Para
analisar o que é hoje a figura da acção administrativa especial, na modalidade
de impugnação de acto administrativo é necessário voltar um pouco atrás e fazer
uma breve referência ao instituto do recurso de anulação que, pela primeira,
foi substituído aquando da reforma do contencioso administrativo de 2002/2004.
A ideia principal a reter é que, pese o nome que então lhe
era dado, de recurso, o instituto não
era um recurso propriamente dito: destinado à obtenção de uma apreciação
jurisdicional de segunda instância. O recurso de anulação era sim,
verdadeiramente, um meio processual para a impugnação de actos administrativos.
E apesar de se denominar de anulação,
as sentenças proferidos nesta sede tinham outros efeitos que não o efeito demolitório próprio da anulação. Surgiam
em sede de recurso de anulação sentenças com efeitos condenatórios ou de
simples apreciação, afastando a ideia de que as sentenças de anulação só
poderiam conter efeitos cassatórios, sem esquecer o facto de existirem outros
efeitos com natureza conformativa e repristinatória.
Porém, era evidente a inexistência de um conteúdo adequado da
sentença face aos efeitos que eram produzidos pela mesma. Estes efeitos, que
não eram efectivamente demolitórios (próprio da anulação), não eram vistos como
efeitos principais: na maior parte dos casos eram considerados acidentais. Constata-se assim, como bem
realçou o Professor Vasco Pereira da Silva, que o recurso de anulação não era apenas de anulação, se analisados os efeitos das sentenças.
Antes de prosseguir na análise dos efeitos das sentenças proferidas
no âmbito do recurso de anulação, é necessário reter a ideia que a doutrina
dominante antes da reforma do contencioso entendia que o único pedido que era
admissível era o de anulação do ato administrativo, daí que, pese embora o que
foi dito sobre os outros efeitos obtidos pelas sentenças de recurso de anulação,
os efeitos das sentenças dali decorrentes eram de natureza essencialmente constitutiva ou anulatória, o que subtraí-a uma certa utilidade às sentenças, uma vez que, em muitas situações, o acto
administrativo já tinha sido executado ou estava em execução. Nestas situações,
para que o direito lesado fosse devidamente tutelado, o pedido de anulação do acto
não era efectivamente suficiente (tendo em conta a perspectiva do recurso de
anulação, nestas situações só era permitido ir para além do pedido - de anulação - através do antigo processo
declarativo de execução). Efectivamente, só nos casos de execução de actos que
se encontravam suspensos é que o simples pedido de anulação chegaria para a
tutela do direito do particular afectado.
É neste ponto essencial que a reforma do contencioso de
2002/2004 deu um grande passo em frente: abriu com a substituição do recurso de
anulação pela acção administrativa especial, na qual se passou a permitir não
só a anulação do acto em si como também a cumulação de pedidos, levando à
apreciação de toda a relação material controvertida. O objecto do litígio já
não se circunscreve à anulação do acto administrativo – como era próprio do
recurso de anulação - mas passa antes a englobar toda a relação jurídica
administrativa no âmbito da qual foi emanado o acto impugnado, como objecto da acção
administrativa especial.
O ponto de viragem versou exactamente sobre a admissibilidade
de serem formulados pedidos cumulativos a nível geral e, consequentemente, com
a possibilidade dessa cumulação também se verificar com o pedido de anulação de
acto administrativo lesivo. De referir ainda que esta cumulação, como indica o
Professor Miguel Teixeira de Sousa, parece dar bastante relevância à cumulação aparente (brevemente definida
como aquela que tem uma mesma e única utilidade própria, sem se auferir
benefícios autónomos pela procedência de cada um dos pedidos).
Assim, como resulta do entendimento do Professor Vasco Pereira
da Silva, da livre admissibilidade dos pedidos houve uma errónea compreensão
generalizada, considerando-se que tudo aquilo que vai para além do pedido de
anulação consubstanciava uma verdadeira cumulação de pedidos. É preciso
considerar que no contencioso actual os actos administrativos impugnáveis são
todos aqueles capazes de provocar uma lesão ou afectar as posições de
particulares. Temos, nesta medida, presente uma ideia subjectivista do
contencioso administrativo: houve, na verdade, a alteração da própria definição
do que é acto administrativo, onde a cumulação dos pedidos veio permitir a tutela
plena e efectiva dos direitos dos particulares nas relações jurídico-administrativas.
Não nos referimos apenas às relações bilaterais entre o particular e a
Administração, mas também ao caso das relações multilaterais/poligonais,
englobando também aqui a tutela de terceiros
(como, bem ou mal – mal no nosso entender – se tende a classificar estas
partes).
Deu-se assim cumprimento à exigência plasmada no artigo.
268.º/4 da CRP, onde se consagra um direito fundamental de impugnação
administrativos que são susceptíveis de lesar terceiros (critério do acto
lesivo, também acrescentado pela reforma do contencioso de 2002/2004), sem, no
entanto, esquecer os outros mecanismos que permitem a impugnação de actos
administrativos, quando esteja em causa a tutela directa da legalidade e do
interesse publico (acção popular e acção pública). O legislador formulou, nesse
sentido, o artigo 51.º/1 CPTA, abarcando as duas realidades da tutela das
relações jus-administrativas.
A final, deixemos clara a referência de que, no CPTA, só os actos
de conteúdo positivo podem ser objecto de um processo de impugnação, dirigido à
anulação ou declaração de nulidade. Face aos actos de conteúdo negativo, a
forma contenciosa de reacção passa pela condenação
a prática de ato devido - veja-se atentamente o 51.º/4 do mesmo diploma
legal. O artigo 51.º/4 refere-se, pois, essencialmente aos casos em que há
unicamente um pedido de anulação de um acto administrativo, pedindo-se somente
a condenação à prática do acto devido. Em cumulação, não existe a necessidade
de alterar a petição inicialmente formulada. Caso o autor não substitua a
petição, nos casos em que apenas deduz pedido de anulação, haverá a absolvição da
instância, nos termos do artigo 89.º CPTA.
Bibliografia:
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Cumulação de P. e C.A no C.A», in
«Cadernos de J.A» cit.,nº34,Julho/Agosto 2002
VASCO PEREIRA DA SILVA, «Em busca do Ato Administrativo
Perdido»
VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise»
Andreia Viegas
Nº21701
Visto.
ResponderEliminar