segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Recurso Hierárquico Necessário no âmbito do Contencioso Administrativo


             A figura do recurso hierárquico está prevista nos artigos 166º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.).O artigo 167º do mesmo código faz distinção entre o recurso hierárquico facultativo e o recurso hierárquico necessário. Para a presente análise só importa tratar do segundo, uma vez que este, no âmbito do contencioso administrativo, gera uma grande controvérsia.

         O recurso hierárquico surge quando existe um acto administrativo praticado por um órgão que está sujeito ao poderes hierárquicos de outro órgão e o recurso é necessário quando tenha que acontecer que para o acto se tornar impugnável judicialmente, isto é, quando o acto tenha de ser, em primeiro lugar, impugnado administrativamente para que possa ser impugnado em tribunal. Assim, a definitividade vertical será um dos pressupostos para impugnar o acto judicialmente, o que significa, em poucas palavras, que só o acto praticado pelo superior hierárquico máximo é recorrível.

Para este estudo é relevante reflectir sobre a (in)constitucionalidade da figura em análise. Em primeiro lugar, há que ter em conta os artigos 20º/1 e 5 e 268º/4 da CRP que tratam do Princípio da Tutela jurisdicional efectiva. Anteriormente à Revisão de 1989, o artigo 268º da CRP exigia que o acto administrativo, para que pudesse ser impugnado judicialmente, fosse definitivo, fazendo com que este fosse um pressuposto de acesso aos tribunais administrativos. Como tal, naquela altura não se punha a questão da admissibilidade da figura em estudo, uma vez que esta estava constitucionalmente consagrada. No entanto, após a referida revisão, este ponto sofreu uma grande alteração: a definitividade deixou de ser exigida; esta exigência saiu do texto constitucional. Assim, tendo em conta este panorama, importa realmente analisar toda a questão que se desenvolve em torno do recurso hierárquico necessário.

         Com a entrada do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) verifica-se uma importante mudança, em termos de legislação ordinária. O número um do artigo 51º deste Código indica que “(…) são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscpetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”. Este preceito trata dos requisitos que são exigidos para que o acto administrativo possa ser impugnado em Tribunal. Olhando para a sua letra, o preceito não exige definitividade vertical, o que o torna conforme a constituição. Com isto quer-se dizer que a regra geral é a de que o recurso hierárquico deixa de ser necessário passando a ser facultativo, isto significando que não é obrigatório que o acto chegue até ao superior hierárquico máximo para que seja judicialmente impugnável. Este ponto não gera, assim, controvérsia.

         O problema põe-se a outro nível. Sabemos, pois, que a regra é a da não necessidade de impugnação administrativa, as questões que importam ser colocadas são as seguintes: será que existem excepções a esta? E, admitindo que sim, será que estas são constitucionais?

Existe divergência quanto ao facto de saber se o recurso continua a ser exigido quanto a leis avulsas que continuam em vigor. A maioria da doutrina entende que as normas constantes das leis avulsas são especiais e, por isso, quando estejamos perante um caso previsto nas mesmas, a impugnação por via administrativa é obrigatória, havendo derrogação da regra geral. Para Mário Aroso de Almeida, “as decisões administrativas continuam (…) a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei”. Já que aquelas são normas especiais prevalecerão sobre a regra geral.

 A opinião do Professor Vasco Pereira da Silva merece atenção, atenta a particularidade da mesma em inúmeros aspectos. Em primeiro lugar, o Professor, já anteriormente ao CPTA, clamava pela inadmissibilidade do recurso hierárquico necessário, pelas mais variadas razões:
a)     Era inconstitucional, violando a plenitude da tutela dos Direitos dos Particulares (artigo 284º/4 da Constituição da República Portuguesa – CRP), consubstanciando uma “negação do direito fundamental de recurso contencioso”;
b)    Violava o princípio constitucional da separação de poderes já que, se não se impugnasse administrativamente o acto deixar-se-ia de poder fazê-lo judicialmente;
c)     A redução do prazo de impugnação por via judicial consubstanciava uma violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, dada a inexistência da interrupção da contagem do prazo.

Hoje, para este Professor, o recurso hierárquico é sempre facultativo, sendo que as normas que expressam o contrário caducaram com a vigência do 51º/1 do CPTA e devem ser tidas como desprovidas de objecto. Mais, este Professor atenta que aquelas não são normas especiais uma vez que, antes da entrada em vigor do CPTA, elas não faziam mais do que reiterar a regra geral da obrigatoriedade do recurso hierárquico, não demonstrando nenhum carácter de especialidade. Independentemente de tudo, o recurso necessário será sempre inconstitucional.

            Com o devido respeito pela outra doutrina, parece-me que o pensamento do Professor Vasco Pereira da Silva é o mais conforme à constituição e à necessidade de protecção dos indivíduos na sua relação com a administração, isto porque:
i)                   De acordo com o supracitado, a CRP deixou de exigir a definitividade vertical, o que demonstra uma vontade expressa do legislador em fazer desaparecer a figura do recurso hierárquico necessário;
ii)                Mesmo que essa figura ainda constasse da constituição como pressuposto para a impugnação dos actos administrativos haveria que continuar a discutir sobre a razão de existência da mesma, uma vez que choca com o Princípio da tutela jurisdicional efectiva;
iii)              Com o recurso hierárquico, embora não sendo certo, o superior tenderia a dar a mesma resposta do subalterno, por uma questão de conformidade;
iv)              O artigo 12º do CPA consagra legalmente o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o que faz com que a consagração no CPA da figura em estudo seja questionável.


Por todas as  razões supracitadas parece-me que o recurso hierárquico necessário não conforma uma verdadeira garantia mas sim um obstáculo ao acesso à justiça, violando gravemente princípios constitucionais.
Joana Aguiar
Número 21023
Subturma 6

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