domingo, 30 de novembro de 2014

A suspensão de eficácia do acto administrativo no âmbito das providências cautelares impugnatórias: da patologia à cura.



1.    Introdução. O Regime Vigente.


De acordo com o artigo 128º do CPTA em vigor, quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, uma vez recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução do acto, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público (nº 1). Ou seja, a recepção do duplicado do requerimento cautelar tem o efeito automático de impedir a execução do acto, efeito esse que só se levanta se, no prazo de 15 dias, a entidade requerida proferir resolução fundamentada. A execução que seja levada a cabo sem a resolução fundamentada ou que, sendo-o, veja contrariada a sua fundamentação, é considerada indevida nos termos do nº 3 do artigo em análise. Atalhando, o que faz o artigo 128º é regular a situação em que fica colocada a entidade requerida entre o momento em que recebe o duplicado do requerimento (que, para Mário Aroso de Almeida, se trata do momento da citação do processo cautelar – 117º) mediante o qual tenha sido pedida a suspensão cautelar da eficácia administrativa de um acto por si praticado e aquele em que o tribunal se vem a pronunciar sobre o mesmo pedido. Durante esse período a entidade, em princípio, não pode iniciar ou prosseguir os actos de execução do acto impugnado, e se o fizer pode ver esses mesmos actos considerados ineficazes pelo tribunal. No fundo está em causa evitar o periculum in mora do processo cautelar, prevenindo que possam resultar para o requerente danos de um eventual atraso do tribunal, paralisando-se assim o acto por completo.
A regra é, portanto, que toda e qualquer entidade administrativa que recebe a informação da interposição de uma providência cautelar com vista a suspender a eficácia do seu acto fica ope legis proibida de o executar.
Ao instituir no nº 4 do o incidente de declaração de ineficácia dos eventuais actos de execução indevida, o art. 128º dispensa o interessado de impugnar a resolução fundamentada e os actos jurídicos de execução dela decorrentes. Considerando que não havia fundamento para o levantamento unilateral por parte de Administração para o levantamento da suspensão, o Código vem permitir que o interessado reaja directamente contra os actos de execução, pedindo que o juiz os declare ineficazes.

2.    Problemas do presente


O artigo 128º tem gerado desde o seu surgimento bastante controvérsia. A principal razão desta é o tema que nos propomos a trazer para o presente post e prende-se com a circunstância da proibição de executar poder ser levantada pela própria entidade requerida, através de uma resolução fundamentada, sem prévia intervenção do juiz cautelar. Para prevenir eventuais abusos, o CPTA introduziu o prazo de 15 dias para a emissão da resolução fundamentada, o que em vez de melhorar ainda contribuiu mais para o problema: acabam por ser emitidas resoluções fundamentadas que noutras circunstâncias nem o seria, em função da urgência da decisão.
Na verdade, para a administração iniciar ou prosseguir com a execução do acto, basta-lhe que profira um acto administrativo onde justifique que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. O grande problema é que quem tem competência para aferir sobre a existência de prejuízo para o interesse público é, não o juiz, mas a própria administração, que é também parte no próprio processo. Ou seja: é a administração quem, verdadeiramente, decide se suspende ou não a execução do seu próprio acto. A contradição está à vista: num processo jurisdicional que corre perante um tribunal é uma das partes que pode, unilateralmente, decidir se fica ou não proibida de executar o acto administrativo que está a ser impugnado. E isto comprova-se, conforme diz Ana Gouveia Martins, com um olhar sobre a prática administrativa, pois constata-se que é habitual da parte da administração invocar sistematicamente grave prejuízo para o interesse público e praticar uma “política de facto consumado”, conforme lhe chama Diogo Calado, “frustrando a tutela cautelar constitucionalmente garantida”.  Sobre esta circunstância dizia já Freitas do Amaral*, ainda no âmbito da LPTA (cujo artigo 80º é o “progenitor” do actual 128º CPTA), que esta solução é como “uma nova modalidade do privilégio de execução prévia, gravosa para os particulares e desprestigiante para os tribunais”.
Note-se que a já aludida possibilidade oferecida ao particular através da faculdade de declaração de ineficácia dos actos de execução (128º, nºs 3 e 4) quando se conclua pela improcedência dos fundamentos da resolução de nada servirá quando o acto tenha já sido executado e, pela sua natureza, assuma contornos de irreversibilidade. Mais: conforme afirma Rui Guerra da Fonseca, “Quando a administração fundamente razoavelmente, ainda que de forma sumária, a grave prejudicialidade para o interesse público na não execução do acto suspendido, ou o interessado consegue demonstrar a respectiva desroazoabilidade, ou o juiz não terá prática alternativa que não aceitar a bondade da resolução administrativa”, nestes termos, conclui dizendo que a solução actual da resolução fundamentada “introduz um novo elemento relativizador da própria posição dos tribunais”.
Apesar das críticas passíveis de fazer a este sistema, é bom salientar que o esforço do legislador em colocar limites à proibição de execução do acto é de aplaudir. É interessante a opção pela salvaguarda interesse público  subjacente à prática do acto quando superior ao do particular na suspensão da execução (até por razões de imperativo constitucional – 266º, nº 1 CRP ). O problema está, não na limitação, mas no modo como esta é praticada, tornando-se numa autêntica faculdade da administração.


