quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Processos Cautelares



Processos Cautelares
         O regime correspondente aos processos cautelares encontra-se previsto nos arts. 112.º a 134.º do CPTA.
            O processo cautelar caracteriza-se por ter uma finalidade própria. Tem como objectivo assegurar a utilidade do processo principal, de modo a que, durante a pendência do processo declarativo, não seja posta em causa a utilidade da decisão que se pretende obter. Estamos perante uma função de prevenção contra a demora que visa essencialmente “garantir o tempo necessário para fazer justiça”.    
            As providências cautelares apresentam as seguintes características: a instrumentalidade (em relação a um processo declarativo, isto é, o processo principal); a provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio); e a sumariedade (conhecimento sumário da situação de facto e de direito). Estes traços manifestam-se no regime do CPTA, ora vejamos:
            A instrumentalidade reslumbra, desde logo, do facto de o processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar o processo principal e se definir em relação a este (arts 112.º/1 e 113.º/1 do CPTA).
            A provisoriedade transparece da possibilidade de o tribunal alterar e revogar as providências (art.º 124 do CPTA). Afirma-se a este respeito que “o tribunal não pode dar, através de uma providência cautelar, o que só à sentença  a proferir no processo principal cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões nele deduzidas pelo requerente”.[1] A providência cautelar não pode substituir a decisão principal e caduca necessáriamente com a execução desta. Certo é, no entanto, que a providência cautelar pode antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo.[2]
            A sumariedade reflete-se no facto de o tribunal dever proceder a meras apreciações superficiais, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar evitando, deste modo, juízos definitivos que só devem ter lugar no processo principal. É ainda o carácter sumário  do processo cautelar que justifica a obrigação de o requerente oferecer, na petição, prova sumaria dos fundamentos do pedido.
         O art. 112.º do CPTA estabelece uma cláusula aberta em matéria de providências cautelares. Desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num determinado processo admitem-se quaisquer providências cautelares. Ainda assim, as providências cautelares a adoptar podem ser uma das previstas no n.º 2 do art.112.º do CPTA (providências cautelares típicas). Por outras palavras, actualmente pode pedir-se ao juiz tudo aquilo que se considere adequado a assegurar o benefício da sentença. Ora, isto permite-nos afirmar que o processo administrativo não acolhe somente providências conservatórias, mas também providências antecipatórias.
            Entende-se por providências conservatórias aquelas que visam manter ou preservar a situação de facto existente, designadamente assegurando ao requerente a manutenção da titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de perder, ao passo que, as providências antecipatórias  são as que visam prevenir um dano, obtendo adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o particular pretende ter direito, mas que lhe é negado. A providência conservatória encontra-se prevista no art. 120.º/1 al. b), enquanto que a providência antecipatória  está presente na alínea c) do mesmo artigo do CPTA. Pelo contrário, a alínea a) do n.º1 do artigo 120.º não antecipa requisitos de cujo preenchimento dependa a concessão das providências, mas sim, estabelece que, em situações excepcionais, as providências sejam atribuidas sem necessidade da verificação desses requisitos.
            A atribuição de providências cautelares depende de três critérios. O mais importante dos critérios é o da perigosidade (“periculum in mora”). As providências cautelares ao visarem a garantia da utilidade da sentença pressupõe, desde logo, a existência de um perigo de inutilidade. O próprio artigo 120.º do CPTA institui este requisito. Justifica-se assim a adopção de providências cautelares para evitar o risco de atraso da tutela que deverá ser certificada pela setença a proferir no processo principal. Na opinião do professor Mário Aroso de Almeida a jurisprudência tem sido demasiado exigente no que toca à concretização dos prejuízos que o requerente poderá vir a sofrer. Resta acrescer, relativamente a este critério, que a característica da sumariedade presente nos processos cautelares, também deve valer para a apreciação do periculum in mora.  Quanto ao critério da aparência de bom direito (“fumus boni iuris”) assenta na seguinte ideia: o juiz deve, ainda que sumariamente, avaliar o grau de probalidade de procedência da acção principal dentro, claro, dos limites próprios da decisão cautelar. O CPTA confere uma projeção diferenciada a este critério, consoante esteja em causa a adopção de uma providência conservatória ou de uma providência antecipatória. Neste sentido, quando está em causa a atribuição de uma providência conservatória (art.120.º/1 al.b) o critério da aparência do bom direito acolhe uma formulação negativa, na medida em que se não existirem elementos que tornem evidente a improcedência da acção ou a invabilidade da pretensão material, não será por esse lado que a providência será recusada.  Diferentemente, se estivermos perante a consessão de uma providência antecipatória (art.120.