Recurso
Hierárquico Necessário no âmbito do Contencioso Administrativo
A
figura do recurso hierárquico está prevista nos artigos 166º e seguintes do
Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.).O artigo 167º do mesmo código
faz distinção entre o recurso hierárquico facultativo e o recurso hierárquico
necessário. Para a presente análise só importa tratar do segundo, uma vez que
este, no âmbito do contencioso administrativo, gera uma grande controvérsia.
O
recurso hierárquico surge quando existe um acto administrativo praticado por um
órgão que está sujeito ao poderes hierárquicos de outro órgão e o recurso é necessário
quando tenha que acontecer que para o acto se tornar impugnável judicialmente, isto
é, quando o acto tenha de ser, em primeiro lugar, impugnado administrativamente
para que possa ser impugnado em tribunal. Assim, a definitividade vertical será
um dos pressupostos para impugnar o acto judicialmente, o que significa, em
poucas palavras, que só o acto praticado pelo superior hierárquico máximo é
recorrível.
Para este estudo é
relevante reflectir sobre a (in)constitucionalidade da figura em análise. Em
primeiro lugar, há que ter em conta os artigos 20º/1 e 5 e 268º/4 da CRP que
tratam do Princípio da Tutela jurisdicional efectiva. Anteriormente à Revisão
de 1989, o artigo 268º da CRP exigia que o acto administrativo, para que
pudesse ser impugnado judicialmente, fosse definitivo, fazendo com que este
fosse um pressuposto de acesso aos tribunais administrativos. Como tal, naquela
altura não se punha a questão da admissibilidade da figura em estudo, uma vez
que esta estava constitucionalmente consagrada. No entanto, após a referida
revisão, este ponto sofreu uma grande alteração: a definitividade deixou de ser
exigida; esta exigência saiu do texto constitucional. Assim, tendo em conta
este panorama, importa realmente analisar toda a questão que se desenvolve em
torno do recurso hierárquico necessário.
Com a entrada
do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) verifica-se uma
importante mudança, em termos de legislação ordinária. O número um do artigo
51º deste Código indica que “(…) são impugnáveis os actos administrativos com
eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscpetível de lesar
direitos ou interesses legalmente protegidos”. Este preceito trata dos
requisitos que são exigidos para que o acto administrativo possa ser impugnado
em Tribunal. Olhando para a sua letra, o preceito não exige definitividade
vertical, o que o torna conforme a constituição. Com isto quer-se dizer que a
regra geral é a de que o recurso hierárquico deixa de ser necessário passando a
ser facultativo, isto significando que não é obrigatório que o acto chegue até
ao superior hierárquico máximo para que seja judicialmente impugnável. Este
ponto não gera, assim, controvérsia.
O
problema põe-se a outro nível. Sabemos, pois, que a regra é a da não
necessidade de impugnação administrativa, as questões que importam ser
colocadas são as seguintes: será que existem excepções a esta? E, admitindo que
sim, será que estas são constitucionais?
Existe divergência quanto
ao facto de saber se o recurso continua a ser exigido quanto a leis avulsas que
continuam em vigor. A maioria da doutrina entende que as normas constantes das
leis avulsas são especiais e, por isso, quando estejamos perante um caso
previsto nas mesmas, a impugnação por via administrativa é obrigatória, havendo
derrogação da regra geral. Para Mário Aroso de Almeida, “as decisões
administrativas continuam (…) a estar sujeitas a impugnação administrativa
necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei”. Já que
aquelas são normas especiais prevalecerão sobre a regra geral.
A opinião do Professor Vasco Pereira da Silva
merece atenção, atenta a particularidade da mesma em inúmeros aspectos. Em
primeiro lugar, o Professor, já anteriormente ao CPTA, clamava pela
inadmissibilidade do recurso hierárquico necessário, pelas mais variadas
razões:
a) Era
inconstitucional, violando a plenitude da tutela dos Direitos dos Particulares
(artigo 284º/4 da Constituição da República Portuguesa – CRP), consubstanciando
uma “negação do direito fundamental de recurso contencioso”;
b) Violava
o princípio constitucional da separação de poderes já que, se não se impugnasse
administrativamente o acto deixar-se-ia de poder fazê-lo judicialmente;
c) A
redução do prazo de impugnação por via judicial consubstanciava uma violação do
Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, dada a inexistência da interrupção
da contagem do prazo.
Hoje, para este
Professor, o recurso hierárquico é sempre facultativo, sendo que as normas que
expressam o contrário caducaram com a vigência do 51º/1 do CPTA e devem ser
tidas como desprovidas de objecto. Mais, este Professor atenta que aquelas não
são normas especiais uma vez que, antes da entrada em vigor do CPTA, elas não
faziam mais do que reiterar a regra geral da obrigatoriedade do recurso
hierárquico, não demonstrando nenhum carácter de especialidade.
Independentemente de tudo, o recurso necessário será sempre inconstitucional.
Com
o devido respeito pela outra doutrina, parece-me que o pensamento do Professor
Vasco Pereira da Silva é o mais conforme à constituição e à necessidade de
protecção dos indivíduos na sua relação com a administração, isto porque:
i)
De acordo com o supracitado, a CRP deixou
de exigir a definitividade vertical, o que demonstra uma vontade expressa do
legislador em fazer desaparecer a figura do recurso hierárquico necessário;
ii)
Mesmo que essa figura ainda constasse da
constituição como pressuposto para a impugnação dos actos administrativos
haveria que continuar a discutir sobre a razão de existência da mesma, uma vez
que choca com o Princípio da tutela jurisdicional efectiva;
iii)
Com o recurso hierárquico, embora não
sendo certo, o superior tenderia a dar a mesma resposta do subalterno, por uma
questão de conformidade;
iv)
O artigo 12º do CPA consagra legalmente o
princípio da tutela jurisdicional efectiva, o que faz com que a consagração no
CPA da figura em estudo seja questionável.
Por todas as razões supracitadas parece-me que o recurso hierárquico necessário não conforma uma
verdadeira garantia mas sim um obstáculo ao acesso à justiça, violando gravemente princípios constitucionais.
Joana Aguiar
Número 21023
Subturma 6
Visto.
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