I.
Perspectiva
Histórica
No domínio
da LPTA, o contencioso administrativo era um regime de matriz meramente
cassatória, cabendo ao tribunal poderes de pronúncia sobre um juízo de
legalidade e onde o recurso contencioso de anulação era o meio processual por
excelência, nele se confundindo e a ele praticamente se resumindo todo o
comentário administrativo. O contencioso pré-contratual não tinha qualquer
autonomia processual, isto é, não era objecto de qualquer disciplina processual
autónoma, sendo a tutela jurisdicional assegurada pelo recurso contencioso de
anulação e pela impugnação de normas, inexistindo qualquer medida cautelar
específica que não a tradicional suspensão da eficácia do acto regulada no
artigo 76º e ss. da LPTA, que, em geral, não granjeava particular simpatia na
jurisprudência nacional e em especial no domínio da contratação pública. O que
delimitava o recurso à via jurisdicional era o critério do acto lesivo, com
todas as dificuldades a ele inerentes, e já não o tipo de contrato para cuja
formação existia o procedimento.
Da génese do D.L nº 134/98, de 15 de Maio nasceu a chamada “contratação pública”
entendida em sentido amplo, deixando de abarcar só a aquisição ou locação de
bens e serviços, e ganhando um peso particularmente relevante numa economia
débil como a portuguesa.
Foi por imposição comunitária para
transposição da “Directiva-Recursos”, e sob a ameaça de propositura de acção contra
o Estado português por incumprimento, que surgiu o D.L nº134/98, de 15 de Maio.
Os referidos comandos comunitários, impunham a concretização de uma tutela
jurisdicional, não só ao nível de anulação dos actos ilegais, mas também
pela imposição de uma tutela cautelar
para impedir que os actos ilegais produzissem efeitos lesivos para os
particulares.
Este D.L acabou por se tornar num
trampolim para alguns aspectos, senão mesmo a quase totalidade, do regime do
contencioso pré-contratual hoje previsto no CPTA, pelo que foi um passo
importante para a tutela dos particulares nos procedimentos para a formação de
contratos.
A Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, veio
alterar o ETAF e o CPTA e adiar a entrada em vigor destes dois diplomas para 1
de Janeiro de 2004. O legislador ao saber que iria transpor para o CPTA o
regime- aperfeiçoado- do D.L nº 134/98, de 15 de Maio, ao mesmo tempo que sabia
que a entrada em vigor deste seria prolongada por mais um ano, antecipou-se na
correcção das deficiências que lhe eram apontadas.
Foram adicionados os contratos de
concessão de obras públicas, ao mesmo tempo que se possibilitou a impugnação
das normas constantes dos programas de concurso e cadernos de encargos, também
há muito reclamada, como forma de pôr termo ao sistema dualista do regime
especifico de impugnação de actos respeitantes aos procedimentos
pré-contratuais, por um lado, e o regime geral da impugnação de normas que
regulam os mesmos procedimentos, por outro.
O “malfadado” prazo de 15 dias passou a
ser de 1 mês.
Podemos, assim, dizer que o D.L nº
134/98, de 15 de Maio, na sua fase embrionária, ao que se seguiram as
alterações pela Lei nº4-A/2003, de 19 de Fevereiro, ainda que para uma vigência
transitória, constituíram o primeiro regime de contencioso pré-contratual e uma
ante-câmara do actual regime do CPTA.
II.
Contencioso
Pré-Contratual no CPTA- Processo Urgente e tipo de Acção
O CPTA dedica um título específico aos
“processos urgentes”, integrando diversos processos, agrupados nas categorias
de impugnações urgentes e de intimações( artigos 97º e ss do CPTA).
A ideia de processos principais
urgentes, caracterizados pela sua celeridade ou prioridade, radica na convicção
de que determinadas questões ou tipos de questões, em função de determinadas
circunstâncias próprias, devem ou têm de obter, quanto ao respectivo mérito,
uma resolução pela via judicial num tempo curto. .
