domingo, 7 de dezembro de 2014

Caracterização da ação administrativa comum à luz dos pedidos que nela podem ser formulados

Para caracterizar a ação administrativa comum propus-me realizar uma análise dos pedidos que podem ser formulados ao abrigo desta forma de processo, de maneira a adquirir uma melhor compreensão do âmbito de aplicação da mesma, tendo em conta que tem como “missão” abarcar todas as pretensões que não cabem no objeto da ação administrativa especial.

O artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) vem, nesse sentido, regular um conjunto de situações que se reconduzem a esta forma processual e, não obstante ser a título meramente exemplificativo, a sua leitura e análise permite uma elucidação do objeto desta forma de processo.

Alíneas a) e b): ações de simples apreciação (ou ações de reconhecimento, na terminologia de VIEIRA DE ANDRADE)
Trata-se de sentenças que proporcionam apenas o reconhecimento da existência ou inexistência de direitos ou fatos, de situações jurídicas subjetivas, ou seja, de direitos e interesses legalmente protegidos, bem como do reconhecimento de qualidades ou de posições jurídicas através do preenchimento de condições que podem resultar da lei, de regulamento ou de ato administrativo.
Apesar da maioria de sentenças de simples apreciação estarem inseridas no âmbito da ação administrativa especial, nos processos impugnatórios de atos administrativos dirigidos à declaração de nulidade ou de inexistência desses atos, há um espaço de aplicação para este tipo de pretensões na ação comum, sendo aqui especialmente relevante o interesse processual na medida em que estamos perante uma pretensão de prevenção.
Este interesse processual vem especialmente regulado no artigo 39.º, exigindo uma utilidade ou uma vantagem para si, regulando as seguintes situações: uma situação de incerteza; a ilegítima afirmação por parte da administração da existência de determinada situação jurídica (designadamente de um dever ou de uma obrigação legal ou contratual do autor em que a pretensão do mesmo consistiria em pôr cobro a essas afirmações); ou ainda quando haja um fundado receio de que a administração possa vir a adotar uma conduta lesiva, perante ameaças de lesão, determinadas por uma incorreta avaliação da situação existente.

Alínea c): pedido de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, que pode ser pedido contra a administração e contra particulares.
O conceito de “comportamentos” deve ser entendido num sentido amplo, de modo a englobar operações materiais e meros atos jurídicos (como a abertura de concursos, fixação de prazos, recomendações, entre outros).
No que diz respeito à administração, pressupõe a existência de atuações concretas no âmbito de Direito Público, que não constituam atos administrativos impugnáveis.
Estão em causa pretensões de realização de prestações que podem ter por objeto o pagamento de quantias, entrega de coisas ou a prestação de fatos mas que não dependem da prática de um ato administrativo.
Acontece nos casos das relações contratuais, de responsabilidade civil extracontratual em que a administração não tem o poder de dizer o Direito, e nos casos em que já houve a prática de um ato administrativo e o que se vem pedir afinal são meras atuações da administração, no âmbito do cumprimento de um dever de prestar (o que faz com que, perante a recusa da administração, não estejamos perante um ato de indeferimento).
Relativamente à possibilidade dos particulares formularem um pedido de condenação da administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo, há que atender com especial cautela a esta última parte da alínea c), que é alvo de alguma controvérsia na doutrina.
Autores como VIEIRA DE ANDRADE propõem uma interpretação muito restritiva por entenderem que esta faculdade é suscetível de interferir com o normal exercício da função administrativa, propondo que esta faculdade apenas intervenha em casos em que a administração estiver proibida por lei de praticar um ato com o conteúdo em causa, ou em casos em que a lei conferir um direito ao interessado, o direito de exigir a abstenção de uma determinada conduta.
De acordo com o entendimento de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o centro da questão não é propriamente a prevenção dos poderes da autoridade da administração mas sim a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares devendo assim este mecanismo ser utilizado como uma “válvula de segurança” do sistema de tutela jurisdicional nas situações em que os mecanismos impugnatórios não sejam suficientes para uma tutela jurisdicional efetiva.
De acordo com VIEIRA DE ANDRADE, mesmo que se pretenda conferir um alcance mais amplo a este pedido, caberá sempre à jurisprudência, embora a lei não defina os pressupostos de admissibilidade, verificar se há um efetivo interesse em agir decorrente da insuficiência do meio impugnatório contra o ato que viesse eventualmente a ser praticado.
Esse interesse existirá nos casos em que a ação impugnatória não assegurar a tutela efetiva dos direitos do particular.

Alínea d): pedido de restabelecimento de direitos ou interesses violados.
Em regra, quando se trata de reconstrução da situação atual através da atuação de um ato administrativo, esse pedido pode ser cumulado com o pedido de impugnação, na ação especial, pelo que só entrará um pedido destes no âmbito da ação comum quando não disser respeito a um ato administrativo, mas sim de meras operações materiais.
São pretensões com caráter restitutivo em que se pretende a reconstituição da situação atual hipotética, o interessado pede essa reconstituição e a administração concretiza o cumprimento do dever que lhe cabe para a realização desse pedido, como vem expressamente previsto no artigo 2.º n.º2 alínea j).
São pedidos que se dirigem necessariamente contra a administração e visam obter a condenação nas condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados por aquela. 

