sábado, 6 de dezembro de 2014

Recurso Hierárquico: Necessário ou Facultativo?



Introdução
            A matéria do Recurso Hierárquico Necessário (de agora em diante R.H.N.) enquadra-se na temática das garantias impugnatórias (se traduzem naquelas que perante um acto administrativo já praticado, aos particulares é admitida por lei a impugnação desse acto), estando ao lado de figuras como a Reclamação e Recurso Tutelar (ínsitos no artigo 158º/2 CPA).
            O R.H.N. traduz-se assim num dos mecanismos de impugnação de actos administrativos praticados por um órgão subalterno perante o se superior hierárquico, com o fim que este o revogue ou substitua.


Evolução histórica e questão da constitucionalidade
            Os dois marcos históricos essenciais no estudo desta matéria centram-se nos anos de 1989 e 2004.
            Até à alteração da CRP em 1989, a figura do Recurso hierárquico entendia-se como necessário, no sentido em que para se ir a tribunal era necessário interpor um recurso (no superior hierárquico) e só depois é que se poderia efectivamente chegar a tribunal. Ou seja, em primeiro lugar impugnava.se administrativamente e numa segunda fase é que se iria a tribunal.
            E, porque é que o Recurso hierárquico era necessário? Era-o devido às condições de impugnabilidade contenciosa (ou seja, saber com que actos é que se poderiam recorrer a tribunal). Só eram admitidos, no R.H.N., os actos definitivos e executórios, levantando aqui a questão da tripla definitividade.
Assim, tínhamos tês tipos de definitividade, a saber:
- Definitividade Material – o acto tinha de dar uma solução jurídica ao caso concreto;
- Definitividade Horizontal – o acto punha termo ao procedimento  administrativo;
- Definitividade Vertical – só eram impugnados os actos que fossem proferidos pelos órgãos administrativos.

            Entendia-se então o recurso necessário porque se exigia a definitividade e a execução.
            O professor Vasco Pereira da Silva entende que a partir de 1989 a exigência do R.H.N. passou a ser inconstitucional. A doutrina maioritária entendia que a CRP já não exigia que o recurso hierárquico fosse necessário mas, se a lei ordinária continuasse a prever isso, então não haveria problema.
            No entanto, este entendimento foi feito até à reforma de 2002-2004 do CPTA, sendo que a partir da reforma deixou de se exigir a definitividade vertical e com a alteração do artigo 268º/4 CRP, onde se deixou de exigir a definitividade vertical do acto como pressuposto de recurso ao meio contencioso, bastando apenas a existência da lesividade.

            Assim, no entendimento do professor supra referido que o R.H.N. acabou lá atrás na história pois a CRP já não o prevê e consequentemente com a reforma de 2004 este deixou de ser obrigatório, sendo que todo e qualquer R.H.N. estaria ferido de inconstitucionalidade. Este vício de inconstitucionalidade surgiria da violação dos princípios da plenitude da tutela dos direitos dos particulares - artigo 268º/4 CRP, pois ao negar-se admissibilidade de recurso hierárquico quando não existiu R.H.N, considera-se como uma negação do direito fundamental de recurso contencioso; da desconcentração administrativa - artigo 267º/2 CRP, que obrigaria o recurso directo aos tribunais pelo acto lesivo do subalterno; e, da separação de poderes entre a Justiça e a Administração - artigo 205º e ss e 266º e ss CRP, pois faz depender o acesso aos tribunais da utilização de uma garantia administrativa.

            No entanto, Vieira de Andrade não considera existir inconstitucionalidade nos casos de impugnação administrativa obrigatória através da violação do artigo 268º/4 CRP. Vieira de Andrade entende que o referido artigo apenas obriga a que não seja excluído, de forma alguma, o acesso a meios contenciosos quando exista lesão formada por acto administrativo. Pela leitura do referido artigo, não parece que o mesmo exclua a condicionante de acesso aos tribunais com a exigência de R.H.N., pois esse acesso é sempre possível. Por último, o professor no seu entendimento conclui que nos casos em que é necessária a interposição de recurso hierárquico tal é justificado pelo crivo do princípio da unidade de acção administrativa, constante nos artigos 267º/2 e 199º alínea d) CRP e da economia processual no contencioso administrativo.