O CPTA, resolveu autonomizar, como
processos principais urgentes, quatro espécies de processos: impugnações
relativas a eleições administrativas, impugnações relativas à formação de
determinados contratos, intimações para prestação de informações e intimações
para protecção de direitos, liberdades e garantias.
A designação legal de impugnações aponta
para processos em que estará em causa, em primeira linha, a verificação da
legalidade de pronúncias da Administração, mas tal não significa
necessariamente que as correspondentes sentenças se refiram apenas à invalidade
dos atos impugnatórios, isto é, que sejam, por definição, declarativas ou
constitutivas, pois que, seguramente no caso dos processos eleitorais, mas
também nos processos pré-contratuais, pode pedir-se e obter-se a condenação direta
da Administração.
Reveste-se de particular importância
situar a relação do contencioso pré-contratual na dicotomia Acção
Administrativa Comum (de ora em diante, AAC) /Acção Administrativa Especial (de
ora em diante, AAE).
O contencioso pré-contratual relacionar-se-á
privilegiadamente com a AAE, sem prejuízo de acolher alguns aspectos da AAC,
sobretudo no que toca a acções sobre contratos e à tutela indemnizatória, por
força da cumulação de pedidos.
A identificação com a AAE é-nos dada
triplamente pela intercepção dos artigos 37º,46º e 100º/1 e 2 do CPTA,
respectivamente os preceitos que estabelecem o âmbito de aplicação da AAC, AAE
e do contencioso pré-contratual.
Desde logo, da formulação genérica do
37º/1, ao que se segue a enumeração exemplificativa do nº2, depreende-se que
estamos perante as relações administrativas paritárias( relações entre
particulares e Administração- Administração não está investida no seu poder de
autoridade)
A formulação excludente do 37º/1,
atribui à AAC um carácter residual, em que só seguirão esta forma, os litígios
que, no âmbito da jurisdição administrativa, não estejam previstos na forma
especial.
Ora, bastava atentar na formulação do
art. 100º/1 e 2 e do 46º/1 para percebermos que estamos perante processos com
génese ou com base na AAE, porém expressamente excluídos desta pelo nº3 do 46º (delimitação
negativa) e incluídos no contencioso pré-contratual(100º/1 CPTA)(delimitação
positiva).
Tendo o contencioso pré-contratual a sua
génese na AAE, não se limita à sua aplicação subjectiva, antes pelo contrário,
terá subjacente toda a sua construção jurídica, incluindo, desde logo, os
poderes de pronúncia do tribunal e a possibilidade de formulação dos pedidos.
Quer com isto dizer que no âmbito do contencioso pré-contratual, os
particulares poderão formular os seguintes pedidos:
a)
Anulação de um acto administrativo ou
declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica
b)
Condenação à prática de um acto
administrativo legalmente devido
c)
Declaração de ilegalidade de uma norma
emitida a abrigo de disposições de direito administrativo ou comunitário
d)
Declaração de ilegalidade de não
emanação de uma norma que devesse ser emitida ao abrigo das disposições de
direito administrativo ou comunitário.
Mas, sempre, delimitados aos actos e
normas, emitidos ou omitidos, no âmbito dos procedimentos para a formação de
contratos previstos no 100º/1 do CPTA.
III.
Contencioso
Pré-Contratual- Âmbito de Aplicação- Legitimidade Activa
A legitimidade deve ser entendida como
“o pressuposto adjectivo através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito
admitidos a participar em cada processo levado a tribunal”( Acórdão do TCA
Norte de 22.10.2009, processo nº 01352/08)
No que se refere à sua vertente ativa
cumpre começar por dizer que é pacificamente admitido que, em concretização do
disposto nos artigos 20º e 268º da CRP, o CPTA instituiu um modelo de
contencioso marcadamente subjectivista, preocupado em primeira linha com a
tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Por
este motivo, a legitimidade activa depende, em geral, de o autor alegar ser
“parte na relação material controvertida”(artigo 9º/1 do CPTA).