3.    O Anteprojecto do novo CPTA. Soluções encontradas


Identificando o problema, a proposta constante do Anteprojecto de revisão do CPTA vem ensaiar uma solução. Esta passa por duas alterações fundamentais, que passamos a esmiuçar.
Em primeiro lugar vem impor que seja o juiz a decidir sobre o levantamento do efeito suspensivo, a pedido da entidade requerida ou outros interessados, em caso de prejuízo grave para o interesse público. Trata-se de uma correcção directa do problema anteriormente descrito. Agora é o juiz que decide a priori sobre a existência de um “grave prejuízo para o interesse público”, deixando de ser a administração a levantar por si própria o efeito suspensivo por mera invocação de tal prejuízo.
Mais: o preceito vem agora acrescentar ainda que os prejuízos poderão ser “noutros interesses envolvidos”, desde que acarretem uma consequência lesiva “claramente desproporcionada” ou seja, nem só o prejuízo ao interesse público pode relevar para efeitos do levantamento da suspensão do acto, acautelando-se deste modo a posição dos contra-interessados.  No entanto, esta só será relevante em caso de haver uma grande discrepância entre este interesse preterido e o interesse na suspensão de execução do acto. Esta solução vem dar razão a Vieira de Andrade que vinha chamando a atenção para este problema, exemplificando: “Esta desprotecção do contra-interessado é ainda mais chocante quando se trate de pedidos infundados, que podem representar o mero despeito de concorrentes preteridos, que não têm qualquer hipótese séria de serem escolhidos”. É por situações como esta citada que Diogo Calado defende que o juiz possa olhar à possibilidade de procedência ou improcedência do processo para aligeirar o critério do “grave prejuízo para o interesse público”.
Ainda nos termos desta primeira alteração refira-se igualmente que se deixou cair o prazo de 15 dias para efectuar o requerimento do levantamento, pelo que este poderá ser apresentado a todo o tempo (até ao óbvio limite, conforme diz Rui Guerra da Fonseca, do momento do trânsito em julgado da decisão sobre a própria providência).

A segunda alteração fundamental é mais inovadora, passando agora a ser possível à administração iniciar imediatamente (ou continuar) a execução do acto com base em situação de estado de necessidade. Representa isto que o novo CPTA não ignora que possam existir situações limite, em que a administração não possa ficar privada de executar os seus actos. Há situações em que a actuação da administração assume um carácter urgente e não pode aguardar uma decisão do juiz. A inovação para o sistema anterior surge na elevação das exigências para que se possa acionar esse dispositivo do levantamento unilateral da suspensão de execução do acto. Há, em nosso entender, uma tentativa do legislador em tornar este regime verdadeiramente excepcional, invertendo a tendência anterior de “enfiar pela janela” do interesse público tudo o que não passava “pela porta” em função da suspensão automática de execução do acto.
Vem então o 128º, nº 1 do novo CPTA dizer que, apesar de ser proibida a execução do acto, esta pode ser iniciada em casos de “estado de necessidade”. Mas o que é, para este efeito, estado de necessidade? Sérvulo Correia entende que a figura do estado de necessidade tem no direito administrativo uma dogmática própria, com pressupostos de aplicação específicos e diferentes face aos que se aplicam nos outros ramos de direito. Nestes termos, o 3º, nº 2 CPA será o afloramento mais paradigmático desta figura no Direito Administrativo (existindo ainda a utilização do estado de necessidade nos termos do 151º, nº 1 do mesmo diploma), pelo que se importará a figura para o 128º, nº 1 do CPTA. Assim, o início de execução do acto administrativo, suspenso por efeito da interposição em juízo da providência cautelar, será válido “desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados doutro modo, tendo os lesados o direito a ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da administração”. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, no Código de Procedimento Administrativo comentado, densificam esta fórmula, com recurso aos seguintes requisitos: i) Ocorrência de factos graves e anormais, em circunstâncias excepcionais; ii) Existência de um perigo iminente para o interesse público; iii) impossibilidade de fazer face àqueles factos pelos meios normais da legalidade; e iv) Que a situação de necessidade não tenha sido provocada por culpa do órgão que agora pretende actuar em estado de necessidade.
A respeito do estado de necessidade diz Rui Guerra da Fonseca que este é, na verdade, uma exigência constitucional em momentos em que, reunidos os respectivos pressupostos, o estrito cumprimento da legalidade administrativa é prejudicial aos administrados de modo incompatível com a lei fundamental, com a própria ideia de direito que lhe subjaz.
Facilmente se percebe, pois, que a fórmula em causa se tornou francamente mais exigente (em nosso entender, o suficiente para não ser invocada de forma ligeira e recorrente) face à actual cláusula de “grave prejuízo ao interesse público”. A solução parece interessante, na medida em que não extrema a suspensão a ponto de rigidificar de forma irreversível a dependência de autorização judicial para o seu levantamento, mas (parece) conseguir resolver o problema do abuso da figura do interesse público para resolver todo e qualquer problema de suspensão de execução do acto.  O que se trata, com o estado de necessidade (e conjugando os nºs 1 e 2 do 128º CPTA), é de uma habilitação a ultrapassar o incidente processual de submissão da resolução fundamentada a apreciação judicial, desde que em conformidade com os requisitos da figura aplicada.
A questão que se impõe é, pois, a de aferir (com a evidente incerteza inerente a uma avaliação apriorística) se não será esta figura do estado de necessidade usada do mesmo modo perverso que é actualmente a do interesse público. Parece-nos que não. O conceito de “interesse público” é francamente indeterminado e de difícil contraditório por parte do interessado, deixando (conforme já se explicou) o juiz sem outra alternativa, em caso de fundamentação razoável da administração e de insuficiente resposta do interessado, que não a de aceitar o levantamento da suspensão (ainda que não o pretendesse fazer). O estado de necessidade é um conceito muito mais densificável e já doutrinariamente densificado, cujos pressupostos objectivos de aplicação são controláveis pelo juiz. Esta é uma situação que, naturalmente, reduz a “margem de manobra” da administração para usar de forma inadvertida a figura. Por outro lado, o próprio artigo 128º acaba por reduzir o interesse para a administração em aplicar o dispositivo em análise, visto que da conjugação do nº 5 com o nº 2 resulta que, se pedido o levantamento com urgência, o juiz promoverá uma audiência oral, no prazo de quarenta e oito horas, no termo do qual a decisão é tomada de imediato. Assim, só quando seja desrazoável esperar por esse (tão curto) prazo, a administração, apoiada nos requisitos do estado de necessidade, poderá avançar para a aplicação da figura. Em princípio, parece-nos, tanto a rigidificação dos requisitos como a imposição de uma alternativa altamente expedita deverão ser suficientes para terminar com o “autolevantamento” da suspensão de execução do acto de forma leviana e infundada.

