O
artigo 46º/1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, doravante
CPTA, refere a acção administrativa especial nos processos relativos a
pretensões emergentes da prática, da omissão de actos administrativos ou de
disposições normativas. Interessa-nos, aqui, a matéria quanto aos regulamentos,
na medida, em que a par do pedido de declaração de ilegalidade de normas com
força obrigatória geral, é admitido os pedidos de declaração de ilegalidade de normas
em casos concretos e a declaração de ilegalidade por omissão de regulamentos.
A
lesividade de muitos actos administrativos levou ao reforço das ideias de
legalidade administrativa e de protecção de muitos actos normativos. Nessa
medida, limitou-se a abstracção contra a impugnabilidade de regulamentos. Numa
fase introdutória, cabe referir que, ao longo dos anos as acções relativas a
normas sofreram modificações de regimes, com diferenciação dos tipos de
regulamentos (autoria e efeitos). O fim do argumento da separação de poderes
contra a invalidade jurisdicional dos regulamentos centrais, deu-se com a
atribuição de poderes legislativos ao governo. O artigo 268º/ 5 da Constituição
da República Portuguesa consagrou o direito de impugnação judicial directa das
normas administrativas, quando lesivas de direitos ou interesses dos
particulares. Cabe, assim, aos Tribunais Administrativos fiscalizar a
observância, uma vez que, as regras sobre a produção de normas regulamentares
são de Direito Administrativo.
MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA refere que à dualidade de meios processuais, sucede uma
dualidade de regimes quanto aos efeitos da declaração de ilegalidade. Os
artigos 72º e 73º do CPTA admitem dois tipos de pedidos. Em primeiro lugar, o
pedido de declaração com força obrigatória geral (artigo 76º CPTA) e, em
segundo lugar o pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto. Iremos
abordar de forma aprofundada ambos os pedidos, sujeitos a regimes diferentes.
PEDRO DELGADO ALVES indica que esta nova dualidade levanta diversas
interrogações, podendo estar, na prática, dois meios processuais distintos.
Nesse
sentido, cabe analisar, num primeiro plano o conceito de norma impugnável, de
acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA). O
conceito deve ser entendido de forma ampla, de acordo com todas as disposições
de Direito Administrativo com carácter geral e abstracto. CARLOS BLANCO DE
MORAIS dá conta da existência de acepções de norma jurídica, ou seja, entra a
distinção de normas legais e actos administrativos. De forma diferente, o
Tribunal Constitucional (TC) adopta uma definição funcional, assente numa noção
dualista de norma que abrange todos os diplomas aprovados sob forma de lei e
ainda, todos os actos normativos, desprovidos de forma legal. Contudo, tudo
isto parece não afectar a impugnação de normas regulamentares, onde, aqui o TC
adopta um conteúdo geral como critério de qualificação. Importa, também,
referir a já clássica dificuldade de distinção entre regulamento e acto
administrativo, proveniente do conceito de norma para efeitos de impugnação
junto dos Tribunais Administrativos. E aqui, apesar do CPTA referir o assunto,
quer no artigo 52º/3, quer no artigo 53º, bem como o artigo 89º/2 e 3, a
resposta ficará dependente da interpretação feita pelos Tribunais. Outro dos
problemas, prende-se com o facto de saber se o regulamento administrativo tem
de estar em vigor para poder ser impugnado. PEDRO DELGADO ALVES não encontra
qualquer razão para responder negativamente, uma vez que existe um claro
interesse na invalidação de regulamentos revogados. Tendemos a concordar com
esta opinião, não parecendo existir impossibilidade de impugnação destes
regulamentos.
O
pedido de declaração com força obrigatória geral (artigo 76º CPTA), não pode
basear-se numa inconstitucionalidade da norma regulamentar. O preceito do
artigo 72º/2 CPTA é bem claro, uma vez que o pedido constitui um conhecimento
subtraído à jurisdição administrativa. Só ao Tribunal Constitucional compete
declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de qualquer norma.
Num outro prisma, a declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral pode
basear-se na inconstitucionalidade da norma impugnada. A ilegalidade da norma
não põe em causa a impugnabilidade indirecta e incidental das normas nos
Tribunais Administrativos. Quer VIEIRA DE ANDRADE, quer AROSO DE ALMEIDA o
referem sem levantar questões de maior. Com base no artigo 75º o juiz pode
decidir “ com fundamento na ofensa de princípios ou normas jurídicas diversos
daqueles cuja violação haja sido invocada”. De acordo com o artigo 76º/1 CPTA a
declaração com força obrigatória geral, produz efeitos retroactivos, ficando
ressalvado as situações do artigo 76º/3. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA refere que
deste modo fica salvaguardado valor da segurança jurídica. Todavia, tudo isto
cede, aquando do princípio da aplicação retroactiva da norma sancionatória mais
favorável. (282º/3 CRP e 76º/3 parte final CPTA). Por estas razões, o tribunal
pode decidir com critérios do artigo 76º/2 CPTA. Parece claro, que a
importância da segurança jurídica, da equidade e do interesse público quando de
excepcional relevo, afastem a retroactividade.