Não obstante, no que se refere aos
pedidos impugnatórios, esta regra geral sofre uma “adaptação”, visto que neste
âmbito a lei não exige que o autor seja titular da relação material
controvertida, assentando antes na alegação de ocorrência de uma lesão na
esfera jurídica do autor.
Só terão legitimidade activa os
titulares de direitos e interesses legalmente protegidos no procedimento
administrativo pré-contratual. O controlo da legalidade será sempre assegurado
pela legitimidade reconhecida ao MP, pelo que a subjectivismo não faz com que o
controlo da legalidade fique no ar.(arts. 9º/2, 55º/2, 73º/2 CPTA)
Sobra, no entanto, a dúvida se poderá,
ou não, obter-se, neste processo, a condenação à prática dos atos
pré-contratuais devidos. É uma dúvida que não é susceptível de resposta
normativa expressa por via da remissão do artigo 100º/1 CPTA, na medida em que
a remissão não abrange o artigo 47º, que permite a cumulação de pedidos de
anulação com pedidos de condenação, de reconstituição e de anulação do
contrato, entre outros.
De facto, o texto legal apenas se refere
à impugnação de actos ou documentos, e distingue estruturalmente as impugnações
urgentes das intimações, que têm, por definição, carácter condenatório. Embora
pela letra do artigo 100.º/1 e pela sua remissão do artigo 51.º/4, resulte não
serem admitidos pedidos de estrita anulação de actos de indeferimento, sendo
meio próprio a acção administrativa especial de condenação à prática de acto
devido, já que não abrangida pelo carácter de urgência.
Vamos pois além da letra da lei e nada
obsta em termos substanciais a que seja pedida e concedida a condenação, que,
pelo contrário, se insere bem no espírito do direito reformado, de grande
abertura processual em favor da tutela judicial efectiva que prefere a
condenação nos casos de impugnação de atos negativos. Temos, também, o apoio da
maior parte da doutrina, que através dos elementos teleológico e sistemático da
interpretação da norma jurídica admite a
acção urgente prevista no artigo 100.º para as situações de acto de
indeferimento, de omissão de decisão ou de inércia administrativa.
Por outro lado, também não se lhe podem
contrapor obstáculos processuais decisivos, pelo menos nos casos em que o
pedido condenatório seja cumulado com uma impugnação, na medida em que a regra
geral da cumulação remete para a acção administrativa especial “com as
adaptações que se revelem necessárias”.
Admitem-se, pois, não só pedidos de
natureza impugnatória, como de natureza condenatória.
E o futuro? O futuro está com a posição
de alargamento à condenação à prática do acto devido. O novo CPTA prevê no
âmbito do contencioso pré-contratual o alargamento, e vem também estender o seu
âmbito objectivo, passando a abranger todos os contratos que tenham sido
precedidos de procedimentos pré-contratuais de direito público, desde logo os
contratos previstos no artigo 6º/1 do Código dos Contratos Públicos.
Neste caso, ir para além da letra da lei
não fez mal a ninguém, tornando mais efectiva a defesa dos particulares.
BIBLIOGRAFIA
RELEVANTE
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pré-contratual,in Cadernos de Justiça Administrativa, CEJUR,
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DIAS,PAULO LINHARES,O Contencioso Pré-Contratual no CPTA, Revista da Ordem dos
Advogados, Lisboa, Setembro de 2007
VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS, A Justiça Administrativa, Almedina, 2014
CALDEIRA, MARCO, Da legitimidade activa no contencioso pré-contratual- em especial, os
pedidos impugnatórios baseados na ilegalidade das peças procedimentais, Revista
do Ministério Público 134, Abril/Junho, 2013
CABRAL, MARGARIDA OLAZABAL, Processos Urgentes Principais- Em especial,
o contencioso pré-contratual, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº94,
Julho/Agosto, 2012
CARVALHO, ANA CELESTE, A acção de contencioso pré-contratual-
perspectivas de reforma, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº76,
Julho/Agosto, 2009
Francisco Lourenço Cordeiro Ferreira, nº22067
Visto.
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