domingo, 2 de novembro de 2014

O acto administrativo impugnável



O acto administrativo impugnável

            A acção de impunação de actos administrativos nem sempre foi uma figura presente no nosso ordenamento jurídico. Esta surge no âmbito da reforma do Contencioso administrativo na sequência do desaparecimento do recurso de anulação. A substituição do recurso de anulação pela acção de impugnação de actos administrativos permite a apreciação na integra da relação jurídica administrativa. O professor Vasco Pereira da Silva há muito que defendia a necessidade desta mudança, designadamente com o objectivo de obrigar a Administração a reconstituir a situação actual hipotética em que o particular se encontraria antes da prática do acto ilegal.
A accção de impugnação de actos administrativos encontra-se compreendida no âmbito da acção administrativa especial.  A acção administrativa especial caracteriza-se  por ser o principal meio processual do Contencioso Administrativo. De acordo com o artigo  46.º  do CPTA seguem a forma da acção administrativa especial os processos cujo objecto sejam relativos a pretensões emergentes da prática  ou omissão de actos administativos ou de disposições normativas de direito administrativo.
                O CPTA estabelece diferentes formas de processos de impugnação de actos administrativos, sendo que o que distingue a chamada impugnação ordinária  dos processos de impugnação urgentes  é a maior celeridade que o CPTA estabelece em relação a estes últimos.
                A impugnabilidade de acto administrativo implica a distinção de vários requisitos que são ou podem ser cumulativamente necessários para a existência de um acto administrativo e a sua consequente impugnação por quem tenha legitimidade para tal. Assim sendo, e seguindo a metodologia do professor Mário Aroso de Almeida temos:

     1.       Requisito de conteúdo decisório do acto
                Em termos gerais a impugnação de actos administrativos  visa o controlo da invalidade. Pelo que tornar-se-á necessário estabelecermos quando estamos perante um acto administrativo para consequentemente analisarmos a sua possível invalidade. Neste sentido, tendo em conta o conceito material de acto administrativo previsto no artigo 120.º do CPA seria acto administrativo toda e qualquer decisão destinada à produção “de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. Ora, sendo actos administrativos todos aqueles que produzem efeitos jurídicos, apenas seriam impugnáveis aqueles cujos efeitos fossem susceptíveis de afectar outrem.
                Neste contexto coloca-se a questão de saber se são impugnáveis as decisões administrativas preliminares, o acto administrativo ineficaz, o acto confirmativo  e os actos de indeferimento expresso. Quanto à primeira categoria, o professor Vieira de Andrade entende que apesar de tais actos não produzirem directamente um efeito lesivo na outra parte, a verdade é que podemos sustentar a impugnabilidade dos mesmos, na medida em que, com elevado grau de probabilidade virão a causar lesões aos particulares. Ainda assim, não resultaria para os particulares qualquer ónus de impugnação. No que toca à segunda categoria, a lei no artigo 54.º do CPTA admite a impugnação de actos ainda não eficazes. Quanto à terceira categoria, vigora a regra da inimpugnabilidade consagrada no CPTA no artigo 53.º. Estes actos limitam-se a reconhecer algo já estabelecido em determinada questão, ou seja, não estariamos perante decisões, nem consequentemente perante actos administrativos nos termos do artigo 120.º do CPA. De notar é o facto de para além das situações previstas no artigo 53.º do CPA, a impugnação de actos meramente confirmativos é possível.    Por último, quanto aos actos de indeferimento expresso estes são entendidos enquanto verdadeiros actos administrativos, logo, susceptíveis de impugnação.
                Ponto assente, desde já,  é que para  que um acto jurídico concreto possa ser objecto de impugnação nos tribunais administrativos tem que ter um conteúdo decisório, isto é, não se pode  ficar por uma declaração de ciência ou um juízo de valor, tendo que revelar o sentido de condutas a adoptar. Neste sentido, Mário Aroso de Almeida entende que “ a eventual eficácia externa não é um requisito intrínseco de impugnabilidade dos actos administrativos, mas um requisito que esta associado ao estatuto de quem impugna (...)”.
                Ainda no contexto deste primeiro requisito há que abordar a temática  da definitividade hrizontal. Este requisito é contestado pelo professor Vasco Pereira da Silva, entre outros. Basicamente o que está em causa  é a possibilidade de os actos a impugnar não serem actos  que põem termo a procedimentos administrativos, mas qualquer acto administrativo com conteúdo decisório.