4.    Conclusão


O Projecto do CPTA vem consagrar um sistema de três níveis de urgência. Em primeiro lugar consagra aquela que deverá ser a solução regra: interposição de uma providência cautelar destinada a suspender eficácia de um acto, determina a proibição de execução do mesmo, salvaguardando-se a utilidade da providência. Em segundo lugar existe a situação de, derivado de grave prejuízo para interesse público ou em função de consequências claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, é necessário agir-se com urgência executando-se o acto administrativo suspenso, após decisão judicial tomada em termos bastante breves que o permita. Em terceiro lugar, surgem as situações com urgência máxima, em que é possível começar ou continuar de imediato a execução do acto, desde que verificada uma situação de estado de necessidade administrativo, o que só acontecerá em situações de limite de urgência.

Em nosso entender a “cura” encontrada adequa-se à “patologia” do sistema actual. Efectivamente, perante a necessidade de ponderar vários valores, como seja o periculum in mora da decisão sobre a providência cautelar, o interesse público e ainda os interesses dos contra-interessados, o sistema proposto consegue (em princípio), uma interessante coexistência entre todos eles. Se correctamente aplicado, o sistema deverá permitir que os actos cuja suspensão de execução verdadeiramente lese o interesse público prossigam a sua execução, mas também conseguirá em princípio impedir que a Administração se sobreponha a competências judiciais, devolvendo ao juiz um poder que sempre devia ter sido seu.
Por tudo isto, aplaudimos a solução encontrada e somos bastante optimistas quanto à sua boa aplicação futura.

Tiago Quaresma, nº 22115, Subturma 6




Bibliografia


-       ALMEIDA, Mário Aroso de - Manual de Processo Administrativo. Almedina, 2013

-       MARTINS, Ana Gouveia – A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo (em especial, nos procedimentos de formação de contratos), Coimbra, Coimbra Editora, 2005

-       CALADO, Diogo – O novo regime da suspensão de eficácia de acto administrativo no âmbito das providências cautelares impugnatórias

-       ANDRADE, Vieira de –A Justiça Administrativa (Lições), 11ª Edição, Almedina, 2011

-       FONSECA, Rui Guerra da - A suspensão de eficácia de actos administrativos no projecto de revisão do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos

-       OLIVEIRA, Mário Esteves de / GONÇALVES, Pedro Costa / AMORIM, J. Pacheco de – Código do Procedimento Administrativo, Comentado, Coimbra, Almedina, 2ª edição, 2007


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Contestação

https://www.dropbox.com/sh/d8v67v21pgx27xg/AACRAas7ZzhidbNUD1wnyCuma?dl=0


Boa noite colegas, segue em anexo a nossa contestação.

Aida Conde
André Gomes
António Bragança
Francisco Ferreira
Tiago Guerreiro
Tiago Quaresma

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Petição Inicial - Associação de Hotéis Históricos de Lisboa


Tribunal Administrativo de Círculo Lisboa

Exmo. Senhor
Dr. Juiz de Direito

A Associação de Hotéis Históricos de Lisboa, pessoa colectiva privada n.º 70008288, com sede na Avenida da Liberdade, nº 7, 1250-149, Lisboa, tendo como mandatário judicial a Doutora Maria Francisca Pinto Vargues e a Doutora Teresa Sousa Peixoto, com domicílio profissional na Avenida das Forças Armadas, nº4, 1ºesq 1600-083, Lisboa, e na Avenida da República, 4ºesq, 1600-204, Lisboa, respectivamente (em anexo Procuração Forense).

Contra,
Município de Lisboa.

Vem, nos termos do art.º 46.º e segs. do CPTA, intentar a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, na modalidade de acção de impugnação de acto administrativo.

Pedindo:

1   -A declaração de nulidade dos actos de cobrança das taxas de alojamento e entrada no Município de Lisboa.

E, cumulativamente, nos termos do art.º 4.º/1, al. a) do CPTA, o pedido de,

2    - Declaração de ilegalidade do orçamento camarário que cria tais tributos.


Nos termos e com os seguintes fundamentos:

MATÉRIA DE FACTO:

                                                                                1º

A Associação dos Hotéis Históricos de Lisboa representa todos Hotéis Históricos de Lisboa.


Um dos fins que a Associação dos Hotéis Históricos visa prosseguir é a defesa do turismo, em especial a promoção e desenvolvimento do património histórico da cidade de Lisboa. (Documento 1)
  

Nos termos do Regulamento do Orçamento da Câmara Municipal de Lisboa para 2014, prevê-se a criação de uma taxa a aplicar aos estabelecimentos de Alojamento do concelho de Lisboa e às entradas, que se efectuam pelo aeroporto e porto de Lisboa, desde 1 de Janeiro de 2014. (Documento 1)


Desde a aplicação da taxa que se verificou uma diminuição significativa do número de clientes, em comparação com a afluência que os hotéis tiveram em anos anteriores (Documento 2).


