Para caracterizar a ação
administrativa comum propus-me realizar uma análise dos pedidos que podem ser
formulados ao abrigo desta forma de processo, de maneira a adquirir uma melhor
compreensão do âmbito de aplicação da mesma, tendo em conta que tem como “missão”
abarcar todas as pretensões que não cabem no objeto da ação administrativa
especial.
O artigo 37.º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) vem, nesse sentido, regular um
conjunto de situações que se reconduzem a esta forma processual e, não obstante
ser a título meramente exemplificativo, a sua leitura e análise permite uma
elucidação do objeto desta forma de processo.
Alíneas a) e b): ações de simples apreciação (ou ações de
reconhecimento, na terminologia de VIEIRA DE ANDRADE)
Trata-se de sentenças que
proporcionam apenas o reconhecimento da existência ou inexistência de direitos
ou fatos, de situações jurídicas subjetivas, ou seja, de direitos e interesses
legalmente protegidos, bem como do reconhecimento de qualidades ou de posições
jurídicas através do preenchimento de condições que podem resultar da lei, de
regulamento ou de ato administrativo.
Apesar da maioria de sentenças de
simples apreciação estarem inseridas no âmbito da ação administrativa especial,
nos processos impugnatórios de atos administrativos dirigidos à declaração de
nulidade ou de inexistência desses atos, há um espaço de aplicação para este
tipo de pretensões na ação comum, sendo aqui especialmente relevante o
interesse processual na medida em que estamos perante uma pretensão de prevenção.
Este interesse processual vem
especialmente regulado no artigo 39.º, exigindo uma utilidade ou uma vantagem
para si, regulando as seguintes situações: uma situação de incerteza; a ilegítima
afirmação por parte da administração da existência de determinada situação
jurídica (designadamente de um dever ou de uma obrigação legal ou contratual do
autor em que a pretensão do mesmo consistiria em pôr cobro a essas afirmações);
ou ainda quando haja um fundado receio de que a administração possa vir a adotar
uma conduta lesiva, perante ameaças de lesão, determinadas por uma incorreta
avaliação da situação existente.
Alínea c): pedido de condenação à adoção ou abstenção de
comportamentos, que pode ser pedido contra a administração e contra
particulares.
O conceito de “comportamentos”
deve ser entendido num sentido amplo, de modo a englobar operações materiais e
meros atos jurídicos (como a abertura de concursos, fixação de prazos,
recomendações, entre outros).
No que diz respeito à
administração, pressupõe a existência de atuações concretas no âmbito de
Direito Público, que não constituam atos administrativos impugnáveis.
Estão em causa pretensões de
realização de prestações que podem ter por objeto o pagamento de quantias,
entrega de coisas ou a prestação de fatos mas que não dependem da prática de um
ato administrativo.
Acontece nos casos das relações
contratuais, de responsabilidade civil extracontratual em que a administração
não tem o poder de dizer o Direito, e nos casos em que já houve a prática de um
ato administrativo e o que se vem pedir afinal são meras atuações da
administração, no âmbito do cumprimento de um dever de prestar (o que faz com
que, perante a recusa da administração, não estejamos perante um ato de
indeferimento).
Relativamente à possibilidade dos
particulares formularem um pedido de condenação da administração à não emissão
de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo, há
que atender com especial cautela a esta última parte da alínea c), que é alvo
de alguma controvérsia na doutrina.
Autores como VIEIRA DE ANDRADE
propõem uma interpretação muito restritiva por entenderem que esta faculdade é
suscetível de interferir com o normal exercício da função administrativa,
propondo que esta faculdade apenas intervenha em casos em que a administração
estiver proibida por lei de praticar um ato com o conteúdo em causa, ou em casos
em que a lei conferir um direito ao interessado, o direito de exigir a abstenção
de uma determinada conduta.
De acordo com o entendimento de
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o centro da questão não é propriamente a prevenção dos
poderes da autoridade da administração mas sim a tutela dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares devendo assim este mecanismo
ser utilizado como uma “válvula de segurança” do sistema de tutela
jurisdicional nas situações em que os mecanismos impugnatórios não sejam
suficientes para uma tutela jurisdicional efetiva.
De acordo com VIEIRA DE ANDRADE,
mesmo que se pretenda conferir um alcance mais amplo a este pedido, caberá
sempre à jurisprudência, embora a lei não defina os pressupostos de
admissibilidade, verificar se há um efetivo interesse em agir decorrente da
insuficiência do meio impugnatório contra o ato que viesse eventualmente a ser
praticado.
Esse interesse existirá nos casos
em que a ação impugnatória não assegurar a tutela efetiva dos direitos do
particular.
Alínea d): pedido de restabelecimento de direitos ou interesses
violados.
Em regra, quando se trata de
reconstrução da situação atual através da atuação de um ato administrativo,
esse pedido pode ser cumulado com o pedido de impugnação, na ação especial,
pelo que só entrará um pedido destes no âmbito da ação comum quando não disser
respeito a um ato administrativo, mas sim de meras operações materiais.
São pretensões com caráter
restitutivo em que se pretende a reconstituição da situação atual hipotética, o
interessado pede essa reconstituição e a administração concretiza o cumprimento
do dever que lhe cabe para a realização desse pedido, como vem expressamente
previsto no artigo 2.º n.º2 alínea j).
São pedidos que se dirigem
necessariamente contra a administração e visam obter a condenação nas condutas
necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados por
aquela.