º/1 al. c) o critério da aparência do bom direito intervém na sua formulação positiva, pois se o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele recaí o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal. O terceiro e último critério a ter em conta neste âmbito, é o critério da ponderação dos interesses. A proporcionalidade na decisão da concessão é uma característica nuclear do novo sistema de protecção cautelar. Esta característica implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou a recusa da providência cautelar dos interesses relevantes no caso concreto, sempre que não seja notório a procedência ou a improcedência da pretensão formulada. Assim sendo, a atribuição de providências cautelares não depende somente do preenchimentto alternativo da previsão das alíneas b) ou c) do art.120.º, n.º1, mas também do preenchimento cumulativo do critério da ponderação dos interesses previsto no artigo 120.º, n.º 2, ou seja, depende, em última análise, da formulação de um juízo de valor relativo, que permite ao juiz recusar a concessão da providência cautelar quando o prejuízo resultante para o requerido se revele superior ao prejuízo que se visa evitar com a procedência.
            Quando estamos perante o decretamento provisório da providência  (art.131.º do CPTA) a decisão não está sujeita à aplicação dos critérios do art.120.º do CPTA, bastando para o decretamento provisório, para além do interesse em agir, a especial perigosidade para direitos, liberdade e garantias ou para outros bens jurídicos em situação de especial urgência.
            Uma das novidades da nova lei em matéria cautelar reside na possibilidade de convolação do processo cautelar em processo declarativo (artigo 121.º do CPTA). Esta figura permite ao juiz uma antecipação do julgamento sobre o fundo da causa quando haja manifesta urgência na resolução definitiva do caso. Para que tal aconteça é necessário o preenchimento cumulativo de dois requisitos: por um lado, que a natureza das questões colocadas e a gravidade dos interesses permitam concluir que estamos perante uma manifesta urgência na resolução definitiva do caso e que não compadece a mera adopção de uma providência cautelar; por outro lado,  é necessário que, ouvidas as partes, o tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito. Deve haver, deste modo, uma enorme sensatez do tribunal, pois só excepcionalmente deve decidir-se pela convolação.
            Nas disposições particulares, regulam-se casos especiais relativos a determinadas providências, ainda que com diferente sentido e alcance. Há disposições que visam fixar um regime especial para providências relativas a uma determinada situação ou com um determinado conteúdo, que em maior ou menor medida derroga o regime geral ou lhe impõe adaptações. Consideram-se regimes especiais de atribuição de providências cautelares: a evidência da procedência do processo principal (art.120.º/1 al.a); a suspensão do pagamento de quantia certa (art.120.º/6); a suspensão da eficácia dos actos já executados (art.129.º); a suspensão da eficácia de normas regulamentares (art.130.º);  as providências em situações de grave carência económica (art.133.º); e as providências relativas a procedimentos de formação de contratos (art.132.º).
            Em particular, as providências relativas a procedimentos de formação de contratos destinam-se a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença na fase pré-contratual, incluindo a suspensão do procedimento de formação do contrato.[3] Estas providências podem ser utilizadas quando esteja em causa a anulaçao ou a declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação de quaisquer contratos sujeitos à jurisdição administrativa (art.132.º/1 do CPTA). Aplicam-se neste âmbito as regras gerais dos procedimentos cautelares (art.132.º/3 do CPTA). No que toca ao critério de decisão vigora o critério da ponderação (explicado acima).
            Existe ainda um regime excepcional relativo às sanções de disciplina militar. Trata-se da Lei nº 34/2007, de 13 de Agosto, que surge na sequência de decisões judiciais na matéria.
            A legitimidade para requerer providências cautelares não pertence apenas aos particulares. Esta pertence também ao Ministério público e a qualquer pessoa que actue no exercício da acção popular ou impugne um acto administrativo com fundamento num interesse directo e pessoal. “A todos deve ser reconhecida a possibilidade de verem acautelada a utilidade do processo principal que estão legitimados a intentar.”[4]
            O CPTA regula a forma  dos processos cautelares nos arts. 114.º a 119.º  O processo cautelar inicia-se mediante a apresentação de um requerimento autónomo nos termos do art.114.º/1. Este requerimento deve submeter-se aos requisitos previstos no nr.3 do art.114.º. O requerente deve também proporcionar no requerimento cautelar a identificação dos interessados de acordo com o art. 115.º. Uma particularidade  da tramitação dos processos cautelares reside na emissão de despacho liminar pelo juiz, que recai imediatamente sobre o requerimento , em momento prévio ao da citação  da entidade requerida  e dos hipotéticos contra-interessados (art. 116.º). Consequentemente, não havendo fundamento para rejeição, os requeridos são citados (art.117.º). A falta de oposição implica a presunção da veracidade dos factos invocados pelo requerente (art.118.º/1). Quanto ao conhecimento do processo cautelar o artigo 118.º/3 prevê que o juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para obter o adequado esclarecimento das questões.
Graça Ribeiro, nº20744, subtuma 6


[1] A proprósito, M.Glória Dias Garcia.
[2] Neste sentido, Mário Aroso de Almeida.
[3] Mário Aroso de Almeida.
[4] Mário Aroso de Almeida.

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