domingo, 2 de novembro de 2014

A Aceitação do Ato Administrativo



Cumpre, num momento inicial, delimitar o objecto da nossa reflexão. Iremos analisar a aceitação do ato administrativo, estruturando o nosso texto em duas partes fundamentais: uma primeira, dedicada ao estudo da figura em termos históricos e à descrição do seu regime; e uma segunda, destinada a acolher os pontos problemáticos que a sua compreensão mais aturada encerra.
Quanto ao seu regime, a aceitação do ato administrativo está prevista no artigo 56º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), referindo no seu nº1: a impossibilidade de impugnação de um ato por quem o tenha aceitado, quer expressa, quer tacitamente, depois de o praticar. No seu nº2, o presente artigo indica que: “ A aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar”. A aceitação como um instituto próprio de Direito Administrativo ocorreu com o Código Administrativo de 1940. Posteriormente, com o Regulamento do Supremo Tribunal de Justiça de 1957, onde nos artigos 827.º e 47.º se previa que não podia recorrer quem tivesse aceitado, expressa ou tacitamente a decisão ou deliberação de ato administrativo proferida ou praticado. Estas disposições deram origem ao art.56º CPTA.
Não menos importante, será analisar a aceitação tácita do Ato Administrativo, contudo parece-nos relevante observar e estudar no seu todo o artigo 56º do CPTA e todos os seus efeitos no âmbito do Contencioso Administrativo. Procuremos analisar não só as várias posições doutrinárias, mas também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. De facto, expor diversas opiniões sobre o artigo supra citado é conveniente para melhor se poder compreender a matéria em questão. 
A impugnação do ato administrativo por quem o tenha aceite determina a ilegitimidade passiva e conduz à absolvição da instância. Nesse sentido, esta ilegitimidade aparece confundida e equiparada com a renúncia ao Direito de impugnar, com a queda do prazo de impugnação, com uma forma de reconhecimento da legalidade do Ato ou dos seus efeitos ou mesmo um mecanismo de reforço da eficácia do ato de autoridade. Relativamente ao mero decurso do prazo de impugnação (art. 58.º, n.º2, al. b) CPTA), este não apresenta qualquer manifestação de vontade, podendo resultar do mero desleixo do particular, não traduzindo, portanto, uma conformação com o conteúdo do ato, levando a uma renúncia de posição substantiva.

Em todo o caso, a aceitação do ato administrativo traduz-se numa manifestação da vontade positiva, expressa ou tácita ( art. 56.º, n.º 2 CPTA e art. 217.º, n.º 1 CC), de concordância com o conteúdo de um ato administrativo anulável, tende como efeitos a preclusão de impugnação contenciosa do mesmo (art 53º, nº4 CPA e 56º CPTA). Este fator de preclusão aliado aos efeitos de estabilização do ato administrativo são, naturalmente, restritos à pessoa do aceitante, ou seja, só a ele a instauração de ação pode corresponder a um comportamento contraditório.
A aceitação do ato só funciona bem em face de atos anuláveis, quando estejam em causa atos nulos, a sua inoponibilidade parece, sobrepor-se à existência de um comportamento incompatível com a vontade de impugnar.
 Jamais se poderá dizer que a aceitação envolve um consentimento do particular para que a Administração pratique atos desconformes com a lei. A Administração Pública pauta-se pelo estrito respeito pela legalidade, não servindo como causa de justificação uma atuação desconforme com o padrão normativo do mesmo. Atuação administrativa deve, em todos os casos, estar vinculada à normatividade sendo, por isso, irrelevante contenciosamente a aceitação anterior à prática do ato. Olhando para a jurisprudência, esta, exige que só o ato praticado posteriormente leva à perda de legitimidade para impugnar. A interpretação do art.56º, nº1 do CPTA parece clara, na medida em que a prática do ato é um pressuposto essencial para a não impugnação do ato.
Vamos, então, passar ao tratamento dos problemas específicos a que nos propusemos refletir acima, e, como manda a boa metodologia, a qualificação da natureza jurídica, estará no cerne da questão.
Quanto à natureza jurídica da aceitação do ato administrativo, nas palavras de Paulo Otero parece claro que estamos perante uma causa legal de perda do direito à impugnação contenciosa por efeito de um juízo de concordância ou consentimento com esse ato. Este juízo resulta de uma presunção iuris et iure, prevendo que o comportamento do particular é interpretado no ambiente de uma vontade de não impugnar. Paulo Otero fala numa presunção legal absoluta onde a aceitação exclui o direito à impugnação contenciosa. Parece unânime, a prevalência de valores constitucionais como a segurança e a confiança sobre a impugnação de atos anuláveis. Pelo contrário a aceitação do ato impossibilita o recurso contencioso, violando uma atuação de venire contra factum proprium, ofendendo, consequentemente, o princípio da boa-fé. 
Vieira de Andrade tende a concordar, acrescentando que a natureza jurídica da aceitação não exprime a aceitação da legitimidade substancial do ato, nem a sua convalidação, não valendo como declaração pelo lesado de não danosidade.
Para Rui Machete o legislador reconhece, ainda que implicitamente, que a aceitação foi proferida numa situação desfavorável para quem a declara. Seguindo a doutrina italiana, este autor, distingue a aceitação do ato ou da pretensão da renúncia ao direito de impugnar. A primeira tem antes de mais, um carácter e efeitos substantivos, significando a extinção do interesse legalmente protegido, como consequência processual, a preclusão do direito de impugnação judicial. Rui Machete defende assim, que a aceitação do ato constitui um negócio jurídico unilateral de direito substantivo.
Vieira de Andrade contrapõe referindo que a renúncia ao direito de impugnação, não significa uma renúncia à posição jurídica substantiva, tratando-se de um mero ato jurídico. O autor entende que a aceitação do ato é um pressuposto autónomo, distinto da ilegitimidade e da falta de interesse em agir. De facto, o juiz vai averiguar se o comportamento é adequado por parte de quem queria impugnar o ato e não se o comportamento comprova que o particular, subjetivamente, quis não impugnar. A legitimidade é um pressuposto que tem de se manter em todo o processo, ou seja, a ilegitimidade superveniente concluiriam na superficialidade dos preceitos.
Para Vasco Pereira da Silva a aceitação do ato e neste o direito ao ato favorável, não fazem qualquer tipo de sentido, visto que este se extingui na esfera do particular. Sendo assim, o mesmo autor admite a revogação da aceitação do ato administrativo, não existindo nada a salvaguardar através da anulação do ato aceite.
A jurisprudência, não tem aceite a mera possibilidade formal de conhecimento do conteúdo final do ato administrativo, exigindo cumulativamente a verificação de três requisitos para a aceitação do ato administrativo: conhecimento do ato; da sua eventual ilegalidade e aceitação posterior ao ato, consagrada no art.º 56 n 1 in fine do CPTA. Neste sentido, a aceitação do ato depende do esclarecimento do particular, no quanto relativo ao conteúdo integral do ato.
Em jeito de conclusão e concordando com Paulo Otero, a aceitação não é mais que um instrumento de reforço da permanência de atos anuláveis na ordem jurídica. A sua invalidade consolida-se e, portanto, os atos ficam sujeitos aos efeitos dos atos válidos. A aceitação expressa ou tácita de um Ato Administrativo, determina a impossibilidade de impugnação contenciosa considerada, assim, pela lei como requisito negativo da legitimidade processual.


 Duarte Alves, nº21019



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