Alínea e): pretensões dirigidas a obter a realização de prestações de
fato, de coisa ou de pagamento de uma quantia
No domínio da ação comum, em que
está afastado todo o contencioso de impugnação de atos administrativos, é
natural que a maioria das pretensões se dirijam à emissão de sentenças de
condenação para a realização de prestações de fato, que não dependem,
naturalmente, da prática de um ato administrativo (nesse caso, cairíamos no
âmbito da ação especial, através de um pedido de condenação à pratica do ato).
De acordo com MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, nesta alínea reside o elemento essencial do campo de delimitação da
ação comum e da ação especial.
Nos termos da ação comum que tem
como pedido a condenação da administração à realização de prestação de fato,
pagamento de uma quantia ou entrega de uma coisa, não há qualquer dependência
de um ato administrativo, ou porque já há um ato administrativo anterior que
permitiu a constituição de um direito na esfera do particular ou porque não há
a exigência de um ato administrativo porque o direito decorre diretamente de
normas jurídico-administrativas.
O CPTA reconhece desta forma que
nem todas as pretensões que os particulares apresentam à administração se
dirigem à emissão de atos administrativos. Os poderes da administração estão
sujeitos ao princípio da tipicidade pelo que, caso estejamos fora do âmbito
desses poderes expressamente previstos, a administração está colocada numa
situação de paridade com o particular.
Está então em causa nesta alínea,
não a prática de atos administrativos mas sim a realização de simples atuações,
a realização de prestações a que a administração se encontra obrigada, sem que
tenha o poder de a recusar através de um indeferimento.
Trata-se do cumprimento de
deveres obrigacionais típicos da administração de prestações que se desenvolvem
em grande medida no contexto do Estado Social (como por exemplo as prestações
da Segurança Social).
A definição do campo de atuação
próprio para este pedido pressupõe a adoção de um conceito restrito de “ato
administrativo” como “decisão” ou “ato regulador”.
Alínea f): Responsabilidade civil das pessoas coletivas
A matéria da responsabilidade
civil extracontratual encontra-se submetida a esta forma de processo.
Estas ações têm por objeto as
questões sobre responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes de
atos do Estado, dos demais entes públicos, dos titulares dos seus órgãos,
funcionários e agentes e demais servidores públicos mas também de sujeitos
privados quando lhes seja aplicável o regime específico da responsabilidade dos
entes públicos.
Atribui-se à jurisdição
administrativa o conhecimento de questões relativas à responsabilidade do
Estado.
Alínea g): Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da
imposição de sacrifícios por razões de interesse público
Estamos perante pretensões que
não dizem respeito à responsabilidade civil extracontratual uma vez que está em
causa a pretensão de uma indemnização que é devida pela imposição de
sacrifícios.
A jurisdição administrativa é a
sede competente para atribuir indemnizações deste tipo, que derivam de
sacrifícios sofridos por razões de interesse público.
Alínea h): interpretação, validade ou execução dos contratos
Esta alínea vem dispor que as
ações sobre contratos podem ser utilizadas para a resolução de quaisquer
litígios relativos a contratos que se encontrem sujeitos à jurisdição
administrativa.
O CPTA não permite que, no âmbito
da ação comum, ao abrigo desta alínea, se impugne um ato praticado em execução
de um contrato por entender que a sede própria para tal é a ação especial, o
que coloca o problema de fazer a distinção, quanto à execução contratual pela
administração, quando se está perante a prática de um ato administrativo ou
quando se está apenas perante uma declaração negocial.
Esta questão é resolvida por via
legislativa, no Código dos Contratos Públicos (CCP), mais especificamente no
artigo 307.º n.º2, que tipifica os casos em que há um verdadeiro ato
administrativo.
Outra questão é a de saber qual é
a forma utilizada quando se pretende a condenação da Administração à prática de
um ato em cumprimento de um contrato que envolva o exercício de poderes
públicos.
Neste caso, entende-se que deve
ser formulado um pedido de condenação da administração à prática de um ato
administrativo devido na ação especial uma vez que, de acordo com o
entendimento de VIEIRA DE ANDRADE, a “circunstância de a obrigação da prática
decorrer de um contrato não altera o caráter e as dimensões substanciais de
autoridade e de subordinação legal próprias de tal forma de atuação
administrativa”.
Alínea i): pedidos relacionados com o enriquecimento sem causa
É aplicável no âmbito das
relações jurídico-administrativas que, por terem por objeto a realização de uma
prestação, nada estando relacionadas com atos administrativos, cabem no âmbito
da ação comum. Estes pedidos não se devem confundir com os pedidos relacionados
com responsabilidade civil nem com os pedidos relacionados com o
restabelecimento de direitos ou interesses violados na medida em que não estão
em causa atuações ilegais.
Alínea j): Relações jurídicas entre entidades administrativas
Esta possibilidade surge por
motivos como a necessidade decorrente da “pulverização organizacional da
Administração Pública” e pelo desenvolvimento da administração autónoma.
Definem-se aqui as ações em
função das partes e englobam qualquer um dos pedidos previstos no artigo 37.º.
Bibliografia:
Aroso de Almeida, Mário, Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2013;
Andrade, José Vieira de - “A Justiça Administrativa –
Lições”, 13ª Edição, Almedina, 2014;
Silva, Vasco
Pereira – “O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as
acções no novo processo administrativo”, Almedina, 2009.
Sofia Paixão
Visto.
ResponderEliminar