domingo, 7 de dezembro de 2014

Relações administrativas multilaterais



   A jurisdição administrativa integra um conjunto de matérias próprias, tem a função de dirimir os “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”,art. 212º 3 e art. 1º ETAF.
A lei limita-se a repetir o preceito constitucional, não concretizando o conceito de relação jurídica administrativa pelo que pode suscitar diferentes entendimentos.
Utilizando um critério orgânico de delimitação, a relação jurídica administrativa seria aquela que conta com a intervenção da Administração Pública, independentemente do conteúdo substancial da relação em si.
Aprofundando esta delimitação, mas mantendo uma referência objectiva, a relação jurídica administrativa poderia ainda ser perspectivada como a relação que integra como sujeito da relação em ente público, mas somente quando esta seja regulada pelo direito administrativo.
A relação administrativa pode ainda ser encarada como aquela que se desenvolve no âmbito da função administrativa, atentando-se à substância da ralação.
O Professor Vieira de Andrade defende que a relação administrativa deve ser considerada no sentido clássico da relação de direito administrativo.
Actualmente a relação jurídica administrativa não pode ser encarada como uma relação puramente bilateral, constituída por um sujeito activo e um sujeito passivo.
No caso das relações jurídicas dos particulares com a administração, a relação jurídica administrativa tem que ser entendida como uma relação complexa, multilateral, em que o particular sujeito da relação não é exclusivamente o destinatário do acto administrativo ou da norma.
Esta realidade é facilmente apreensível se tomarmos em consideração os “actos administrativos de duplo efeito”, os actos que beneficiam ou lesam mais do que sujeito, produzindo o seu efeito na esfera jurídica de outros que não o respectivo destinatário. Como exemplo podemos considerar o acto de ajudicação de um contrato, que produz os seus efeitos não apenas em relação ao contraente escolhido mas também em relação aos sujeitos preteridos.
Esta dimensão da actividade administrativa não se reduz a estes actos, podendo observar-se a tendência multilateral, por exemplo na regulação económica.
Os autores que ainda defendem uma visão bipolar da relação jurídica defendem que, sendo projectado um efeito jurídico num sujeito que não o destinatário imediato do acto, tal efeito jurídico seria a génese de uma relação bilateral entre este e a Administração.
Em contraposição à Administração não existe apenas um sujeito, existe uma multiplicidade de sujeitos que podem ainda ter interesses conflituantes ou opostos entre eles.
É necessário ultrapassar concepções tradicionais que consideram esta relação como uma relação simples para assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos particulares, já que a legitimidade activa é atribuída em função da integração na relação material controvertida.
Cumpre portanto saber se e quando, sendo intentado por um autor uma acção contra uma entidade administrativa, se devem chamar os demais sujeitos da relação multilateral, de modo a que a sentença produza efeitos em relação a todos os sujeitos da relação, administrando-se uma justiça material.
A consciência da multilateralidade das relações administrativas é espelhada no Código de processo nos tribunais administrativos nos artigos referentes à coligação e litisconsórcio, art 12º, processos em massa, art.48º , na figura dos contra-interessados, art. 57º e dos co-interessados.
O litisconsórcio e a coligação referem-se às situações de pluralidade de partes, podendo ter um carácter facultativo ou obrigatório.
Existirá litisconsórcio necessário quando, a natureza da relação exija a intervenção no processo de vários interessados para a obtenção de um efeito útil da decisão.
Os contra-interessados, sendo assim denominados quem tenha um interesse directo e pessoal que a acção não proceda, têm que ser obrigatoriamente designados pelo autor na petição inicial sob pena de ilegitimidade, e cabem-lhes todos os poderes processuais disponíveis às partes, ou seja, concretizam a consideração da relação administrativa como relação multilateral, pois são legalmente equiparados às partes.
Os co-interessados, que têm interesse na procedência do pedido, integram o processo como assistentes.
Quanto aos processos de massa, que respeitam a uma multiplicidade de sujeitos, estando em causa a mesma relação jurídica material, o CPTA prevê a possibilidade de julgar apenas um dos processos, estendendo os efeitos da sentença aos demais.
Em atenção às relações jurídicas multilaterais o art.10º, referente à legitimidade passiva, estipula no nº8 que sejam acrescidas ao processo, entidades administrativas para além da demandada, quando tal seja ditado pela necessidade de produção de efeitos da sentença em relação a estas de modo a alcançar uma justiça substancial.  
Esta abertura relativa à consideração das relações multilaterais é patente na reformulação do art.40º quanto à legitimidade activa em acções relativas a contratos, tendo havido um alargamento desta que agora se estende para além das partes do contrato. A legitimidade activa restrita às partes era um obstáculo à apreciação judicial dos contratos visto que estas eram, logicamente, quem teria interesse na sua manutenção.
O acolhimento da noção da relação administrativa como uma relação multilateral é, actualmente, forçada pelo modo de actuação da Administração Pública, só assim a sua consideração jurídica se aproximará da realidade material, tomando em causa todos os interesses existentes efectivamente na relação.
A mudança de paradigma de um Direito Administrativo objectivista para a sua consideração subjectivista reflectida no contencioso administrativo através da preocupação com a tutela efectiva dos direitos dos particulares e o propósito dos meios processuais em assegurá-la ditou a necessidade de acolher o carácter multilateral das relações administrativas.


 Maria Luísa Fernandes nº 20687, subturma 6

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