O meu interesse
neste tema está relacionado com várias razões, nomeadamente com a ideia que
tenho que um Direito sem sanções ou sem quem as aplique dificilmente será um
corpo de regras com alguma eficácia (ideia adquirida já depois de frequentar a
licenciatura). Assim, se antes de ter ingressado na licenciatura de Direito, e
mesmo já a frequentar o curso, pensava que bastava a mera decisão do tribunal
para “ser feita justiça”, hoje entendo que na maioria dos casos não sucederá
assim. Não basta que o tribunal confira razão ao Autor ou ao Réu em pedido
reconvencional (numa acção declarativa), é necessário que haja alguma forma de
aplicar as consequências resultantes dessa tomada de posição, nomeadamente pela
via do processo executivo.
Como
no segundo semestre irei ter uma cadeira de processo executivo, achei interessante
acabar uma cadeira em que se estuda processo declarativo com uma espécie de
introdução à disciplina que irei ter.
A necessidade de
existência de um processo executivo:
A
existência de um processo executivo resulta necessário a partir do momento em
que se consagra na CRP, no artigo 268º/4, a tutela jurisdicional efectiva como
garantia dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos
particulares.
SÉRVULO
CORREIA, numa análise da Constituição moçambicana, que serve que nem uma luva à
realidade portuguesa, pergunta se é possível que tal princípio e garantia se
consigam assegurar apenas com o processo declarativo[i].
A
conclusão a que chega é que só havendo execução das sentenças é que se consegue
de facto assegurar a reparação da ofensa das posições tuteladas. A existência,
apenas, do processo declarativo apresentar-se-ia como uma garantia
constitucional meramente formal[ii]. Com
esta posição se concorda.
Dever de executar
as sentenças:
A
partir do momento em que se concebe o contencioso administrativo como um
verdadeiro contencioso, onde a ideia de administrador-juiz desapareceu[iii],
a conclusão só pode ser a de que as sentenças proferidas pelos tribunais
administrativos têm a mesma força que as sentenças dos tribunais judiciais.
Obrigam por si mesmas sem a necessidade da homologação por parte de uma
entidade administrativa[iv].
Esta
orientação está consagrada no artigo 158º do CPTA. Apesar do legislador
utilizar a expressão “as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias…”, deve entender-se que
“obrigatórias” é uma expressão sinónima de “dever de executar”[v]. Este
dever também se retira das consequências da não execução das sentenças
previstas no artigo 159º CPTA e em legislação avulsa, nomeadamente o crime de
desobediência (159º/2 CPTA)[vi].
O que se deve
entender por execução:
DIOGO
FREITAS DO AMARAL refere a importância de saber o que se deve entender por
execução, uma vez que em parte alguma o legislador procurou definir o conceito e
qual o seu âmbito (pelo menos expressamente). Parte da análise dos preceitos
legais em vigor (em 1989) para deles extrair a definição de “execução”.
Chega
à conclusão que execução consiste em:
1.
Um
ou mais comportamentos devidos pela Administração;
2.
Comportamento(s) positivos e não mera(s) abstenção(-ões);
3.
Comportamento(s)
voluntário(s).
Para
o Autor execução em contencioso administrativo tem um âmbito, na sua grande
maioria, diferente da execução em processo civil, uma vez que aqui a execução é
essencialmente execução forçada, a situação do tribunal se substituir ao
particular (ao réu, para que o Autor veja sua pretensão efectivada). Aqui tal
hipótese não se coaduna muito bem, desde logo pelo princípio da separação de
poderes e por ser à Administração que cabe o monopólio do uso da força[vii]
- apesar de já estar ultrapassada a figura do administrador-juiz.
Não
quer isto dizer que não haja formas de execução forçada no âmbito do
contencioso administrativo, mas estas serão mais raras. Verificar-se-á a sua
ocorrência, por exemplo, quando os superiores hierárquicos ou as entidades
tutelares se possam substituir ao órgão que deve acatar a decisão do tribunal[viii].
Entende
ainda que só há execução de condutas positivas, pois embora concorde que proferida
a sentença, a Administração está obrigada a condutas negativas ou omissivas, uma
vez que tem de respeitar o caso julgado (não pode emitir um acto administrativo
com o mesmo vício que inquinou o acto anulado/nulo, por exemplo), estas não se inserem
dentro do âmbito da execução da sentença mas sim no respeito pelo caso julgado,
apesar de pressuporem a execução correcta da sentença[ix].
