A jurisdição administrativa
integra um conjunto de matérias próprias, tem a função de dirimir os “litígios emergentes
das relações jurídicas administrativas e fiscais”,art. 212º 3 e art. 1º ETAF.
A lei limita-se a repetir o preceito constitucional, não concretizando
o conceito de relação jurídica administrativa pelo que pode suscitar diferentes
entendimentos.
Utilizando um critério orgânico de delimitação, a relação jurídica
administrativa seria aquela que conta com a intervenção da Administração
Pública, independentemente do conteúdo substancial da relação em si.
Aprofundando esta delimitação, mas mantendo uma referência
objectiva, a relação jurídica administrativa poderia ainda ser perspectivada
como a relação que integra como sujeito da relação em ente público, mas somente
quando esta seja regulada pelo direito administrativo.
A relação administrativa pode ainda ser encarada como aquela
que se desenvolve no âmbito da função administrativa, atentando-se à substância
da ralação.
O Professor Vieira de Andrade defende que a relação
administrativa deve ser considerada no sentido clássico da relação de direito
administrativo.
Actualmente a relação jurídica administrativa não pode ser
encarada como uma relação puramente bilateral, constituída por um sujeito
activo e um sujeito passivo.
No caso das relações jurídicas dos particulares com a
administração, a relação jurídica administrativa tem que ser entendida como uma
relação complexa, multilateral, em que o particular sujeito da relação não é
exclusivamente o destinatário do acto administrativo ou da norma.
Esta realidade é facilmente apreensível se tomarmos em
consideração os “actos administrativos de duplo efeito”, os actos que beneficiam
ou lesam mais do que sujeito, produzindo o seu efeito na esfera jurídica de
outros que não o respectivo destinatário. Como exemplo podemos considerar o acto
de ajudicação de um contrato, que produz os seus efeitos não apenas em relação
ao contraente escolhido mas também em relação aos sujeitos preteridos.
Esta dimensão da actividade administrativa não se reduz a estes
actos, podendo observar-se a tendência multilateral, por exemplo na regulação económica.
Os autores que ainda defendem uma visão bipolar da relação jurídica
defendem que, sendo projectado um efeito jurídico num sujeito que não o destinatário
imediato do acto, tal efeito jurídico seria a génese de uma relação bilateral
entre este e a Administração.
Em contraposição à Administração não existe apenas um
sujeito, existe uma multiplicidade de sujeitos que podem ainda ter interesses
conflituantes ou opostos entre eles.
É necessário ultrapassar concepções tradicionais que
consideram esta relação como uma relação simples para assegurar a tutela
jurisdicional efectiva dos particulares, já que a legitimidade activa é atribuída
em função da integração na relação material controvertida.
Cumpre portanto saber se e quando, sendo intentado por um
autor uma acção contra uma entidade administrativa, se devem chamar os demais
sujeitos da relação multilateral, de modo a que a sentença produza efeitos em
relação a todos os sujeitos da relação, administrando-se uma justiça material.
A consciência da multilateralidade das relações administrativas
é espelhada no Código de processo nos tribunais administrativos nos artigos
referentes à coligação e litisconsórcio, art 12º, processos em massa, art.48º ,
na figura dos contra-interessados, art. 57º e dos co-interessados.
O litisconsórcio e a coligação referem-se às situações de
pluralidade de partes, podendo ter um carácter facultativo ou obrigatório.
Existirá litisconsórcio necessário quando, a natureza da
relação exija a intervenção no processo de vários interessados para a obtenção
de um efeito útil da decisão.
Os contra-interessados, sendo assim denominados quem tenha
um interesse directo e pessoal que a acção não proceda, têm que ser obrigatoriamente
designados pelo autor na petição inicial sob pena de ilegitimidade, e
cabem-lhes todos os poderes processuais disponíveis às partes, ou seja,
concretizam a consideração da relação administrativa como relação multilateral,
pois são legalmente equiparados às partes.
Os co-interessados, que têm interesse na procedência do
pedido, integram o processo como assistentes.
Quanto aos processos de massa, que respeitam a uma multiplicidade
de sujeitos, estando em causa a mesma relação jurídica material, o CPTA prevê a
possibilidade de julgar apenas um dos processos, estendendo os efeitos da
sentença aos demais.
Em atenção às relações jurídicas multilaterais o art.10º,
referente à legitimidade passiva, estipula no nº8 que sejam acrescidas ao
processo, entidades administrativas para além da demandada, quando tal seja
ditado pela necessidade de produção de efeitos da sentença em relação a estas
de modo a alcançar uma justiça substancial.
Esta abertura relativa à consideração das relações
multilaterais é patente na reformulação do art.40º quanto à legitimidade activa
em acções relativas a contratos, tendo havido um alargamento desta que agora se
estende para além das partes do contrato. A legitimidade activa restrita às
partes era um obstáculo à apreciação judicial dos contratos visto que estas
eram, logicamente, quem teria interesse na sua manutenção.
O acolhimento da noção da relação administrativa como uma
relação multilateral é, actualmente, forçada pelo modo de actuação da
Administração Pública, só assim a sua consideração jurídica se aproximará da realidade
material, tomando em causa todos os interesses existentes efectivamente na
relação.
A mudança de paradigma de um Direito Administrativo
objectivista para a sua consideração subjectivista reflectida no contencioso
administrativo através da preocupação com a tutela efectiva dos direitos dos
particulares e o propósito dos meios processuais em assegurá-la ditou a
necessidade de acolher o carácter multilateral das relações administrativas.
Maria Luísa Fernandes
nº 20687, subturma 6
Visto.
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