            Nos dias de hoje, o recurso hierárquico é entendido, quase unanimemente entre a doutrina e jurisprudência, enquanto pressuposto de impugnação contenciosa dos actos administrativos.


Enquadramento do regime consagrado no CPTA:
            Concluída a última reforma do CPTA, a maioria da doutrina entende que a mesma veio estabelecer, como regra geral, o recurso hierárquico como alternativo. Pela análise do artigo 51º/1 do referido resulta que o critério de impugnabilidade contenciosa dos actos apenas será o da lesividade e o artigo 59º/4 relativo à suspensão dos prazos para impugnação contenciosa, estabelece-os para quando tenha sido intentado um recurso administrativo, sendo que o nº5 do mesmo artigo prevê criteriosamente a situação de recorra aos tribunais administrativos mesmo na duração da pendência da impugnação contenciosa.
            Neste sentido pronuncia-se o professor Vasco Pereira da Silva quando diz que este é o meio de impugnação para todos os actos administrativos tendo em conta as que as disposições legais do qual o R.H.N é constituído são, no entender do referido professor, inconstitucionais e terão sido revogadas já.
            Contudo, em sentido doutrinário contrário encontra-se o professor Mário Aroso de Almeida que entende que esta regra será apenas geral do contencioso administrativo pois mantém-se em vigor as disposições avulsas do R.H.N., sendo que o novo regime não revoga as “(…)múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições que só poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se considerassem extintas.”
            Rebuscando a posição do Professor Vasco Pereira da Silva acima referida e, com o devido respeito acerca da mesma, não me parece a melhor escolha afirmar-se que esta legislação avulsa não se encontraria numa posição de especialidade face ao regime geral vigente.
            No entanto há que analisar se, nos casos em que é exigido o R.H.N para que uma acção judicial seja instaurada, é igualmente exigido ou não que se aguarde pela decisão resultante do procedimento de impugnação administrativa. Tendo sido a opção do legislador a necessidade de interposição do recurso hierárquico, exige-se que se espere até ao fim do processo, por razões de economia processual do contencioso, evitando assim gastos desnecessários na Administração Pública.


Conclusão:
            Em suma, e retomando a querela da constitucionalidade ou não do R.H.N, entendo que a posição mais equilibrada será a da defesa da constitucionalidade do R.H.N. Com a eliminação de 1989 dos requisitos de definitividade e executoriedade dos actos e a posterior incrementação do critério da lesividade dos actos, tal não significa uma directa e total discricionariedade de abertura para um recurso contencioso imediato.
            Assim, há uma limitação ao direito de acesso à justiça e não uma negação desse mesmo direito, por conseguinte, o princípio da separação de poderes continua respeitado porque há a possibilidade de recurso a meios contenciosos, pois o que é exigido em primeira mão é a tentativa de resolução do litígio graciosamente; o princípio da desconcentração administrativa encontra-se respeitado sendo as competências distribuídas por diferentes órgãos. Ainda cumpre referir que a efectividade da tutela traduz-se no maior problema embora não ache que essa efectividade deixe de existir por completo, ainda que reduzidos os prazos.




Ana Rapoula, nº 20968 4ºAno, subturma 6

______________________________________________________________________

Bibliografia:

Andrade, Vieira de – “A Justiça Administrativa”, Almedina, Coimbra, 2009;

Andrade, Vieira de - "Em defesa do recurso hierárquico necessário", Cadernos de Justiça Administrativa nº 0

Almeida, Mário Aroso de – “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Lisboa, 2005;

Silva, Vasco Pereira da – “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo”, Almedina, 2ª Edição 2009;

Silva, Vasco Pereira da - "De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico", Cadernos de Justiça Administrativa nº 47.




1 comentário:

  1. Visto.

    «Nos dias de hoje, o recurso hierárquico é entendido, quase unanimemente entre a doutrina e jurisprudência, enquanto pressuposto de impugnação contenciosa dos actos administrativos»?????

    ResponderEliminar