domingo, 7 de dezembro de 2014

O contencioso administrativo e as Forças Armadas

Índice


1-     Introdução
2-     Pequena evolução histórica do contencioso administrativo militar
3-     Conflito positivo de jurisdições
4-     O procedimento disciplinar militar
5-     A aplicação do CPTA no julgamento da disciplina militar
6-     Conclusão
7-     Bibliografia



Introdução


Como todos sabem, as Forças Armadas têm uma forma de funcionar muito destinta do resto da Administração Pública. Como ideias base na vida militar estão: a hierarquia, a disciplina e respeito pelas instituições nacionais. Algumas destas ideias, ao longo da história, foram esbarrando contra a “evolução” do contencioso administrativo, e é exactamente esse o foco deste post.


Pequena evolução histórica do contencioso administrativo militar


Em períodos anteriores à revisão constitucional de 1997, tínhamos todos os processos que fossem ligados às Forças Armadas a decorrer em Tribunais militares. Tribunais esses que funcionavam de forma autónoma e que eram presididos por militares, por norma com posições mais altas e com alguma formação na área jurídica. Esses tribunais tinham uma forte noção de hierarquia, quer isto dizer, por vezes as decisões eram tomadas sem um profundo e cuidado processo jurídico.

Com a revisão constitucional de 1997, veio a dar-se uma grande mudança. Essa começa, exactamente com a extinção dos tribunais militares. Podemos dizer que se abandona o contencioso militar e entramos na aplicação do novo contencioso administrativo militar.

A “administrativização” do contencioso militar leva aos tribunais administrativos os processos de disciplina militar. Essa matéria passa a ser discutida e resolvida nos tribunais administrativos, o que de resto é uma mudança lógica pois a disciplina militar pertence ao Direito Militar, que de certa forma é um dos ramos do Direito Administrativo.
Outra das grandes mudanças da referida revisão constitucional é a criação por parte do legislador dos números 4 e 5 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa. Estes preceitos vieram garantir aos administrados o direito a impugnar as normas com eficácia externa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e garantir a tutela jurisdicional desses mesmos direitos e interesses.

Já a nível processual, esta nova visão vem admitir a cumulação de pedidos em função da mesma relação jurídica ou da mesma matéria de facto ou direito (artigo 4º do CPTA).

Esta reforma estabeleceu um modelo com um  grande pendor subjectivista. Veio também dar mais garantas, direitos e forma de reagir aos militares que por alguma razão foram submetidos a processos disciplinares. Há que notar que esta mudança tem alguns pormenores que têm alguma relevância, como por exemplo uma abertura das estruturas militares ao resto da administração e uma maior imparcialidade na resolução de alguns processos.


O conflito positivo de jurisdições


O conflito de jurisdições vem de uma divergência de opiniões entre o Supremo Tribunal Militar e os restantes tribunais. De forma sucinta irei expor as duas teses.

Por um lado o STM alegava que o número 1 do artigo 120º do Regulamento Disciplinar Militar de 1997, (artigo que garantia a competência ao STM de julgar os recursos contenciosos interpostos das decisões definitivas e executórias dos Chefes de Estado-Maior em matéria administrativa militar), era reafirmado pelo nº4 do artigo da Lei nº29/82, de 11 de Dezembro, tendo suporte constitucional no nº3 do artigo 215º da CRP de 1989. Esta norma manteria-se vigente de forma transitoria como preceituado no artigo 197º da Lei Constitucional nº1/97.  Para além deste argumento, o STM alegava através de um dos seus acórdão, respeitantes à matéria: “ se nenhum outro preceito legal, em especial do RDM, prevê, admite ou regula o recurso contencioso das decisões proferidas em matéria disciplinar por outros Chefes militares, é de rejeitar a hipótese de tais hipotéticos recursos serem interpostos por outros tribunais, sejam administrativos ou judiciais, não só por não existir regulamentação processual que os viabilizasse, como por ser aberrante que o legislador ordinário tivesse querido a existência de aparelhos judiciais diferentes, de decisões idênticas”

Por outro lado o STA defendia que o STM era incompetente para o julgamento de actos sancionatórios, pois o Tribunal Constitucional, ainda antes da revisão constitucional de 1997, havia proferido um acórdão (Acórdão do TC nº90/88, de 13 de Maio) onde se pronunciara no sentido de “qualquer decisão em matéria disciplinar, quer tenha sido proferida no âmbito da administração pública civil, quer no âmbito das Forças Armadas, assume carácter de acto administrativo e os recursos interpostos dessas decisões integram-se, indubitavelmente, no âmbito do contencioso administrativo”.

