Providência cautelar: critérios de decisão
1. Introdução
Está previsto na Constituição o direito à tutela efectiva da
defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art.
268º/4 CRP), ou seja, a plena jurisdição.
A providência cautelar é um meio contencioso urgente cujo
objectivo é “dar tempo para que se faça justiça”, isto porque por vezes a
regulação de interesses conflituantes não pode aguardar a decisão definitiva do
tribunal sob pena de que, quando esta decisão for proferida, tenham já ocorrido
prejuízos irreparáveis. Assim, a providência vem assegurar a efectividade da
tutela jurisdicional e contribui para o êxito dessa tutela, tendo fundamento
constitucional na garantia do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º/1
CRP).
As providências cautelares encontram-se reguladas nos art. 112º
e ss do CPTA e caracterizam-se por serem provisórias (vigoram somente enquanto
o processo principal não for julgado e não fazem caso julgado), instrumentais
(visam assegurar a utilidade da lide) e sumárias (juízos que o tribunal faz são
sumários por razões de celeridade e susceptíveis de virem a ser alterados na
acção principal).
O art. 112º/1 CPTA vem admitir que se podem pedir qualquer
tipo de providências cautelares desde que sejam adequadas para assegurar a
utilidade da sentença. Logo, ao juiz pode pedir-se tudo o que for adequado
dentro dos limites legais.
O CPTA refere ainda que, para além das providências
especificadas no CPTA, podem ser aplicáveis providências cautelares do CPC com
as devidas adaptações. O Prof. Vieira Andrade critica este preceito dizendo
que, não faz sentido olhando para o regime processual administrativo uma vez
que o CPTA já permite quaisquer providências cautelares pelo que o CPC não
traria nenhum tipo de inovação.
As providências cautelares podem ser intentadas em três
momentos: antes da instauração da acção principal, juntamente com a petição
inicial ou na pendência da acção principal (art. 114º/3/4 CPTA)
2.Critérios de
decisão
Os critérios necessários para o procedimento das
providências cautelares estão regulados no art. 120º CPTA e servem para
orientar o juiz na adopção de uma decisão acerca do decretamento de uma
providência cautelar e do tipo de providência cautelar.
2.1- Periculum in
mora
Este é também conhecido como requisito de perigosidade pois,
vai avaliar se existe ou não perigo de inutilidade, seja total ou parcial, da
sentença devido ao decurso do tempo e à adopção ou abstenção da pronúncia
administrativa.
Este requisito vem expresso no art. 120º/1/b/c) CPTA que,
nos diz que o juiz deve fazer uma previsão ou suposição, colocando-se na
situação futura da presumível sentença da acção principal para concluir se
existem ou não razões para temer que a sentença seja inútil porque se deu uma
situação de facto incompatível com aquela sentença ou existem prejuízos
difíceis de reparar.
Portanto, o requente terá de provar que essas consequências
incompatíveis com a sentença final são suficientemente prováveis, de tal forma
que se justifique o decretamento da providência cautelar, ou seja, tem de
mostrar que existe um receio fundado da constituição de uma situação de facto.
O “periculum in mora” pode ser de duas espécies:
infrutuosidade (regra geral, exige decretamento de providência conservatória
para manter a situação existente) ou retardamento (requer a adopção de uma
providência antecipatória que antecipe, total ou parcialmente, a solução pretendida
ou a regule inteiramente ainda que provisoriamente).
O juiz deve sempre ponderar as situações concretas do caso
tendo em conta a utilidade da sentença e não deve decidir com base em critérios
abstractos.
2.2- Fummus boni iuris
Este requisito também é conhecido por aparência de bom
direito uma vez que, consagra a juridicidade material como padrão da decisão
cautelar.
É um requisito de relevo fundamental, em que o juiz tem de
avaliar sumariamente a probabilidade da procedência da acção principal, ou
seja, terá de avaliar a possível existência do direito ou ilegalidade invocados
pelo particular.