A
declaração com força obrigatória geral só pode ser pedida pelos interessados,
depois da norma ter sido desaplicada em três casos concretos. Estes casos tanto
podem referir-se a processos de impugnação de normas em casos concretos, como a
processos de impugnação de actos em que tenha havido desaplicação das normas
aplicadas pelo acto (artigo 73º/1 CPTA). Relativamente ao Ministério Público,
este, pode pedir a declaração de ilegalidade, sem necessidade do requisito dos
três casos concretos, oficiosamente ou a requerimento das entidades legitimadas
para a acção popular. No fundo, todas estas soluções de inspiração objectivista
podem ser alvo de crítica, uma vez que a limitação da impugnabilidade das
normas é possível depois da aplicação de norma ter sido recusada em três casos
concretos. O legislador procura restringir o recurso a este meio aos casos onde
exista uma convicção elevada quanto à ilegalidade do preceito impugnado.
Quanto
aos efeitos da decisão, passam a produzir-se desde a data da emissão da norma,
nos termos do artigo 76º do CPTA. PEDRO DELGADO ALVES refere que o tribunal
pode salvaguardar a validade da revogação operada pela norma ilegal, não
podendo existir assim repristinação. Ainda sobre esta matéria, cabe discutir, a
ressalva dos casos julgados e dos actos administrativos inimpugnáveis. Tendemos
a concordar com JORGE MIRANDA, que entende que se deve dar uma resposta
positiva à possibilidade de ressalva de situações análogas ao caso julgado.
Deve ficar assegurada a estabilidade e a segurança jurídica. PAULO OTERO
defende que a declaração de inconstitucionalidade não afecta as situações
jurídico-administrativas consolidadas. Por fim, a jurisprudência não é muito
esclarecedora nestas matérias, sublinhando a invalidade sucessiva dos actos
administrativos em causa, como resultado lógico da invalidação da norma
constitucional. De facto, qual dos casos é pior, o particular que, não se
conformando com a norma inválida recorreu ao tribunal, onde obteve sentença
desfavorável, ou aquele que aceitou, sem contestação a aplicação da norma
inválida. Tal como Rui Medeiros, não encontramos fundamento para tratar pior o
primeiro caso referido. Em todo o caso, deve ressalvar-se os cidadãos que
confiam totalmente na justiça, ou aqueles que não dispõem de meios económicos
para levar a cabo uma acção jurisdicional.
Num
segundo plano, o artigo 73º/2 CPTA confere legitimidade para intentar uma acção
de impugnação sem força obrigatória geral ao lesado ou a qualquer das entidades
do artigo 9º/2 CPTA. Deve entender- se como lesado, o sujeito prejudicado pela
aplicação da norma ou que possa vir a sê-lo num momento próximo. Os efeitos
desta impugnação passam, sobretudo, pelos efeitos produzidos pela declaração de
invalidade. O pedido de desaplicação da norma através do pedido de declaração
de ilegalidade, deve estar sempre circunscrito ao caso concreto. Este preceito
é associado à garantia constitucional de impugnabilidade de normas
administrativas (artigo 268º/5 CRP). VIEIRA DE ANDRADE fala numa estrita
concretização da norma constitucional. Por outro lado, PEDRO DELGADO ALVES
interpreta de outra maneira o preceito da Constituição, devendo este ser mais
abrangente, necessitando de uma declaração com força obrigatória geral.
Por
último, em caso de existirem já três desaplicações da norma, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA,
indica que o particular pode optar entre o regime da impugnação com força
obrigatória geral ou por uma declaração sem efeitos gerais. Contudo, podendo
optar pelos dois primeiros números do artigo 76º CPTA, o particular, não parece
obter mais vantagens pela declaração de ilegalidade sem efeitos legais,
permitindo a manutenção em vigor da norma inválida.
No
fundo, existem algumas questões difíceis de entender, quando o legislador faz
da norma impugnada uma avaliação abstracta, ou como refere PEDRO DELGADO ALVES,
a opção do legislador em matéria de efeitos da declaração de eficácia com força
obrigatória geral, suscitando mais interrogações, deixando por resolver
problemas interpretativos.
BIBLIOGRAFIA:
MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, p. 335-337;
VIEIRA
DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, p. 213-223;
MÁRIO
ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: estatuto
dos tribunais administrativos e fiscais: anotados, Coimbra, Almedina- anotação aos
artigos 72º-77º;
PEDRO
DELGADO ALVES, O Novo Regime de Impugnação de Normas, in Novas e Velhas
Andanças do Contencioso Administrativo, AAFDL
MORAIS,
CARLOS BLANCO DE MORAIS, A Impugnação dos Regulamentos no Contencioso
Administrativo Português, in Temas e Problemas de Processo Administrativo,
Edição do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas.
Duarte
Alves, nº 21019
Visto.
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