Ocorreram inúmeras reclamações por parte dos clientes aquando do pagamento da estadia (Documento 3).


A cobrança da taxa é efectuada automaticamente pelos sistemas informáticos dos estabelecimentos de alojamento, revertendo o valor a favor do Município.


No dia 20 de Março de 2014 realizou-se uma manifestação por parte de todos os gerentes dos Hotéis Históricos de Lisboa (Documento 4).


Redução da competitividade da cidade de Lisboa, em termos turísticos. Na medida em que, na escolha do destino de férias, os turistas vão optar por outros destinos onde o referido tributo não seja cobrado.


Decréscimo das receitas dos hotéis (Documento 5).

10º

Hotéis foram obrigados a despedir alguns dos seus funcionários e a reestruturar o seu leque de ofertas.  

11º

Os clientes regulares são os que se mostram mais insatisfeitos.


12º
A cobrança das taxas atenta contra os próprios interesses económicos e nacionais.

13º

Experiências anteriores confirmam que a cobrança da taxa é insustentável – Exemplo: suspensão da aplicação de uma taxa semelhante no Município de Aveiro.

14º

Lisboa, enquanto destino atrativo para os visitantes, tem de propiciar condições favoráveis a quem a visita e nela investe, o que é colocado em risco com este agravamento de custos.


MATÉRIA DE DIREITO

Da Legitimidade:
15º

De acordo com o artigos 1.º do CPTA e 326.º/1 do CPC, a Associação de Hotéis Históricos de Lisboa tem legitimidade para se constituir como assistente no presente processo atendendo a que tem um interesse juridicamente atendível em que a decisão seja favorável ao Autor, tendo em conta que representa os hotéis históricos de Lisboa, que têm relações jurídicas cuja consistência económica depende da pretensão aqui apresentada, nos termos do disposto no n.º2 do mesmo artigo; deduzindo para isso o presente articulado, nos termos do artigo 327.º n.º2;

16º

A legitimidade passiva do Município de Lisboa encontra-se assegurada pelo artigo 10.º/2 do CPTA;

17º

Nos termos do artigo 11.º/1 dos CPTA constituíram-se Advogadas as Senhoras Doutoras, Teresa Sousa Peixoto e Maria Francisca Pinto Vargues;

18º

São apresentadas provas nos termos do artigo 330.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA;


Do primeiro pedido de impugnação:

19º

Nos termos do artigo 50.º nº1 do CPTA pretende-se a impugnação do acto administrativo em causa, a cobrança da taxa, com vista à declaração de nulidade.


20º

Estamos perante um acto administrativo nos termos do artigo 120.º do CPA na medida em que se trata de um acto com conteúdo decisório (exprime uma resolução que determina condutas a adoptar) dotado de eficácia externa, e comporta a susceptibilidade de lesão de interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 51.º do CPTA.

21º

O acto administrativo em causa é nulo nos termos do artigo 133.º n.º 1 e n.º2 alínea b) do CPA por se tratar de uma falsa taxa, consistindo o seu conteúdo num verdadeiro imposto e, como tal, o município de Lisboa não dispõe de competência para tal. Desde já, os requisitos para estarmos perante uma taxa não se encontram preenchidos,
 Comecemos pelo carácter sinalagmático. As taxas são receitas que têm a particularidade de revestirem carácter sinalagmático, carácter esse que deriva da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem.
Nos termos do artigo 4.º/2 da Lei Geral Tributária (LGT), assim como no artigo 3.º do Regime Geral das Taxas, exige-se uma contraprestação imediata.

Ora, a exigência da cobrança exigida aos hóspedes com fundamento na contra partida das infra-estruturas oferecidas pela cidade não preenche, na verdade, o sinalagma exigido, tendo em conta que, não podemos afirmar que há uma contraprestação imediata, não há uma certeza que nos permita afirmar que, tendo em conta o facto de terem estado hospedados em determinado hotel, de que serviços beneficiaram concretamente ao ponto de terem que pagar o valor de 1€ por dia, e isso leva-nos ao requisito da proporcionalidade, subjacente a qualquer taxa, de acordo com artigo 4.º número 1 do Regime Geral das Taxas que impõe que o valor da taxa não ultrapasse o custo da actividade pública ou do benefício que o particular tem. Ora, se a taxa não tem como contraprestação a fruição dos serviços do hotel mas sim as infra estruturas da cidade, não há forma de avaliar se este requisito geral das taxas é cumprido em cada caso concreto.

Do segundo pedido de declaração de ilegalidade do orçamento:

22º

A taxa de alojamento foi criada pelo orçamento camarário (artigo 10.º do Regulamento do Orçamento da Câmara Municipal de Lisboa para 2014);
Tratando-se, na realidade, de um imposto, o Princípio da Legalidade fiscal exige que os impostos sejam criados e disciplinados nos seus elementos essenciais através dos órgãos democráticos, desdobrando-se este princípio em duas vertentes: a vertente formal e a vertente material. No que diz respeito à vertente formal há uma exigência de intervenção parlamentar para a disciplina dos impostos, nos termos dos artigos 103.º n.º 2 e 165.º n.º1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa. Há então uma violação do Princípio da Legalidade, estando esta medida ferida de inconstitucionalidade pelo que se requer a declaração de ilegalidade do orçamento;



Nos termos do artigo 78.º/2 alínea l e m do CPTA, são apresentados os seguintes meios de prova:

   1) Factos provados por prova documental:

       - Documento 1 – Estatuto dos Hotéis Históricos de Lisboa, ver em especial o artigo 20.º/1 alínea e);

       - Documento 2 – Gráfico relativo ao número de estadias nos anos de 2013 e 2014;

       - Documento 3 – Gráfico relativo aos dados recolhidos no inquérito de satisfação;

       - Documento 4 – Notícia da manifestação dos gerentes dos Hotéis Históricos de Lisboa, publicada no jornal, O Jornaleco;

       - Documento 5– Gráfico que representa as receitas obtidas nos anos 2013 e 1014.

