O
contencioso administrativo e as Forças Armadas
Índice
2- Pequena evolução histórica do contencioso administrativo militar
3- Conflito positivo de jurisdições
4- O procedimento disciplinar militar
5- A aplicação do CPTA no julgamento da disciplina militar
6- Conclusão
7- Bibliografia
Introdução
Como todos sabem, as Forças Armadas têm uma forma de
funcionar muito destinta do resto da Administração Pública. Como ideias base na
vida militar estão: a hierarquia, a disciplina e respeito pelas instituições nacionais.
Algumas destas ideias, ao longo da história, foram esbarrando contra a “evolução”
do contencioso administrativo, e é exactamente esse o foco deste post.
Pequena evolução histórica do contencioso
administrativo militar
Em períodos anteriores à revisão constitucional de
1997, tínhamos todos os processos que fossem ligados às Forças Armadas a decorrer em Tribunais militares. Tribunais esses que funcionavam de forma autónoma e que eram presididos por militares, por norma com posições mais altas
e com alguma formação na área jurídica. Esses tribunais tinham uma forte noção de hierarquia, quer isto dizer, por vezes as decisões eram tomadas sem um
profundo e cuidado processo jurídico.
Com a revisão constitucional de 1997, veio a dar-se
uma grande mudança. Essa começa, exactamente com a extinção dos tribunais
militares. Podemos dizer que se abandona o contencioso militar e entramos na
aplicação do novo contencioso administrativo militar.
A “administrativização” do contencioso militar leva
aos tribunais administrativos os processos de disciplina militar. Essa matéria
passa a ser discutida e resolvida nos tribunais administrativos, o que de resto
é uma mudança lógica pois a disciplina militar pertence ao Direito Militar, que
de certa forma é um dos ramos do Direito Administrativo.
Outra das grandes mudanças da referida revisão
constitucional é a criação por parte do legislador dos números 4 e 5 do artigo
268º da Constituição da República Portuguesa. Estes preceitos vieram garantir
aos administrados o direito a impugnar as normas com eficácia externa dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos e garantir a tutela jurisdicional
desses mesmos direitos e interesses.
Já a nível processual, esta nova visão vem admitir a
cumulação de pedidos em função da mesma relação jurídica ou da mesma matéria de
facto ou direito (artigo 4º do CPTA).
Esta reforma estabeleceu um modelo com um grande pendor subjectivista. Veio também dar
mais garantas, direitos e forma de reagir aos militares que por alguma razão
foram submetidos a processos disciplinares. Há que notar que esta mudança tem
alguns pormenores que têm alguma relevância, como por exemplo uma abertura das
estruturas militares ao resto da administração e uma maior imparcialidade na
resolução de alguns processos.
O conflito positivo de jurisdições
O conflito de jurisdições vem de uma divergência de opiniões entre o Supremo Tribunal Militar e os restantes tribunais. De forma sucinta irei expor as duas teses.
Por um lado o STM alegava que o número 1 do artigo
120º do Regulamento Disciplinar Militar de 1997, (artigo que garantia a competência
ao STM de julgar os recursos contenciosos interpostos das decisões definitivas
e executórias dos Chefes de Estado-Maior em matéria administrativa militar),
era reafirmado pelo nº4 do artigo da Lei nº29/82, de 11 de Dezembro, tendo
suporte constitucional no nº3 do artigo 215º da CRP de 1989. Esta norma
manteria-se vigente de forma transitoria como preceituado no artigo 197º da Lei
Constitucional nº1/97. Para além deste
argumento, o STM alegava através de um dos seus acórdão, respeitantes à matéria:
“ se nenhum outro preceito legal, em especial do RDM, prevê, admite ou regula o
recurso contencioso das decisões proferidas em matéria disciplinar por outros
Chefes militares, é de rejeitar a hipótese de tais hipotéticos recursos serem interpostos por outros tribunais, sejam administrativos ou judiciais, não só
por não existir regulamentação processual que os viabilizasse, como por ser
aberrante que o legislador ordinário tivesse querido a existência de aparelhos
judiciais diferentes, de decisões idênticas”
Por outro lado o STA defendia que o STM era
incompetente para o julgamento de actos sancionatórios, pois o Tribunal
Constitucional, ainda antes da revisão constitucional de 1997, havia proferido
um acórdão (Acórdão do TC nº90/88, de 13 de Maio) onde se pronunciara no
sentido de “qualquer decisão em matéria disciplinar, quer tenha sido proferida
no âmbito da administração pública civil, quer no âmbito das Forças Armadas,
assume carácter de acto administrativo e os recursos interpostos dessas
decisões integram-se, indubitavelmente, no âmbito do contencioso administrativo”.
Na opinião do Dr. Vitor Pereia Chaveiro Coelho, a
análise feita pelo STM não estaria correcta, pois face às alterações
introduzidas pela Lei Constitucional nº1/97, de 10 de Setembro, a competência
estaria, nos termos dos artigos 209º,212º nº3 e 213º dos Textos
Constitucionais, atribuída aos tribunais administrativos.