Caso exista uma evidência da procedência da reivindicação do
particular na acção principal o Prof. Vieira Andrade vem afirmar que, em
princípio, este será o único factor relevante para a decisão da adopção da
providência cautelar (art. 120º/1/a CPTA). Nestes casos o juiz poderá decretar
a providência sem prova do receio do facto consumado ou do facto de difícil
reparação porque, se é evidente que o sujeito tem razão quanto ao seu pedido
não haverá razão para não conceder a providência cautelar. O critério legal
seria portanto o do carácter evidente da procedência das acções, nos casos
acima enunciados. Há contudo limites a este preceito que só se aplicará a
acções administrativas especiais nas situações de ilegalidade (inexistência,
nulidade ou anulabilidade), exigindo para as restantes situações a verificação
do critério da perigosidade e ponderação de interesses especialmente quando
existam contra-interessados e não se encontre em causa a lesão de posições
jurídicas subjectivas do requerente. Todavia, o Prof. Vieira Andrade defende
que, mesmo nas situações de nulidade pode ter de se considerar a ponderação de
interesses quando haja possibilidade de se reconhecer efeitos jurídicos às
situações de facto decorrentes do acto nulo.
Esta evidência é contudo provisória e pode ser revista na
acção principal quando existam novos elementos ou até uma reapreciação mais
profunda e reflectida dos elementos já existentes.
Assim, nos casos em que é evidente a legalidade ou
ilegalidade da pretensão o fummus boni iuris ou fummus malus será o fundamento
decisivo para a concessão ou recusa da pretensão do requerente.
Nas situações em que não há certezas acerca da existência da
ilegalidade ou do direito do particular (situações intermédias) a lei dá-nos a
solução tendo em conta a providência requerida, fala-se aqui de um critério
gradualista. Se houver maior probabilidade da existência do direito poderá ser
decretada a providência cautelar, quer seja conservatória[1]
ou antecipatória[2].
Caso seja pedida uma providência conservatória não é necessário provar a
probabilidade da pretensão, basta que não haja uma manifesta falta de
fundamento. Mas se a providência for antecipatória tem de haver um juízo
positivo de probabilidade para justificar a concessão de tal providência.
2.3-
Proporcionalidade
Este requisito é também conhecido pela doutrina como
ponderação de interesses pois, são os interesses das partes em acção que terão
de se ponderar para chegar a uma solução justa.
Assim, mesmo que se verifiquem os outros dois requisitos, o
juiz poderá recusar a providência cautelar se o prejuízo resultante para o
requerido for superior ao prejuízo que se quer evitar com aquela providência
cautelar. Para o Prof. Mário Aroso estamos perante uma cláusula de salvaguarda
cujo propósito é o de proteger os interesses dos requeridos.
Estamos aqui perante um princípio de proporcionalidade na
dimensão estrita de equilíbrio quanto à decisão sobre a concessão ou recusa da
providência.
O juiz tem portanto a tarefa de avaliar os resultados das
várias alternativas para decidir se concederá a providência ou se pelo
contrário aquela decisão não se justifica devido aos prováveis efeitos negativos
que provocará na esfera jurídica do requerido. Estas efeitos negativos têm de
ser considerados pelo juiz desproporcionais em relação àqueles que o requerente
quer evitar com a providência cautelar.
Portanto, neste requisito estão em causa os danos ou
prejuízos reais que se esperam ao tempo previsível de duração da medida e tendo
em conta as circunstâncias do caso concreto.
Há ainda outra questão a ter em conta quanto a este
requisito que é a do confronto entre interesses privados e interesses públicos
sendo que, há uma ideia de prevalência dos interesses públicos em relação aos
particulares que o Prof. Vieira Andrade recusa por completo afirmando que, a
lei não pode ser interpretada desta forma, não havendo portanto lugar a uma
reconhecimento implícito ou pretexto para a prevalência sistemática dos
interesses públicos sobre os privados. Assim, neste confronto o juiz deverá
seguir o princípio da proporcionalidade e averiguar se a providência requerida
causará prejuízos superiores àqueles que se querem evitar.
O juiz não tem de conceder ao requerente a providência por
ele pedida, podendo decretar outra em alternativa ou então decretar “contra-providências”,
que se verificam quando o juiz concede a providência mas, por exemplo, coloca
limites à acção do requerido.
Para o decretamento de uma providência cautelar haverá
participação directa dos contra-interessados que é garantida através da
indicação obrigatória no requerimento inicial e pela citação para uma possível
oposição não obstante o risco de demora que esta oposição poderá causar.
[1] Manutenção ou preservação de
situação já existente para garantir a utilidade da sentença na acção principal.
[2] Antecipação, total ou
parcial, da constituição de uma situação jurídica nova que se requer também na
acção principal, ainda que provisoriamente.
Bibliografia:
- Almeida, Mário Aroso – “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2012
- Andrade, José Vieira de - “A Justiça Administrativa – Lições”, 13ª Edição, Almedina, 2014
- Silva, Vasco Pereira – “O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, Almedina, 2009
Marina Gomes
22492
Visto.
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