2) Factos provados por prova testemunhal:

      - Maria Filomena Sousa Bastos, com CC número 81367187, solteira, residente na Rua Frei Tomé de Jesus, nº4, 1ºesq. Lisboa, 1700-215, recepcionista no Hotel Estrela de Ouro; 

      - Carmo Pereira Simões, com CC número 35985831, casada, residente na Avenida 18 de Dezembro, nº16, 1º dir. Lisboa, 1500-021, gerente do Hotel Estrela de Ouro;

      - Carlota Pina Oliveira, com CC número 19234568, casada, residente na Avenida de Berna, nº 11, 4º esq. Lisboa, 1600-234, presidente da Associação de Hotéis Históricos de Lisboa;

      - Graça Ribeiro Paes, com CC número 28235486, solteira, residente Avenida do Brasil, nº6, 6º esq, Lisboa, 1800-034, gestora de empresas;

Determinação do valor da causa: 60.000 euros, conforme decorre dos artigos 31.º/1 e 2 alínea b), e 32.º/2 e 7 do CPTA. 
Nos termos do artigo 91º nº2 do CPTA, é ainda requerida a realização de audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto e de direito.  


Esperam Deferimento
As Advogadas,
Maria Francisca Pinto Vargues
Teresa Sousa Peixoto




Grupo: 
Ana Rapoula; 
Filipa Mota;
Graça Ribeiro; 
Joana Aguiar; 
Sofia Paixão;
Telma Gonçalves. 
Colegas, fica abaixo o link para fazerem o download da Petição Inicial e dos Documentos. Notem que apenas juntámos os documentos que têm natureza jurídica.

https://www.dropbox.com/s/sewqa49q833o1f5/Peti%C3%A7%C3%A3o%20Inicial%20Autor.pdf?dl=0

Álvaro Silveira de Meneses
Ana Catarina Sampaio
Ana Catarina Melícia
João Empis
Lígia Rocha
Maria Luísa Fernandes

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Simulação de Julgamento - Hipótese

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO


            Feliciano Yanaqué saía para o estrangeiro, pela primeira vez, aos cinquenta e cinco anos de idade, da cidade de Piura, no noroeste do Perú, acompanhado de sua mulher Gertrudis, a quem tinha prometido uma visita a Fátima. Ao chegar ao aeroporto de Lisboa, foi-lhe cobrada uma taxa de entrada no município, no montante de um euro. Ainda protestou, que seguia direito para  Fátima, num carro previamente fretado, não chegando sequer a entrar em Lisboa, mas ninguém fez caso disso, quem sabe se por culpa da dificuldade de compreensão do seu castelhano, carregado pelo sotaque da sua Yapatera natal. Ficou aborrecido, mas deixou andar.
            Após três dias de peregrinação em Fátima e de quinze dias de passeio turístico pelo centro e norte do país, era tempo de visitar finalmente Lisboa. Esteve cinco dias num hotel, num prédio antigo recuperado, que lhe fez lembrar terras peruanas e, ao pagar a conta, já prestes a voltar para casa, cobram-lhe cinco euros de taxa de alojamento. Agora, era de mais! Não era tanto pelos cinco euros, embora um homem como ele, que tinha feito a sua vida a pulso, não visse com bons olhos o dinheiro mal-gasto, mesmo se pouco. Era, sobretudo, por achar que estava a ser vítima de uma injustiça e, imediatamente, lhe vieram à mente as palavras de seu pai, antes de morrer: «Nunca te deixes pisar por ninguém, meu filho».
            Vai daí, decide procurar um advogado, encontrando, logo na esquina do hotel, o escritório do Dr. Lima e Pires (cujo nome lhe fazia lembrar a capital do seu querido Perú), a quem solicita que recorra à Justiça..O advogado Lima e Pires intenta uma ação, nos tribunais administrativos, impugnando os atos de cobrança das taxas de entrada e de alojamento no município de Lisboa, com o argumento de que se trata de impostos, lançados por uma entidade incompetente, assim como pretendendo obter a declaração de ilegalidade do orçamento camarário que criara tais tributos, para que «outros incautos turistas náo venham a ser pisados como ele» (segundo as despeitadas palavras de Feliciano). Constituem-se como assistentes neste processo, tanto a Associação dos Hoteis históricos de Lisboa, como a dos Restaurantes e Tascas Finas de Lisboa, que também estão contra a criação das “ditas” taxas, que consideram estar a matar “a galinha dos ovos de ouro” do turismo alfacinha.
            No processo, a autarquia lisboeta alega que o que está em causa é uma taxa turística, contrapartida das infra-estruturas oferecidas pela cidade, idêntica à existente noutras capitais europeias e de reduzido montante, cabendo assim tanto a sua criação pelo orçamento como a sua aplicação ao caso concreto dentro das atribuições do município.
            Quid iuris?

(N.B. Os personagens Feliciano e Gertrudis Yanaqué “fugiram” do livro de Mario Vargas Llosa, «O Herói Discreto», Quetzal, Lisboa, 2013  O caso prático é meramente académico, pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar).