      2.       Requisito do contéudo positivo do acto
                O CPTA nem sempre adoptou a mesma solução relativamente ao conceito de acto administrativo impugnável, isto é, o regime anterior permitia a impugnação de actos administrativos de conteúdo negativo, ao passo que à luz do novo regime só os actos de conteúdo positivo podem ser objecto de um processo de impugnação. Perante um acto de conteúdo negativo o tribunal deve convidar a autor a substituir o pedido de anulação por um pedido de condenação de acordo com o artigo 51.º, nº4 do CPTA. No entanto, é permitido ao autor  a admissibilidade do pedido de anulação sempre que este demonstre um interesse autónomo  na anulação  demonstrando  que a anulação do acto é suficiente para dar resposta à sua situação de tutela judicial e, por outro lado,  demonstrando que a utilidade retirada da impugnação do acto administrativo não é proporcionada  pela condenação à prática do acto administrativo em causa – Mário Aroso de Almeida.
                Numa situação diversa encontramos os actos administrativos de conteúdo ambivalente. Estes actos caracterizam-se por definerem pela positiva e pela negativa, na medida em que, por um lado,  definem pela positiva a situação dos beneficiários  e, por outro lado, definem pela negativa a situação dos outros sujeitos. Neste sentido, quem visa recorrer à via contenciosa pretende, desde logo,  a remoção do acto praticado.  O interessado pode optar somente por impugnar o acto sem ter de pedir também a condenação à prática do acto devido.

           3.    Requisito da eficácia do acto (interesse contratual)
                Como já foi referido, regra geral, um acto administrativo só pode ser impugnado quando se encontrem reunidas as condições de que depende a sua capacidade para produzir efeitos. Por exemplo, nos casos em que a produção de efeitos do acto esteja dependente do preenchimento de condições o acto não pode ser impugnado enquanto não estiverem preenchidas as mesmas. Como refere o professor Mário Aroso de Almeida não existe interesse em impugnar actos administrativos que ainda não estejam em condições de lesar ninguém.

4.     Requisito eventual da prévia utilização de impugnação administrativa necessária
Mesmo antes da reforma do contencioso administrativo o professor Vasco Pereira da Silva defendia a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário. Todavia, tal posição não era defendida pela jurisprudência nem pela doutrina dominante. Ainda assim, o professor manteve a sua posição até aos dias de hoje adaptando os seus argumentos à nova realidade. O actual regime previsto no CPTA não exige, regra geral, que os actos administrativos sejam objecto de prévia impugnação administrativa para que posteriormente possam ser objecto de impugnação contenciosa. Ora, na falta de determinação legal expressa os actos administrativos podem ser imediatamente impugnados perante os tribunais administrativos. O professor Mário Aroso de Almeida defende a autonomização deste requisito entendendo que é no plano da existência de interesse processual que se coloca a questão de saber se o autor procedeu ou não à prévia impugnação administrativa. Resta acrescentar que quando  a lei expressamente exiga a prévia utilização de impugnação administrativa e o interessado não tenha feito prévio uso desta,  a sua pretensão deve ser rejeitada, na medida em que a lei não lhe reconhece o interesse processual. Aroso de Almeida tende a fazer uma interpretação restritiva deste regime jurídico, no sentido em que estariamos apenas perante uma revogação da regra geral  da existência de recurso hierárquico necessário, mas que tal não implicaria a revogação de eventuais regras especiais. Diferente entendimento acolhe o professor Vasco Pereira da Silva que não acompanha esta interpretação restritiva, na medida em que contraria as disposições constitucionais e o próprio regime do CPA.

 Em suma,  a impugnação de um acto administrativo não provoca de imediato a suspensão automática da eficácia do acto, ou seja, se este não for nulo, continuará a produzir os seus efeitos e a obrigar os respectivos destinatários. A situação inversa só se verifica em casos excepcionais previstos na lei e, em regra, nos termos do artigo 50.º nº2 do CPTA. No que respeita à legitimidade, de acordo com o artigo 55.º do CPTA tem legitimidade para impugnar um acto administrativo os sujeitos privados, os sujeitos públicos, o actor popular e o Ministério Público. Referente à legitimidade passiva temos o artigo 57.º do CPTA. Uma pequena nota relativamente à tempestividade  da impugnação referindo que os prazos encontram-se previstos nos artigos 58.º  e ss. do CPTA.

Graça Ribeiro, 20744

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