No âmbito do contencioso
administrativo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva toma grande relevo
como meio de protecção do indivíduo. Na maioria dos casos, as relações
jurídicas administrativas são constituídas por particulares e pessoas/entidades
de poder público no exercício do seu poder de autoridade, colocando as partes
numa situação de clara desigualdade, em que o particular é a parte mais fraca,
carecendo de um meio que garanta os seus direitos e interesses.
Para este estudo é necessário ter
presente o modelo de justiça administrativa, que se divide em duas teses:
objectivistas e subjectivistas. As teses objectivas consideram que o objectivo
do contencioso administrativo é tutelar a legalidade e o interesse público. Já,
as teses subjectivistas encaram os direitos e interesses dos particulares como o
verdadeiro objecto de tutela. O princípio da tutela jurisdicional efectiva é
uma concretização do modelo subjectivista pois, em termos muito genéricos, este
visa garantir o direito de acesso aos tribunais (e ao direito) a todos particulares,
por meio de um processo equitativo, de uma decisão em tempo razoável e da efectividade
da sentença. O princípio em causa é uma salvaguarda dos direitos dos indivíduos
na relação jurídico-administrativa.
O princípio em análise constitui
um direito fundamental consagrado, em geral, no artigo 20º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e no artigo 268º/4 e 5 da mesma, no que toca ao campo de acção
administrativa. Apesar de ser um direito constitucionalmente reconhecido,
carece de uma concretização por parte do legislador ordinário e esta
concretização encontra-se no artigo 2º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA).
O artigo 20º da CRP determina o
direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (epígrafe)
estabelecendo que todos os indivíduos, sejam eles pessoas individuais, colectivas,
nacionais ou estrangeiros, têm o direito de acesso ao direito, isto é, à
consulta jurídica e ao patrocínio judiciário, e o direito de acesso aos tribunais
que engloba os direitos de propor acção tal como o de responder à mesma, (princípio do contraditório), que a sua causa seja decidida, ou seja, que o
Tribunal se pronuncie sobre a mesma, que a decisão seja tomada em tempo
razoável, por meio de um processo equitativo, isto é, um processo em que se
respeite o princípio da justiça e à execução da decisão.
A nenhum indivíduo pode ser
negado este direito, sob pena de violação da constitucionalidade. No caso do
patrocínio judiciário e no caso do próprio acesso ao tribunal há que ter em
conta que nem todos possuem meios económicos suficientes para os suportar. O
patrocínio judiciário será sempre assegurado, mesmo quando não haja
possibilidade económica pela parte de o obter. Quanto ao nível das taxas e custas
judiciais, estas não podem ser de tal modo altas que tornem inviável o acesso aos
tribunais.
O artigo 268º da CRP revela uma
grande evolução na perspectiva da tutela dos indivíduos no que toca ao acesso à
justiça uma vez que, anteriormente, a única acção prevista era a de impugnação
de actos administrativos por ilegalidade e, para além disso, o acto tinha de
ser “definitivo” e “executório”. Hoje em dia, pode ser impugnado qualquer acto
que lese ou que ameace lesar o particular, independentemente da sua forma, o que significa, desde
logo, que um acto preparatório pode ser objecto de impugnação, desde que lese
ou haja possibilidade de lesão de direito ou interesse legalmente protegido daquele. Depois, o que se exige para que o acto possa ser impugnado é que
este seja eficaz ou que, mesmo não o sendo, acarrete consequências que prejudicam
os direitos e interesses do indivíduo.
Outro sinal de evolução no que
respeita ao artigo em análise é o de que, actualmente, as acções podem ser de
variados tipos, não se restringindo apenas à impugnação. Estas podem incidir
sobre o reconhecimento de direitos ou interesses (por meio de acção de simples
apreciação e inibitórias ou acções de condenação e de prestação), de
determinação da administração à pratica de actos legalmente devidos e ainda
podem ser adoptadas as medidas cautelares apropriadas à causa. Todas estas
situações têm concretização no Código de Processo nos Tribunais administrativos
– artigos 46º, 55º, 66º e seguintes, 72º e seguintes e 112º e seguintes.
O artigo 2º do CPTA é uma concretização
legislativa do princípio supracitado. O número dois deste artigo refere que “a
todo ou direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada”
o que mostra que o indivíduo tem uma panóplia de meios que pode usar para fazer
valer as suas pretensões, aliás os meios apropriados a fazer valer os seus
direitos.
Neste sentido, parece-me
importante analisar uma questão específica que se prende com as medidas
cautelares e quem tem sido uma questão amplamente discutida na doutrina a
propósito da sua íntima relação com o princípio em análise. As medidas
cautelares estão previstas no 112º e seguintes do CPTA. Apesar de não serem
processos principais mas, sim, acessórios estas revestem-se de uma grande
importância na medida em que garantem a utilidade do processo. A tutela
cautelar não resolve a questão de fundo, é apenas uma decisão provisória, que
servirá enquanto a decisão definitiva não é tomada. Sem a providência cautelar,
o direito ou interesse pode ser gravemente lesado e essa lesão pode-se tornar
de difícil ou, até, de impossível reparação. Imagine-se o caso em que a
administração autoriza o funcionamento, no centro de uma cidade, de uma fábrica
que emite resíduos altamente tóxicos. Se os interessados com legitimidade (como
por exemplo uma associação que tenha como objectivo a defesa do saúde pública
ou até mesmo um cidadão) não tivessem um meio para suspender a eficácia da
decisão (artigo 112/2/a) do CPTA) até ao momento em que a sentença fosse
proferida, a saúde pública seria seriamente lesada. Deste modo, é possível retirar a
conclusão de que as providências cautelares são um garante da efectividade da
tutela jurisdicional e uma das mais importantes dimensões deste princípio porque, sem elas, muitas das vezes, a decisão da causa não teria a utilidade de salvaguarda dos direitos e interesses legalmente protegidos.
A tutela jurisdicional efectiva é um corolário da dignidade da pessoa humana que comporta grande significado para que os direitos e interesses do particular sejam, de facto, assegurados na sua relação com a administração, sobretudo no domínio do uso dos seus poderes de autoridade.
Bibliografia:
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2012
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça
Administrativa: lições, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009
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da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, 2007
CANOTILHO, J.J Gomes/ MOREIRA, Vital, Constituição
da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, 2010
SILVA, Vasco Pereira da, Para um
Contencioso Administrativo dos Particulares, Almedina, 1989
Joana Soares de Aguiar
Nº21023
Subturma 6
Visto.
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