Processos Cautelares
O
regime correspondente aos processos cautelares encontra-se previsto nos arts.
112.º a 134.º do CPTA.
O processo cautelar caracteriza-se
por ter uma finalidade própria. Tem como objectivo assegurar a utilidade do
processo principal, de modo a que, durante a pendência do processo declarativo,
não seja posta em causa a utilidade da decisão que se pretende obter. Estamos
perante uma função de prevenção contra a demora que visa essencialmente
“garantir o tempo necessário para fazer justiça”.
As providências cautelares
apresentam as seguintes características: a instrumentalidade (em relação a um
processo declarativo, isto é, o processo principal); a provisoriedade (não está
em causa a resolução definitiva de um litígio); e a sumariedade (conhecimento
sumário da situação de facto e de direito). Estes traços manifestam-se no
regime do CPTA, ora vejamos:
A instrumentalidade reslumbra, desde
logo, do facto de o processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha
legitimidade para intentar o processo principal e se definir em relação a este
(arts 112.º/1 e 113.º/1 do CPTA).
A provisoriedade transparece da
possibilidade de o tribunal alterar e revogar as providências (art.º 124 do
CPTA). Afirma-se a este respeito que “o tribunal não pode dar, através de uma
providência cautelar, o que só à sentença
a proferir no processo principal cumpre proporcionar, se vier a dar
provimento às pretensões nele deduzidas pelo requerente”.[1] A
providência cautelar não pode substituir a decisão principal e caduca
necessáriamente com a execução desta. Certo é, no entanto, que a providência
cautelar pode antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a
decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo.[2]
A sumariedade reflete-se no facto de
o tribunal dever proceder a meras apreciações superficiais, baseadas num juízo
sumário sobre os factos a apreciar evitando, deste modo, juízos definitivos que
só devem ter lugar no processo principal. É ainda o carácter sumário do processo cautelar que justifica a
obrigação de o requerente oferecer, na petição, prova sumaria dos fundamentos
do pedido.
O
art. 112.º do CPTA estabelece uma cláusula aberta em matéria de providências
cautelares. Desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a
proferir num determinado processo admitem-se quaisquer providências cautelares.
Ainda assim, as providências cautelares a adoptar podem ser uma das previstas
no n.º 2 do art.112.º do CPTA (providências cautelares típicas). Por outras
palavras, actualmente pode pedir-se ao juiz tudo aquilo que se considere
adequado a assegurar o benefício da sentença. Ora, isto permite-nos afirmar que
o processo administrativo não acolhe somente providências conservatórias, mas
também providências antecipatórias.
Entende-se por providências
conservatórias aquelas que visam manter ou preservar a situação de facto
existente, designadamente assegurando ao requerente a manutenção da titularidade
ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de
perder, ao passo que, as providências antecipatórias são as que visam prevenir um dano, obtendo
adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o
particular pretende ter direito, mas que lhe é negado. A providência
conservatória encontra-se prevista no art. 120.º/1 al. b), enquanto que a
providência antecipatória está presente
na alínea c) do mesmo artigo do CPTA. Pelo contrário, a alínea a) do n.º1 do
artigo 120.º não antecipa requisitos de cujo preenchimento dependa a concessão
das providências, mas sim, estabelece que, em situações excepcionais, as
providências sejam atribuidas sem necessidade da verificação desses requisitos.
A atribuição de providências
cautelares depende de três critérios. O mais importante dos critérios é o da
perigosidade (“periculum in mora”). As providências cautelares ao visarem a
garantia da utilidade da sentença pressupõe, desde logo, a existência de um
perigo de inutilidade. O próprio artigo 120.º do CPTA institui este requisito.
Justifica-se assim a adopção de providências cautelares para evitar o risco de
atraso da tutela que deverá ser certificada pela setença a proferir no processo
principal. Na opinião do professor Mário Aroso de Almeida a jurisprudência tem
sido demasiado exigente no que toca à concretização dos prejuízos que o
requerente poderá vir a sofrer. Resta acrescer, relativamente a este critério,
que a característica da sumariedade presente nos processos cautelares, também
deve valer para a apreciação do periculum in mora. Quanto ao critério da aparência de bom
direito (“fumus boni iuris”) assenta na seguinte ideia: o juiz deve, ainda que
sumariamente, avaliar o grau de probalidade de procedência da acção principal
dentro, claro, dos limites próprios da decisão cautelar. O CPTA confere uma
projeção diferenciada a este critério, consoante esteja em causa a adopção de
uma providência conservatória ou de uma providência antecipatória. Neste
sentido, quando está em causa a atribuição de uma providência conservatória
(art.120.º/1 al.b) o critério da aparência do bom direito acolhe uma formulação
negativa, na medida em que se não existirem elementos que tornem evidente a
improcedência da acção ou a invabilidade da pretensão material, não será por
esse lado que a providência será recusada.