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O respeito pela autonomia da Administração Pública enquanto limite da jurisdição administrativa


 Francisca Duarte de Almeida
 subturma 6 do 4°ano Dia


A determinação do âmbito da jurisdição administrativa não se satisfaz pela mera referência à fórmula do nº 3 do artigo 212º da Constituição (litígios emergentes das relações jurídicas administrativas). A compreensão do universo de disputas que integram a competência dos tribunais administrativos implica uma análise casuística das opções legislativas relativas à inclusão ou exclusão de determinado litígio no âmbito da jurisdição administrativa. A este propósito, embora sem carácter de exclusividade, a principal referência legal é constituída pelo artigo 4º do ETAF. É curioso verificar que a alínea d) do nº 2 desse artigo exclui expressamente do âmbito de apreciação dos tribunais administrativos a impugnação de actos praticados no exercício das funções política e legislativa, mas omite qualquer referência ao relacionamento entre a função jurisdicional e a função administrativa. Como pretendo salientar de seguida, a teoria da separação de poderes condiciona decisivamente a amplitude dos poderes de controlo dos tribunais sobre a actividade administrativa. A fiscalização jurisdicional das decisões administrativas, em Portugal, sempre foi uma fiscalização limitada. A lógica inicial era mesmo a correspondente àquela frase bastante divulgada segundo a qual “julgar a Administração é, ainda, administrar”. A intensidade do controlo dos tribunais sobre a Administração tem vindo a alargar-se, em especial, desde a vigência da Constituição de 1976. Mas, também por isso, o controlo jurisdicional da actividade administrativa nunca teve por referência ou ponto de partida uma situação de controlo pleno sujeita a limitações pontuais. O caminho tem sido o inverso. Do princípio da separação de poderes (quer a interpretação seja mais ampla ou mais restrita) resulta a impossibilidade dos tribunais administrativos se substituírem à Administração Pública no exercício das suas funções de autoridade. Sempre que os órgãos administrativos exercem alguma margem de liberdade decisória (através do exercício de poderes discricionários ou do preenchimento de conceitos indeterminados), a sua autonomia não pode ser posta em causa por decisões jurisdicionais alternativas. Com o alargamento dos poderes dos tribunais administrativos, não é o princípio da separação que está em causa mas a delimitação da linha de fronteira. Trata-se da questão que os Professores Sérvulo Correia e Vieira de Andrade apelidam de “limites funcionais da jurisdição administrativa”. Do ponto de vista legal, esta delimitação do âmbito da função jurisdicional administrativa encontra a sua sede não no artigo 4º do ETAF mas antes no nº 1 do artigo 3º do CPTA: os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou da oportunidade da sua actuação. No essencial, tal parece significar que os tribunais administrativos não podem determinar o conteúdo da decisão administrativa quando esse conteúdo possa ser determinado pela vontade da própria Administração Pública. A enunciação do princípio parece simples mas a sua aplicação prática constitui uma tarefa difícil e complexa. Vou referir-me, sucintamente, à questão, a partir de duas perspectivas complementares: em primeiro lugar, a perspectiva abstracta do controlo da margem de liberdade administrativa; em segundo lugar, a perspectiva dos meios de controlo à disposição dos tribunais. Como já referi anteriormente, o sistema português de fiscalização jurisdicional da Administração sempre assumiu a necessidade de limitação dos poderes do juiz, respeitando a autonomia do poder administrativo. A regra é que as decisões administrativas de conteúdo integralmente vinculado pelo legislador podem e devem ser plenamente controladas pelo tribunal. No entanto, sempre que o conteúdo das decisões administrativas esteja dependente de considerações próprias da Administração Pública, o tribunal não pode pretender substituir as considerações administrativas pelas suas próprias considerações. Sempre que o conteúdo da decisão administrativa esteja dependente de considerações administrativas, o que está em causa já não é a juridicidade ou a legalidade da actividade administrativa mas a sua conveniência ou oportunidade, para utilizar os termos constantes do nº 1 do artigo 3º do CPTA. O problema é que é muito difícil (cada vez mais difícil dada a complexidade da actividade pública) estabelecer um limite entre a legalidade e a conveniência. Para a indeterminação das fronteiras relativas entre legalidade e conveniência concorre hoje em dia, o facto do controlo jurisdicional das escolhas administrativas ser efectuado através da aplicação de princípios constitucionais, como o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade ou o princípio da imparcialidade. O controlo das escolhas administrativas através da aplicação de princípios constitucionais pode condicionar muito a liberdade decisória da Administração, sobretudo se forem utilizados como referência do que deve ser feito (critérios de actuação) e não como referência do que não deve ser feito (limites de actuação). O Supremo Tribunal Administrativo tem sido prudente no controlo da actividade administrativa a partir dos princípios constitucionais, assumindo a perspectiva negativa dos princípios enquanto limites e apenas quando a violação se assumir como manifesta ou evidente. É claro que a extensão do controlo efectuado pelos tribunais depende essencialmente da espécie de poderes que a Administração Pública exerce em cada caso. Quando o legislador atribui à Administração Pública a possibilidade de escolher livremente entre várias soluções consideradas como alternativas, as possibilidades de controlo judicial são extremamente limitadas. Já nos casos em que a vontade da Administração Pública incide sobre a concretização de indeterminações constantes das disposições legais ou regulamentares, as possibilidades de controlo judicial já se apresentam com maior viabilidade. Por outro lado, existem áreas da actividade administrativa em que o controlo judicial tende a ser pleno ou integral (como é o caso, por exemplo, da actividade da Administração tributaria), e outras áreas da actividade administrativa em que o controlo judicial se apresenta como muito limitado (como acontece com os planos de natureza económica ou territorial). Sempre que seja possível concluir que o legislador atribuiu