Constitucional, de 10 de Dezembro de 2013-
Recurso ordinário para o Tribunal Central Administrativo ou reclamação para a
conferência”, in http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=27.
RUI BELFO PEREIRA, “ O art. 27.º, n.º1, alínea i), do CPTA:
meio de agilização processual ou foco autónomo de aumento de litígios?”, in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 101, Setembro/Outubro de 2013.
TIAGO SERRÃO/MARCO CALDEIRA, “ As reclamações para a
conferência na jurisprudência administrativa: análise crítica”, in “O Direito”,
Ano 145, 2013, III.
Acórdãos Consultados :
[2] No
artigo 40.º, n.º1 do ETAF e 3.º, n.º11 cuja epígrafe é: sentido e extensão da
revisão do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a redacção é a
seguinte: “ Excepto nos casos em que a lei processual preveja o julgamento em
formação alargada, os tribunais administrativos de circulo funcionam apenas com
juiz singular, a cada juiz competindo a decisão, de facto e de direito, dos
processos que lhe sejam distribuídos”.
[3] Tal
com se verifica no Acórdão da 1ª secção
do STA, n.º 0532/13, de 30/04/2013: “A prolacção em primeira instância de
sentença por juiz singular em acção que preenche a previsão do n.º 3 do art.º
40.º do ETAD( acção administrativa especial com valor superior à alçada), sem
invocar os pressupostos da al. I) do art.º 27.º do CPTA quanto à competência do
juiz relator não é igual à situação sobrea qual o Supremo uniformizou
jurisprudência do Ac. De 5/6/2012, P. 0420/12, antes parece corresponder a um
modo de funcionamento divulgado na primeira instância, pelo que importa admitir
revista para o Supremo se pronunciar sobre a questão da recorribilidade da
sentença( sem reclamação para a conferência) emitida naquelas condições,
esclarecendo o direito”.
[4] “ Artigo 27.º
Poderes do relator
1 - Compete ao relator, sem
prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código:
a) Deferir os termos do
processo, proceder à sua instrução e prepará-lo para julgamento;
b) Dar por findos os
processos;
c) Declarar a suspensão da
instância;
d) Ordenar a apensação de
processos;
e) Julgar extinta a instância
por transacção, deserção, desistência, impossibilidade ou inutilidade da lide;
f) Rejeitar liminarmente os
requerimentos e incidentes de cujo objecto não deva tomar conhecimento;
g) Conhecer das nulidades dos
actos processuais e dos próprios despachos;
h) Conhecer do pedido de
adopção de providências cautelares ou submetê-lo à apreciação da conferência,
quando o considere justificado;
i) Proferir decisão quando
entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido
judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente
infundada; j) Admitir os recursos de acórdãos, declarando a sua espécie, regime
de subida e efeitos, ou negar-lhes admissão.
2 - Dos despachos do relator
cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos
que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal
Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal.”
[5] “Artigo 40.º
Funcionamento
1-
Os
tribunais administrativos de circulo funcionam com juiz singular, a cada juiz
competindo o julgamento, de facto e de direito, dos processos que lhe sejam
distribuídos.
2- Nas acções administrativas
comuns que sigam o processo ordinário, o julgamento da matéria de facto é feito
em tribunal colectivo, se tal for requerido por qualquer das partes e desde que
nenhuma delas requeira a gravação da prova.
3- Nas acções administrativas
especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três
juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de Direito. “
[6] ANA
FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz
singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA
FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 477.
[7] RUI BELFO PEREIRA, “ O art. 27.º, n.º1, alínea i), do CPTA:
meio de agilização processual ou foco autónomo de aumento de litígios?”, in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 101, Setembro/Outubro de 2013.
[8] Afirma também Ana Neves que, poder-se-á pensar que são aplicáveis os
artigos 110.º, n.º 4 CPC, ex vi artigos 1.º e 35.º, n.º2 do CPTA.
[9] SOFIA DAVID, “Começado e não acabado, vale por estragado: o que se
tentou mudar com o novo ETAF e CPTA”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código
de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores:
CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p.
511.
[11] ARMINDO RIBEIRO MENDES, considera que “ É, por isso
criticável, a solução deste Acórdão de Uniformização, o qual deveria ter ido
mais longe e aditado na parte final o seguinte:” devendo convolar-se em reclamação
a peça processual que contenha o requerimento de interposição do recurdo e a
sua alegação, independentemente de ter sido entregue para além do prazo da
reclamação, por dever prevalecer a manifestaçã da intenção de impugnar o
despacho ou sentença proferidos por juiz singular(...) Mantém-se uma
“armadilha”, variando os regimes consoante se esteja perante decisão de juiz
singular na acção administrativa comum e na acção administrativa especial( em
processo acima de certo valor).” in “ Uma reclamação indesejada, verdadeira
armadilha contra actionem”, in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 97, Janeiro/Fevereiro, 2013.
