domingo, 7 de dezembro de 2014

Providência cautelar: critérios de decisão

1. Introdução
Está previsto na Constituição o direito à tutela efectiva da defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 268º/4 CRP), ou seja, a plena jurisdição.
A providência cautelar é um meio contencioso urgente cujo objectivo é “dar tempo para que se faça justiça”, isto porque por vezes a regulação de interesses conflituantes não pode aguardar a decisão definitiva do tribunal sob pena de que, quando esta decisão for proferida, tenham já ocorrido prejuízos irreparáveis. Assim, a providência vem assegurar a efectividade da tutela jurisdicional e contribui para o êxito dessa tutela, tendo fundamento constitucional na garantia do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º/1 CRP).
As providências cautelares encontram-se reguladas nos art. 112º e ss do CPTA e caracterizam-se por serem provisórias (vigoram somente enquanto o processo principal não for julgado e não fazem caso julgado), instrumentais (visam assegurar a utilidade da lide) e sumárias (juízos que o tribunal faz são sumários por razões de celeridade e susceptíveis de virem a ser alterados na acção principal).
O art. 112º/1 CPTA vem admitir que se podem pedir qualquer tipo de providências cautelares desde que sejam adequadas para assegurar a utilidade da sentença. Logo, ao juiz pode pedir-se tudo o que for adequado dentro dos limites legais.
O CPTA refere ainda que, para além das providências especificadas no CPTA, podem ser aplicáveis providências cautelares do CPC com as devidas adaptações. O Prof. Vieira Andrade critica este preceito dizendo que, não faz sentido olhando para o regime processual administrativo uma vez que o CPTA já permite quaisquer providências cautelares pelo que o CPC não traria nenhum tipo de inovação.
As providências cautelares podem ser intentadas em três momentos: antes da instauração da acção principal, juntamente com a petição inicial ou na pendência da acção principal (art. 114º/3/4 CPTA)

2.Critérios de decisão
Os critérios necessários para o procedimento das providências cautelares estão regulados no art. 120º CPTA e servem para orientar o juiz na adopção de uma decisão acerca do decretamento de uma providência cautelar e do tipo de providência cautelar.

2.1- Periculum in mora
Este é também conhecido como requisito de perigosidade pois, vai avaliar se existe ou não perigo de inutilidade, seja total ou parcial, da sentença devido ao decurso do tempo e à adopção ou abstenção da pronúncia administrativa.
Este requisito vem expresso no art. 120º/1/b/c) CPTA que, nos diz que o juiz deve fazer uma previsão ou suposição, colocando-se na situação futura da presumível sentença da acção principal para concluir se existem ou não razões para temer que a sentença seja inútil porque se deu uma situação de facto incompatível com aquela sentença ou existem prejuízos difíceis de reparar.
Portanto, o requente terá de provar que essas consequências incompatíveis com a sentença final são suficientemente prováveis, de tal forma que se justifique o decretamento da providência cautelar, ou seja, tem de mostrar que existe um receio fundado da constituição de uma situação de facto.
O “periculum in mora” pode ser de duas espécies: infrutuosidade (regra geral, exige decretamento de providência conservatória para manter a situação existente) ou retardamento (requer a adopção de uma providência antecipatória que antecipe, total ou parcialmente, a solução pretendida ou a regule inteiramente ainda que provisoriamente).
O juiz deve sempre ponderar as situações concretas do caso tendo em conta a utilidade da sentença e não deve decidir com base em critérios abstractos.