Na opinião do Dr. Vitor Pereia Chaveiro Coelho, a análise feita pelo STM não estaria correcta, pois face às alterações introduzidas pela Lei Constitucional nº1/97, de 10 de Setembro, a competência estaria, nos termos dos artigos 209º,212º nº3 e 213º dos Textos Constitucionais, atribuída aos tribunais administrativos.
Ao consider atribuidas a competência atribuida ao STM, estariamos perante um conflito positivo de jurisdições, pois dois tribunais teriam competência para se pronunciar sobre a mesma matéria.


O procedimento disciplinar militar


Neste ponto irei expor duas questões: a primeira sobre o procedimento administrativo e a segunda sobre a as especificidades processuais do contencioso administrativo da disciplina militar.

No que respeita ao procedimento disciplinar militar, este é regulado pelo Novo Regulamento  de Disciplina Militar (NRDM). Este processo, como todos os outros procedimentos administrativos, está dividido por fases: fase da iniciativa, fase instrutória e fase de decisão. Todas estas estão retratadas no NRDM, no seu Título IV.

Contudo o procedimento disciplinar militar tem algumas particularidades. Este processo ainda que administrativo, rege-se, em quase toda a sua totalidade, por princípios de Direito Penal. Isto leva a que todo o procedimento administrativo disciplinar seja dotado de um maior rigor, como é exemplo a obrigatoriedade de forma escrita de todos os actos do processo disciplinar.

Quanto ao procedimento disciplinar, há que referir que, à semelhança do processo administrativo, existem duas formas de processo (comum e especial).

O processo especial funciona como um processo prévio que poderá levar, ou não, a um “verdadeiro” processo disciplinar. Dentro destes processos podemos encontrar as figuras: da averiguação, do inquérito e da sindicância. Já o processo comum, é de natureza acusatória e tem como desfecho ou o arquivamento ou a aplicação da pena.

Como já referido anteriormente, o sector militar é um sector com diferenças vincadas em relação ao resto da Administração Pública, e derivado disso mesmo, houve a necessidade de se adaptar o contencioso administrativo às especificidades deste sector, sob pena de se criar um desequilibro no mesmo.

Em relação a estas diferenças vou referir duas que meu ver são de maior relevância:

  • A existência de um regime de excessão ao 128º do CTPA, o que leva a permissão da execução do acto           administrativo sancionatório, ao contrário do regulado pelo CPTA que avança com a solução contrária, ou seja, a proibição automática da execução do acto.
  • Uma maior rigidez dos critérios do artigo 120º do CPTA, em relação aos critérios de decisão das providências cautelares. Isto leva a que seja mais difícil o decretamento das providências por via de uma maior densificação dos critérios adoptados.


Para além destas duas caracteristicas referidas, o NRDM prevê a figura do recurso hierarquico ncessário, figura que deixou de existir no CPA. Esta figura tem muito haver com a questão de ser um sector que por história é muitissimo hierarquizado, o que de certa forma faz algum sentido. A interpretação feita por alguns autores deste termo no NRDM é a de que a figura faz sentido existir desde que não estejam em causa direitos fundamentais que de outra forma não possam ser acautelados, a não ser com o recurso do poder judicial.


A aplicação do CPTA no julgamento da disciplina militar


Para o âmbito do que tem sido falado, todos os meios processuais que vêm previstos no CPTA, poderão ser usados por qualquer militar, a qualquer altura, desde que sejam assuntos relacionados com a sua relação jurídica administrativa com a Administração Militar e que tenham a devida legitimidade para se socorrer desses mesmos meios.

Neste ponto é importante referir, que toda esta possibilidade de poder socorrer-se das normas do CPTA para regular as relações com a Administração Militar era totalmente impensável à uns anos atrás. Houve um grande avanço no que toca à disciplina militar nos últimos 30 anos.

Actualmente, consagra-se com o CPTA, um verdadeiro princípio de acesso ao direito e acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva, com o direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável e mediante um processo equitativo.


Conclusão


A evolução do contencioso administrativo levará a uma uniformização desta área, contudo devemos ter em conta que alguns sectores devem ser tratados de maneira diferente. Não quero deixar a ideia que uma área deve ter mais privilégios ou um regime mais apertado, mas sim quero deixar ideia que o sector militar é um sector muito particular e com uma cultura institucional muito vincada. Muitos não percebemos a importância desta área (Forças Armadas) no dia a dia do nosso país e por isso acabamos por fazer uma análise do ponto de vista de um civil, por isso deixo um link com uma apresentação que poderá ajudar a compreender a importância do sector militar.

Link: www.youtube.com/watch?v=LjAsM1vAhW0

Se não conseguirem aceder, procurem no youtube: Peter van Uhm: Why I chose a gun


Bibliografia


Coelho, Vítor Pereira Chaveiro, “Contencioso Administrativo da Disciplina Militar”, 2012 Monografia na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


Espírito Santo, Gabriel Augusto do, “Justiça Militar: uma reflexão”, Outubro 2004, Revista Militar



António de Noronha Bragança, nº 21421

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