Ao consider atribuidas a competência atribuida ao
STM, estariamos perante um conflito positivo de jurisdições, pois dois
tribunais teriam competência para se pronunciar sobre a mesma matéria.
O procedimento disciplinar militar
Neste ponto irei expor duas questões: a primeira
sobre o procedimento administrativo e a segunda sobre a as especificidades processuais do contencioso administrativo da disciplina militar.
No que respeita ao procedimento disciplinar militar,
este é regulado pelo Novo Regulamento de
Disciplina Militar (NRDM). Este processo, como todos os outros procedimentos
administrativos, está dividido por fases: fase da iniciativa, fase instrutória
e fase de decisão. Todas estas estão retratadas no NRDM, no seu Título IV.
Contudo o procedimento disciplinar militar tem algumas particularidades. Este processo ainda que administrativo, rege-se, em quase toda a sua totalidade, por princípios de Direito Penal. Isto leva a que todo o
procedimento administrativo disciplinar seja dotado de um maior rigor, como é
exemplo a obrigatoriedade de forma escrita de todos os actos do processo
disciplinar.
Quanto ao procedimento disciplinar, há que referir
que, à semelhança do processo administrativo, existem duas formas de processo
(comum e especial).
O processo especial funciona como um processo prévio
que poderá levar, ou não, a um “verdadeiro” processo disciplinar. Dentro destes
processos podemos encontrar as figuras: da averiguação, do inquérito e da
sindicância. Já o processo comum, é de natureza acusatória e tem como desfecho
ou o arquivamento ou a aplicação da pena.
Como já referido anteriormente, o sector militar é
um sector com diferenças vincadas em relação ao resto da Administração Pública,
e derivado disso mesmo, houve a necessidade de se adaptar o contencioso
administrativo às especificidades deste sector, sob pena de se criar um desequilibro no mesmo.
Em relação a estas diferenças vou referir duas que
meu ver são de maior relevância:
- A existência de um regime de excessão ao 128º do CTPA, o que leva a permissão da execução do acto administrativo sancionatório, ao contrário do regulado pelo CPTA que avança com a solução contrária, ou seja, a proibição automática da execução do acto.
- Uma maior rigidez dos critérios do artigo 120º do CPTA, em relação aos critérios de decisão das providências cautelares. Isto leva a que seja mais difícil o decretamento das providências por via de uma maior densificação dos critérios adoptados.
Para além destas duas caracteristicas referidas, o
NRDM prevê a figura do recurso hierarquico ncessário, figura que deixou de
existir no CPA. Esta figura tem muito haver com a questão de ser um sector que
por história é muitissimo hierarquizado, o que de certa forma faz algum
sentido. A interpretação feita por alguns autores deste termo no NRDM é a de
que a figura faz sentido existir desde que não estejam em causa direitos
fundamentais que de outra forma não possam ser acautelados, a não ser com o
recurso do poder judicial.
A aplicação do CPTA no julgamento da disciplina
militar
Para o âmbito do que tem sido falado, todos os meios
processuais que vêm previstos no CPTA, poderão ser usados por qualquer militar,
a qualquer altura, desde que sejam assuntos relacionados com a sua relação
jurídica administrativa com a Administração Militar e que tenham a devida
legitimidade para se socorrer desses mesmos meios.
Neste ponto é importante referir, que toda esta
possibilidade de poder socorrer-se das normas do CPTA para regular as relações
com a Administração Militar era totalmente impensável à uns anos atrás. Houve
um grande avanço no que toca à disciplina militar nos últimos 30 anos.
Actualmente, consagra-se com o CPTA, um verdadeiro
princípio de acesso ao direito e acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional
efectiva, com o direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável e
mediante um processo equitativo.
Conclusão
A evolução do contencioso administrativo levará a
uma uniformização desta área, contudo devemos ter em conta que alguns sectores
devem ser tratados de maneira diferente. Não quero deixar a ideia que uma área
deve ter mais privilégios ou um regime mais apertado, mas sim quero deixar
ideia que o sector militar é um sector muito particular e com uma cultura
institucional muito vincada. Muitos não percebemos a importância desta área
(Forças Armadas) no dia a dia do nosso país e por isso acabamos por fazer uma
análise do ponto de vista de um civil, por isso deixo um link com uma
apresentação que poderá ajudar a compreender a importância do sector militar.
Link: www.youtube.com/watch?v=LjAsM1vAhW0
Se não conseguirem aceder, procurem no youtube: Peter
van Uhm: Why I chose a gun
Bibliografia
Coelho, Vítor Pereira Chaveiro, “Contencioso
Administrativo da Disciplina Militar”, 2012 Monografia na Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa
Espírito Santo, Gabriel Augusto do, “Justiça
Militar: uma reflexão”, Outubro 2004, Revista Militar
António de Noronha Bragança, nº 21421
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