2.2- Fummus boni iuris
Este requisito também é conhecido por aparência de bom direito uma vez que, consagra a juridicidade material como padrão da decisão cautelar.
É um requisito de relevo fundamental, em que o juiz tem de avaliar sumariamente a probabilidade da procedência da acção principal, ou seja, terá de avaliar a possível existência do direito ou ilegalidade invocados pelo particular.
Caso exista uma evidência da procedência da reivindicação do particular na acção principal o Prof. Vieira Andrade vem afirmar que, em princípio, este será o único factor relevante para a decisão da adopção da providência cautelar (art. 120º/1/a CPTA). Nestes casos o juiz poderá decretar a providência sem prova do receio do facto consumado ou do facto de difícil reparação porque, se é evidente que o sujeito tem razão quanto ao seu pedido não haverá razão para não conceder a providência cautelar. O critério legal seria portanto o do carácter evidente da procedência das acções, nos casos acima enunciados. Há contudo limites a este preceito que só se aplicará a acções administrativas especiais nas situações de ilegalidade (inexistência, nulidade ou anulabilidade), exigindo para as restantes situações a verificação do critério da perigosidade e ponderação de interesses especialmente quando existam contra-interessados e não se encontre em causa a lesão de posições jurídicas subjectivas do requerente. Todavia, o Prof. Vieira Andrade defende que, mesmo nas situações de nulidade pode ter de se considerar a ponderação de interesses quando haja possibilidade de se reconhecer efeitos jurídicos às situações de facto decorrentes do acto nulo.
Esta evidência é contudo provisória e pode ser revista na acção principal quando existam novos elementos ou até uma reapreciação mais profunda e reflectida dos elementos já existentes.
Assim, nos casos em que é evidente a legalidade ou ilegalidade da pretensão o fummus boni iuris ou fummus malus será o fundamento decisivo para a concessão ou recusa da pretensão do requerente.
Nas situações em que não há certezas acerca da existência da ilegalidade ou do direito do particular (situações intermédias) a lei dá-nos a solução tendo em conta a providência requerida, fala-se aqui de um critério gradualista. Se houver maior probabilidade da existência do direito poderá ser decretada a providência cautelar, quer seja conservatória[1] ou antecipatória[2]. Caso seja pedida uma providência conservatória não é necessário provar a probabilidade da pretensão, basta que não haja uma manifesta falta de fundamento. Mas se a providência for antecipatória tem de haver um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de tal providência.

2.3- Proporcionalidade
Este requisito é também conhecido pela doutrina como ponderação de interesses pois, são os interesses das partes em acção que terão de se ponderar para chegar a uma solução justa.
Assim, mesmo que se verifiquem os outros dois requisitos, o juiz poderá recusar a providência cautelar se o prejuízo resultante para o requerido for superior ao prejuízo que se quer evitar com aquela providência cautelar. Para o Prof. Mário Aroso estamos perante uma cláusula de salvaguarda cujo propósito é o de proteger os interesses dos requeridos.
Estamos aqui perante um princípio de proporcionalidade na dimensão estrita de equilíbrio quanto à decisão sobre a concessão ou recusa da providência.
O juiz tem portanto a tarefa de avaliar os resultados das várias alternativas para decidir se concederá a providência ou se pelo contrário aquela decisão não se justifica devido aos prováveis efeitos negativos que provocará na esfera jurídica do requerido. Estas efeitos negativos têm de ser considerados pelo juiz desproporcionais em relação àqueles que o requerente quer evitar com a providência cautelar.
Portanto, neste requisito estão em causa os danos ou prejuízos reais que se esperam ao tempo previsível de duração da medida e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Há ainda outra questão a ter em conta quanto a este requisito que é a do confronto entre interesses privados e interesses públicos sendo que, há uma ideia de prevalência dos interesses públicos em relação aos particulares que o Prof. Vieira Andrade recusa por completo afirmando que, a lei não pode ser interpretada desta forma, não havendo portanto lugar a uma reconhecimento implícito ou pretexto para a prevalência sistemática dos interesses públicos sobre os privados. Assim, neste confronto o juiz deverá seguir o princípio da proporcionalidade e averiguar se a providência requerida causará prejuízos superiores àqueles que se querem evitar.
O juiz não tem de conceder ao requerente a providência por ele pedida, podendo decretar outra em alternativa ou então decretar “contra-providências”, que se verificam quando o juiz concede a providência mas, por exemplo, coloca limites à acção do requerido.
Para o decretamento de uma providência cautelar haverá participação directa dos contra-interessados que é garantida através da indicação obrigatória no requerimento inicial e pela citação para uma possível oposição não obstante o risco de demora que esta oposição poderá causar.




[1] Manutenção ou preservação de situação já existente para garantir a utilidade da sentença na acção principal.
[2] Antecipação, total ou parcial, da constituição de uma situação jurídica nova que se requer também na acção principal, ainda que provisoriamente.





Bibliografia:
- Almeida, Mário Aroso – “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2012
- Andrade, José Vieira de - “A Justiça Administrativa – Lições”, 13ª Edição, Almedina, 2014
- Silva, Vasco Pereira – “O contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as acções no novo processo administrativo”, Almedina, 2009



Marina Gomes
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