VIEIRA
DE ANDRADE parece seguir o mesmo entendimento, apesar de inserir a execução de
sentenças que imponham uma obrigação de conteúdo negativo num número relativo a
outras hipótese de “execução de sentenças não expressamente previstas”[x], já
que diz que a execução destas se consubstanciará numa prestação de facto
positivo.
Aspectos gerais:
O
CPTA apenas regula a execução das sentenças favoráveis ao particular e
desfavoráveis à Administração – artigo 157º/2.
Existem
formas de execução diferentes e funcionalizados aos pedidos que foram formulados
no processo declarativo. Vamos encontrar a execução para a prestação de factos
ou coisas (arts.162º a 169º), a execução para o pagamento de quantia certa
(arts.170º a 172º) e execução de sentenças de anulação de actos administrativos
(arts.173º a 179º), correspondendo as duas primeiras a pedidos de condenação no
processo declarativo e a última a um pedido de declaração/simples apreciação ou
constitutivo.
Prevêem-se
duas formas de execução de sentenças. A espontânea e/ou voluntária por parte da
Administração, não sendo neste caso necessário o particular pedir a execução da
sentença ao Tribunal[xi];
e a execução voluntária e/ou forçada, quando resulte de petição de execução por
parte do interessado.
Existem
prazos diferentes para o cumprimento espontâneo tendo em conta o tipo de
execução em causa: três meses para a execução de sentenças de anulação de actos
(art.175º//1) e de prestação de factos e coisas (art.162º/1), e trinta dias
para o pagamento de quantia certa (art.170º/1).
A
competência para dar execução à sentença cabe ao órgão tem o dever de prestação
de factos ou de coisas, que está obrigado ao pagamento da quantia certa ou ao
órgão que tenha praticado o acto entretanto anulado (artigo 174º/1).
Por
outro lado temos a execução que resulta da instauração de uma petição para a
execução da sentença. Esta poderá ser voluntária se após a sentença de execução
o órgão da Administração cumprir o que foi determinado no prazo determinado ou
poderá ser forçada se intervierem outros órgãos que se substituam ao órgão
competente (por exemplo, artigo 167º/2 e 3).
O
tribunal competente varia, apesar de a regra, prevista no artigo 164º/1, ser a
da competência atribuída ao tribunal que decidiu a causa em primeiro grau de
jurisdição, não devendo ser feita uma interpretação literal do artigo 161º/4,
quando refere “…o tribunal que tenha proferido a sentença”, mas sim uma interpretação
sistemática e ainda apelando ao lugar paralelo que se encontra nos artigos 85º
e seguintes do CPC[xii].
Poderá ainda caber ao STA, nos termos do artigo 24º/1 d) do ETAF.
A
legitimidade pertence a quem foi parte na acção declarativa, nomeadamente ao
Ministério Público se foi parte, a qualquer pessoa se a sentença produzir
efeitos erga omnes, devendo ainda
aplicar-se as regras gerais de legitimidade[xiii].
O
prazo para propor a petição de execução é de seis meses a contar do término do
prazo para execução espontânea (artigos 164º/2, 170º/2, 176º/2). Vieira de
Andrade entende que também deve ser de aplicar neste âmbito o artigo 58º/4 que
prevê a figura do justo impedimento e do erro desculpável ou induzido pela
Administração[xiv].
Por
fim, é de referir que a órgão obrigado a executar a sentença pode licitamente
não o efectuar em caso de impossibilidade absoluta ou de grave prejuízo para o interesse
público nos casos de execução para prestação de facto ou coisas (artigo 163º/1)
e execução de sentenças de anulação (artigo 175º/2). Para o caso da execução
para o pagamento de quantia certa prevê-se a possibilidade de invocação de
facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação (artigo 171º).
O que achei mais
interessante:
Não
analisarei detalhadamente cada tipo de execução, apenas referirei o que me
chamou mais à atenção.
Achei
curioso que na execução para prestação de factos ou de coisas exista uma sanção
pecuniária compulsória que recai sobre o(s) titular(es) do(s) órgão(s)
administrativo(s) quando tal se justifique (artigos 169º e 3º/2).