Diferentemente, se estivermos perante a consessão de uma providência
antecipatória (art.120.º/1 al. c) o critério da aparência do bom direito
intervém na sua formulação positiva, pois se o requerente pretende, ainda que a
título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele recaí o encargo
de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo
principal. O terceiro e último critério a ter em conta neste âmbito, é o
critério da ponderação dos interesses. A proporcionalidade na decisão da
concessão é uma característica nuclear do novo sistema de protecção cautelar.
Esta característica implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de
forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou a recusa da
providência cautelar dos interesses relevantes no caso concreto, sempre que não
seja notório a procedência ou a improcedência da pretensão formulada. Assim
sendo, a atribuição de providências cautelares não depende somente do
preenchimentto alternativo da previsão das alíneas b) ou c) do art.120.º, n.º1,
mas também do preenchimento cumulativo do critério da ponderação dos interesses
previsto no artigo 120.º, n.º 2, ou seja, depende, em última análise, da
formulação de um juízo de valor relativo, que permite ao juiz recusar a
concessão da providência cautelar quando o prejuízo resultante para o requerido
se revele superior ao prejuízo que se visa evitar com a procedência.
Quando estamos perante o decretamento
provisório da providência (art.131.º do
CPTA) a decisão não está sujeita à aplicação dos critérios do art.120.º do CPTA,
bastando para o decretamento provisório, para além do interesse em agir, a especial
perigosidade para direitos, liberdade e garantias ou para outros bens jurídicos
em situação de especial urgência.
Uma das novidades da nova lei em
matéria cautelar reside na possibilidade de convolação do processo cautelar em
processo declarativo (artigo 121.º do CPTA). Esta figura permite ao juiz uma
antecipação do julgamento sobre o fundo da causa quando haja manifesta urgência
na resolução definitiva do caso. Para que tal aconteça é necessário o
preenchimento cumulativo de dois requisitos: por um lado, que a natureza das
questões colocadas e a gravidade dos interesses permitam concluir que estamos
perante uma manifesta urgência na resolução definitiva do caso e que não
compadece a mera adopção de uma providência cautelar; por outro lado, é necessário que, ouvidas as partes, o
tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de
todos os elementos necessários para o efeito. Deve haver, deste modo, uma
enorme sensatez do tribunal, pois só excepcionalmente deve decidir-se pela
convolação.
Nas disposições particulares,
regulam-se casos especiais relativos a determinadas providências, ainda que com
diferente sentido e alcance. Há disposições que visam fixar um regime especial
para providências relativas a uma determinada situação ou com um determinado
conteúdo, que em maior ou menor medida derroga o regime geral ou lhe impõe
adaptações. Consideram-se regimes especiais de atribuição de providências
cautelares: a evidência da procedência do processo principal (art.120.º/1
al.a); a suspensão do pagamento de quantia certa (art.120.º/6); a suspensão da
eficácia dos actos já executados (art.129.º); a suspensão da eficácia de normas
regulamentares (art.130.º); as
providências em situações de grave carência económica (art.133.º); e as
providências relativas a procedimentos de formação de contratos (art.132.º).
Em particular, as providências
relativas a procedimentos de formação de contratos destinam-se a corrigir a
ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em
presença na fase pré-contratual, incluindo a suspensão do procedimento de
formação do contrato.[3]
Estas providências podem ser utilizadas quando esteja em causa a anulaçao ou a
declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos
relativos à formação de quaisquer contratos sujeitos à jurisdição
administrativa (art.132.º/1 do CPTA). Aplicam-se neste âmbito as regras gerais
dos procedimentos cautelares (art.132.º/3 do CPTA). No que toca ao critério de
decisão vigora o critério da ponderação (explicado acima).
Existe ainda um regime excepcional
relativo às sanções de disciplina militar. Trata-se da Lei nº 34/2007, de 13 de
Agosto, que surge na sequência de decisões judiciais na matéria.
A legitimidade para requerer
providências cautelares não pertence apenas aos particulares. Esta pertence
também ao Ministério público e a qualquer pessoa que actue no exercício da
acção popular ou impugne um acto administrativo com fundamento num interesse
directo e pessoal. “A todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem
acautelada a utilidade do processo principal que estão legitimados a intentar.”[4]
O CPTA regula a forma dos processos cautelares nos arts. 114.º a
119.º O processo cautelar inicia-se
mediante a apresentação de um requerimento autónomo nos termos do art.114.º/1.
Este requerimento deve submeter-se aos requisitos previstos no nr.3 do
art.114.º. O requerente deve também proporcionar no requerimento cautelar a
identificação dos interessados de acordo com o art. 115.º. Uma
particularidade da tramitação dos
processos cautelares reside na emissão de despacho liminar pelo juiz, que recai
imediatamente sobre o requerimento , em momento prévio ao da citação da entidade requerida e dos hipotéticos contra-interessados (art.
116.º). Consequentemente, não havendo fundamento para rejeição, os requeridos
são citados (art.117.º). A falta de oposição implica a presunção da veracidade
dos factos invocados pelo requerente (art.118.º/1). Quanto ao conhecimento do
processo cautelar o artigo 118.º/3 prevê que o juiz pode ordenar as diligências
de prova que considere necessárias para obter o adequado esclarecimento das
questões.
Visto.
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