Alínea e): pretensões dirigidas a obter a realização de prestações de fato, de coisa ou de pagamento de uma quantia
No domínio da ação comum, em que está afastado todo o contencioso de impugnação de atos administrativos, é natural que a maioria das pretensões se dirijam à emissão de sentenças de condenação para a realização de prestações de fato, que não dependem, naturalmente, da prática de um ato administrativo (nesse caso, cairíamos no âmbito da ação especial, através de um pedido de condenação à pratica do ato).
De acordo com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, nesta alínea reside o elemento essencial do campo de delimitação da ação comum e da ação especial.
Nos termos da ação comum que tem como pedido a condenação da administração à realização de prestação de fato, pagamento de uma quantia ou entrega de uma coisa, não há qualquer dependência de um ato administrativo, ou porque já há um ato administrativo anterior que permitiu a constituição de um direito na esfera do particular ou porque não há a exigência de um ato administrativo porque o direito decorre diretamente de normas jurídico-administrativas.
O CPTA reconhece desta forma que nem todas as pretensões que os particulares apresentam à administração se dirigem à emissão de atos administrativos. Os poderes da administração estão sujeitos ao princípio da tipicidade pelo que, caso estejamos fora do âmbito desses poderes expressamente previstos, a administração está colocada numa situação de paridade com o particular.
Está então em causa nesta alínea, não a prática de atos administrativos mas sim a realização de simples atuações, a realização de prestações a que a administração se encontra obrigada, sem que tenha o poder de a recusar através de um indeferimento.
Trata-se do cumprimento de deveres obrigacionais típicos da administração de prestações que se desenvolvem em grande medida no contexto do Estado Social (como por exemplo as prestações da Segurança Social).
A definição do campo de atuação próprio para este pedido pressupõe a adoção de um conceito restrito de “ato administrativo” como “decisão” ou “ato regulador”.

Alínea f): Responsabilidade civil das pessoas coletivas
A matéria da responsabilidade civil extracontratual encontra-se submetida a esta forma de processo.
Estas ações têm por objeto as questões sobre responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes de atos do Estado, dos demais entes públicos, dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes e demais servidores públicos mas também de sujeitos privados quando lhes seja aplicável o regime específico da responsabilidade dos entes públicos.
Atribui-se à jurisdição administrativa o conhecimento de questões relativas à responsabilidade do Estado.

Alínea g): Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público
Estamos perante pretensões que não dizem respeito à responsabilidade civil extracontratual uma vez que está em causa a pretensão de uma indemnização que é devida pela imposição de sacrifícios.
A jurisdição administrativa é a sede competente para atribuir indemnizações deste tipo, que derivam de sacrifícios sofridos por razões de interesse público.

Alínea h): interpretação, validade ou execução dos contratos
Esta alínea vem dispor que as ações sobre contratos podem ser utilizadas para a resolução de quaisquer litígios relativos a contratos que se encontrem sujeitos à jurisdição administrativa.
O CPTA não permite que, no âmbito da ação comum, ao abrigo desta alínea, se impugne um ato praticado em execução de um contrato por entender que a sede própria para tal é a ação especial, o que coloca o problema de fazer a distinção, quanto à execução contratual pela administração, quando se está perante a prática de um ato administrativo ou quando se está apenas perante uma declaração negocial.
Esta questão é resolvida por via legislativa, no Código dos Contratos Públicos (CCP), mais especificamente no artigo 307.º n.º2, que tipifica os casos em que há um verdadeiro ato administrativo.
Outra questão é a de saber qual é a forma utilizada quando se pretende a condenação da Administração à prática de um ato em cumprimento de um contrato que envolva o exercício de poderes públicos.
Neste caso, entende-se que deve ser formulado um pedido de condenação da administração à prática de um ato administrativo devido na ação especial uma vez que, de acordo com o entendimento de VIEIRA DE ANDRADE, a “circunstância de a obrigação da prática decorrer de um contrato não altera o caráter e as dimensões substanciais de autoridade e de subordinação legal próprias de tal forma de atuação administrativa”.

Alínea i): pedidos relacionados com o enriquecimento sem causa
É aplicável no âmbito das relações jurídico-administrativas que, por terem por objeto a realização de uma prestação, nada estando relacionadas com atos administrativos, cabem no âmbito da ação comum. Estes pedidos não se devem confundir com os pedidos relacionados com responsabilidade civil nem com os pedidos relacionados com o restabelecimento de direitos ou interesses violados na medida em que não estão em causa atuações ilegais.

Alínea j): Relações jurídicas entre entidades administrativas
Esta possibilidade surge por motivos como a necessidade decorrente da “pulverização organizacional da Administração Pública” e pelo desenvolvimento da administração autónoma.
Definem-se aqui as ações em função das partes e englobam qualquer um dos pedidos previstos no artigo 37.º.

Bibliografia:
Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013;
Andrade, José Vieira de - “A Justiça Administrativa – Lições”, 13ª Edição, Almedina, 2014;
Silva, Vasco Pereira – “O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, Almedina, 2009.

Sofia Paixão



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