[12] TIAGO SERRÃO/MARCO CALDEIRA, “ As reclamações para a conferência na
jurisprudência administrativa: análise crítica”, in “O Direito”, Ano 145, 2013,
III, pp. 641-661.
[13] TIAGO SERRÃO/MARCO CALDEIRA, “ As reclamações para a conferência na
jurisprudência administrativa: análise crítica”, in “O Direito”, Ano 145, 2013,
III, pp. 654-661.
[15] MAFALDA TEIXEIRA DE ABREU, “Comentário ao Acórdão n.º 846/2013 do
Tribunal Constitucional, de 10 de Dezembro de 2013- Recurso ordinário para o
Tribunal Central Administrativo ou reclamação para a conferência”, in http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=27
; Ac. STA de 26/06/2014, Processo n.º 01831/13 : “I – Só é possível
a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a
conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.
II – A circunstância de ter havido alguma prática
jurisprudencial dos TCAs admitindo recurso em vez de reclamação, nos casos a
que se referem os artigos 40o, 3, do ETAF e 27o, 2, do CPTA, não justifica
modificar o entendimento referido em I, dado que (i) tal prática não era exacta
(como veio a decidirse em acórdão uniformizador de jurisprudência 3/2012, DR
1a Série, 182, de 1992012) (ii) não era uniforme pois contrariava a
jurisprudência do STA (acórdão de 19102010, proc. 0542/10) e (iii) não
tratava de modo igual o interesses da parte ao trânsito em julgado de decisão
favorável e os interesses da parte contrária a ver admitida a reclamação para
além desse prazo.”.
[16] ANA
FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz
singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA
FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, pp. 487-488.
[17] CARLOS ALBERTO CADILHA, “Dicionário de Contencioso Administrativo”,
Almedina, Coimbra, 2006, pp. 274-276; 315-327, 674-678.
[19] CARLOS ALBERTO CADILHA, “Dicionário de Contencioso Administrativo”,
Almedina, Coimbra, 2006, pp. 274-276; 315-327, 674-678.
[22] ANA
FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz
singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA
FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, pp. 487-489.
[25] Devido à violação do
art. 6.º, n.º1 CEDH e do art. 47.º, paragráfo 2 da CEDH- http://www.cfsirp.pt/images/legislacao/cedh.pdf
; http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0389:0403:pt:PDF
[26] ANA
FERNANDA NEVES, “ Tribunais Administrativos de círculo somente com juiz
singular”, in “ O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e Fiscais em Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA
FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 495.
[28] Neste sentido, em 1986 foi recomendado pelo Comité de Ministros do Conselho
da Europa, entre várias medidas, a generalização do julgamento em primeira
instâcia por juiz singular.- Recommendation N.º R(86_) 12 Concerning Measures
to Prevent and Reduce the Excessive Workload in the Courts-https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CCIQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.justice.gov.sk%2FDokumenty%2FOSP%2FRECOMMENDATION%2520No.%2520R%2520%252886%2529%252012.pdf&ei=uMmEVP-kEIbaav2OgaAM&usg=AFQjCNHdOnuwNOLi3yKeAErYsQr5ihbXNg
; Compendium of “ best practices” on time management of judicial proceedings,
08/12/2006 da Comissão para a eficiência da Justiça do Conselho da Europa,sendo
referido o aumento do recurso à figura do juiz singular; Length of court
proceedings in the member states of the Council of Europe based on the case law
of the European Court of Human Rights, de 31/07/2012, é afirmado que os “
multi-members tribunals” são uma das causas dos atrasos judiciais- https://wcd.coe.int/com.instranet.InstraServlet?command=com.instranetCmdBlobGet&Instra-netImage=2204779&SecMode=1&DocId=1965298&Usage=2 .
[29] Com a especificidade de aqui partir da percepção do próprio juiz da
dificuldade presente no caso.
[30]
SOFIA DAVID, “Começado e não acabado, vale por
estragado: o que se tentou mudar com o novo ETAF e CPTA”, in “ O Anteprojecto
de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate”, Coordenadores: CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO,
AAFDL, Lisboa, 2014, p. 520.
[31] O que em certa medida é previsto já no art. 27.º, n.º1, al. h)
relativamente a providências cautelares.
[33] “ The decision of the tribunal that reviews an administrative act
should, at least in important cases, be subject to appeal to a higher tribunal, unless the case is directly
referred to a higher tribunal in accordance with the national legislation”.
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