um poder à Administração Pública para que ela o exerça tendo em conta considerações próprias, não é possível deixar de concluir também que o legislador quis reservar aquela decisão para a Administração afastando a possibilidade do tribunal administrativo determinar qualquer solução supostamente devida. Quando tal ocorre, estabelece-se um limite concreto à jurisdição administrativa. Esse limite é um limite funcional, que remete para a necessidade de respeito entre as funções do Estado de natureza secundária. Cabe salientar, em todo o caso, que os limites funcionais da jurisdição administrativa não significam que o litígio em causa esteja excluído da jurisdição administrativa mas antes que a fiscalização exercida pelo tribunal pode ser mais limitada, ou menos intensa, do que acontece normalmente. Apesar disso, como o litígio pode ser conhecido pelos tribunais administrativos, o que está em causa não é a delimitação da matéria que cabe aos tribunais administrativos conhecer mas antes o tipo de controlo que os tribunais podem exercem quando conhecem determinados litígios. Assim, se o litígio não é excluído da jurisdição administrativa pelo artigo 4º do do ETAF (ou por alguma outra disposição legal), o controlo contencioso administrativo é possível. Só que, tal controlo é um controlo mais restrito, mais limitado, que o habitual. É nisto que consiste a tal limitação funcional. Na prática (embora com graus distintos), o tribunal pode sempre proceder a algumas verificações. A primeira delas tem que ver com o respeito, no caso, dos pressupostos e condições que devem verificar-se para que o poder possa ser exercido (perguntas como: estão reunidos os acontecimentos factuais referidos na previsão normativa? foi exercido efectivamente um poder discricionário?). Num segundo plano, o tribunal pode mesmo controlar as escolhas administrativas efectuadas, a partir da aplicação dos já referidos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da imparcialidade. Este controlo, que é um controlo das ponderações administrativas, deve ser um controlo limitado, que no essencial se restringe à verificação da existência de factos suficientes para que o poder possa ser exercido e da adequação da alternativa escolhida face a esses factos. Em caso algum pode o tribunal substituir a escolha administrativa por uma escolha sua. Essa área já é uma área da oportunidade ou da conveniência e não da legalidade. Tendo em conta esta perspectiva abstracta sobre a autonomia administrativa enquanto limite do controlo contencioso, importa agora constatar como (em termos meramente exemplificativos), tal limite se projecta nos meios de controlo colocados pelo legislador à disposição dos tribunais administrativos. Parece evidente que o CPTA fornece aos tribunais meios de apreciação cuja aplicação, nalguns casos, pode pôr em causa o respeito pelos limites funcionais da jurisdição administrativa. Desde logo, os tribunais administrativos dispõem da possibilidade de condenar a Administração Pública na prática do acto administrativo devido, como resulta dos artigos 66º e seguintes do CPTA. É claro que a condenação na prática do acto administrativo devido se deve restringir àquelas situações em que a Administração Pública exerce poderes vinculados e não poderes discricionários. Na verdade, como já referido, se o legislador permite escolhas administrativas, o tribunal não pode afirmar que uma e apenas uma das possibilidades corresponde à escolha legalmente devida. No entanto, e mais uma vez, o problema é um problema de limites, sendo certo que em muitas situações é difícil determinar onde pára a vinculação e começa a discricionariedade. O CPTA não ignorou este risco e veio a estabelecer, no nº 3 do artigo 95º, a propósito dos limites da sentença (ou seja, neste caso, dos limites funcionais da jurisdição administrativa) que “Quando, com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência de um acto administrativo, tenha sido cumulado pedido de condenação da Administração à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto impugnado não tivesse sido praticado, mas a adopção da conduta devida envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma actuação como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo da conduta a adoptar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração”. Ou seja, o legislador salienta que o tribunal não pode substituir as valorações administrativas pelas suas próprias, devendo limitar-se a indicar quais os elementos vinculados que, na prática daquele acto, a Administração Pública deve respeitar. Neste ponto parece-me que posso concluir que o nº 3 do artigo 95º do CPTA deve ser entendido como uma manifestação concreta do princípio consagrado no nº 1 do artigo 3º: a par de um controlo pleno da vinculação, um controlo restrito ou limitado da discricionariedade. No entanto, os meios de controlo judicial que verdadeiramente parecem "colocar em risco" a autonomia administrativa são aqueles em que o tribunal pode praticar sentenças substitutivas. Ou seja, aqueles casos em que o tribunal pode exercer directamente um poder que, em primeira linha, se encontra atribuído a um órgão administrativo. No direito do urbanismo, que já estudámos, no âmbito do curso, existe pelo menos um exemplo emblemático: a sentença substitutiva de alvará, prevista no nº 7 do artigo 113º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (regime jurídico da urbanização e da edificação). O urbanismo corresponde, precisamente, a uma área material em que a emissão de considerações administrativas (inserção no ambiente urbano, estética da povoação, beleza das paisagens) mais significado assume. Do ponto de vista geral, salienta-se a possibilidade do tribunal administrativo, no âmbito das providências cautelares, poder tomar decisões e conteúdo tipicamente administrativo, ainda que de natureza provisória. É assim com as admissões e autorizações previstas nas alíneas b) a d) do nº 2 do artigo 112º. Trata-se, claro está, de decisões judiciais provisórias. No entanto, face à conhecida morosidade dos tribunais administrativos, a prática pode transformar decisões provisórias em definitivas. Em conclusão, a jurisdição administrativa encontra-se limitada pela autonomia administrativa. Tal limitação não significa uma exclusão da apreciação de litígios, mas um enfraquecimento do controlo. O modo concreto como os tribunais aplicam os meios de controlo ao seu dispor, pode alterar significativamente as fronteiras de tal limite.