O
engraçado é que pelo incumprimento de uma prestação por parte da Administração
(pessoa colectiva) se irá sancionar uma outra pessoa. À primeira vista parece
um pouco chocante que responda o património de uma pessoa que não é a que
efectivamente incumpriu com a sua obrigação. No entanto esta solução explica-se
relativamente bem, uma vez que se formalmente quem toma a decisão (ou quem não
a toma) é a Administração, materialmente o decisor é a pessoa sobre quem vai
recair a sanção pecuniária compulsória (isto devido à natureza e à forma como
são tomadas as decisões nas pessoas colectivas)[xv].
Não
colide com valores do sistema, estando-se desta forma a prosseguir um direito
fundamental previsto no artigo 268º/4 da CRP – a tutela jurisdicional efectiva
– que de outra forma poderia ser posto em causa, já que no fundo não recairia
sobre “ninguém” o incumprimento da sentença executória, não havendo por isso
alguém motivado a executar.
É
também que o processo de execução de sentenças de anulação tenha, de certa
forma, enxertado um processo declarativo (ver 176º/3, 4 e 5; e 179º). De facto
se no processo declarativo o Autor se “limitar” a pedir a anulação do acto
administrativo, o que consegue é uma sentença com eficácia constitutiva que
reconhece a invalidade. Contudo desde que entra em vigor o acto produz efeitos,
nomeadamente materiais que prejudicaram/prejudicam os particulares tornando-se
necessária a sua destruição. Para conseguir tal efeito é necessário cumular o
pedido de anulação com um pedido de condenação da Administração ao
restabelecimento da situação hipotética ou à prática do acto devido[xvi].
Como tal pode não acontecer, é o próprio CPTA que o admite, desde logo no
artigo 47º/3, conjugado com os artigos 173º e seguintes.
Esta opção poder-se-á justificar com um pouco
de história. No passado apenas se reconhecia o recurso de anulação, em que o
único pedido admissível era a anulação do acto administrativo. Só mais tarde na
fase executiva é que se conferia aos lesados a possibilidade de, nomeadamente pedirem
a condenação da administração a reconstituir a situação que existiria não fosse
o acto ilegal[xvii].
Hoje,
talvez de uma forma uma pouco paternalista ou de excesso de zelo (em favor do
lesado) continua a admitir-se tal hipótese não obstante já serem admitidos
pedidos condenatórios, entre muitos outros (devido à cláusula do designativa do
artigo 37º/2).
[i] SÉRVULO
CORREIA, A Execução das Sentenças
proferidas em Recurso Contencioso pelo Tribunal Administrativo de Moçambique,
página 5 e 6;
[ii] SÉRVULO
CORREIA, A Execução das Sentenças
proferidas em Recurso Contencioso pelo Tribunal Administrativo de Moçambique,
páginas 9 e 10;
[iii] VASCO
PEREIRA DA SILVA, Em busca do acto
administrativo perdido, Almedina, páginas 11 a 144;
[iv]
DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das
Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina,2ª Edição, 1997, página
25;
[v]
SÉRVULO CORREIA, A Execução das Sentenças
proferidas em Recurso Contencioso pelo Tribunal Administrativo de Moçambique,
página 12 e VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, 13ª Edição, Almedina, 2014, página 364;
[vi]
DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das
Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina,2ª Edição, 1997, página
26 e 27;
[vii]
DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das
Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina,2ª Edição, 1997, páginas 31,
32 e 33 ; VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, páginas 360, 361 e
362; VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um
Contencioso administrativo dos particulares, Almedina, página 251, quanto
aos motivos invocados para não se ver com bons olhos o processo executivo em
contencioso administrativo;
[viii]
DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das
Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina,2ª Edição, 1997, página
33;
[ix]
DIOGO FREITAS DO AMARAL, A Execução das
Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina,2ª Edição, 1997, página
38;
[xi]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, página 360, nota de rodapé 988 para a distinção entre
voluntário e espontâneo;
[xii]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, página 368, inclusive nota 1017;
[xiii]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, páginas 369 e 370;
[xiv]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, página 372;
[xv]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça
Administrativa, página 387;
[xvi]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa,
página 377;
[xvii]
VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um
contencioso administrativo dos particulares, página 250.
Visto.
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