 Bibliografia: Parejo Alfonso, Luciano - Administrar y juzgar: dos funciones constitucionales distintas y complementarias, Tecnos, Madrid, 1993. Queiró, Afonso Rodrigues – O poder discricionário da Administração, in Estudos de Direito Público, vol. I, Acta Universitatis Conimbrigensis, Coimbra, 1989, páginas 177 e ss. Sánchez Morón, Miguel – El control de las Administraciones Públicas y sus problemas, Instituto de España-Espasa Calpe, Madrid, 1991. Schmidt-Assmann, Eberhard – La teoria general del Derecho Administrativo como sistema (tradução do original alemão), INAP-Marcial Pons, Madrid, 2003. Sérvulo Correia, José Manuel – Direito do Contencioso Administrativo, I, Lex, Lisboa, 2005. Vieira de Andrade, José Carlos – A Justiça Administrativa, Lições, 11ª edição, Almedina, Coimbra, 2011.

domingo, 2 de novembro de 2014

Uma viagem pelo contencioso

Contencioso Administrativo, Uma viagem pelo contencioso


A nossa viagem começa no século com as Ordenações Afonsinas, onde pela primeira vez, num diploma nacional, aparece uma referencia a possibilidade de se impugnar um acto, ou melhor, á data, um diploma (por exemplo: um alvarás, uma previsão, etc. que seja contrário ao direito ou que ofendam um direito adquirido por terceiro). Nestes tempos não existiam Tribunais Administrativos, isto é, estes processos eram levados a cabo pelas Cortes ou pelos governadores destacados pelo Reino.

A jornada do evolução do contencioso continua e chegamos a 1930. Nesta época tínhamos dois órgãos que procediam ao processo administrativo: o Supremo Conselho da Administração Pública e as Auditorias. Chegados os anos 30 sentiu-se a necessidade de se criarem verdadeiros tribunais administrativos, e em 1933 o decreto-lei nº 23185, de 30 de Outubro veio levar a cabo a extinção do Supremo Conselho da Administração Pública e criando o Supremo Tribunal Administrativo. Este tribunal era dotado de jurisdição própria.

Os anos foram avançando e o contencioso administrativo começou a ser muito discutido, sendo que em 1971, com a revisão feita a Constituição da República Portuguesa de 1933, veio dar a garantia constitucional  do recurso do contencioso, com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios.

Passado 5 anos, com a Constituição de 1976 e com as sucessivas revisões a mesma, inicia-se um novo período de justiça administrativa em Portugal. Um período marcado pelo crescimento da rede de tribunais administrativos e pela diversidade de diplomas que surgiram.

Nesta jornada pela evolução do contencioso há que referir alguns diplomas e ideias que foram mais marcantes, nomeadamente, a Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, onde foi inserido o artigo 268º, nº 3, onde se reconhece a garantia de recurso contencioso para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, em 1984, através do decreto-lei nº 129/84 de 27 de Abril a criação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). Um ano mais tarde é também criada, através do decreto lei nº 267/85, a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

A viagem pela evolução do contencioso continua e leva-nos até 2002. Chegados a este ano, vamos-nos deparar com uma “revolução” no Contencioso Administrativo, nomeadamente no que toca ao recurso hierárquico necessário.  Em palavras simples, até a data anteriormente referida, todas os processos de impugnação de um acto teriam de ser feitas de forma obrigatória para o superior hierárquico, ou seja, isto levava a que um funcionário do departamento das finanças quando queria impugnar um acto tinha de se dirigir ao chefe de departamento e interpor recurso, este ao seu superior hierárquico e assim continuava até eventualmente chegar o recurso ao ministro. Chegado o processo ao ministro a decisão era tomada pelo STA, o que levava a num limite quase todos os processos passassem pelos vários ministros e por sua vez a uma inundação do STA com processos que muitas vezes não passavam pelos tribunais de instâncias menores.

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 Poucos processos na base e muitos no STA



A aprovação da Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, veio alterar o preceito necessário para útil, havendo assim uma harmonização com as normas do novo processo administrativo. Em concreto esta mudança vem fazer com que tenhamos uma inversão na pirâmide, pois não havendo um recurso hierárquico necessário o agente pode por a acção imediatamente nos tribunais de 1ª instância.  Esta medida vem também  concretizar o direito fundamental de acesso á justiça administrativa.


Novo molde da distribuição de processos no contencioso administrativo.

Esta revolução foi acompanhada com a aprovação de vários diplomas que vieram não só simplificar o processo administrativo, mas também torná-lo mais eficiente e por sua vez mais célere. Há que ressalvar a aprovação do decreto-lei: nº 13/2002 reforma ao ETAF e posteriormente as alterações ao mesmo através pelas leis: nº 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e nº 107-D/2003, de 31 de Dezembro. Há que reafirmar a grande importância na aprovação do novo CPTA pela lei nº 15/2002.

Em pleno ano 2014, está prestes a ser aprovada uma nova reforma, o que significa que as jornadas pela evolução do contencioso administrativo vão continuar. Existirá sempre algo a melhorar e a tornar mais eficiente. Ao longo dos anos a procura por uma maior eficiência é notória e não deixa de ser uma marca muito importante pois só poderemos ter uma justiça 100% fiável e justa se esta for eficiente.


António de Noronha Bragança
Nº 21421