Cumpre,
num momento inicial, delimitar o objecto da nossa reflexão. Iremos analisar a
aceitação do ato administrativo, estruturando o nosso texto em duas partes
fundamentais: uma primeira, dedicada ao estudo da figura em termos históricos e
à descrição do seu regime; e uma segunda, destinada a acolher os pontos
problemáticos que a sua compreensão mais aturada encerra.
Quanto ao seu
regime, a aceitação do ato administrativo está prevista no artigo 56º do Código
de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), referindo no seu
nº1: a impossibilidade de impugnação de um ato por quem o tenha aceitado, quer
expressa, quer tacitamente, depois de o praticar. No seu nº2, o presente artigo
indica que: “ A aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva,
de facto incompatível com a vontade de impugnar”. A aceitação como um instituto próprio de Direito Administrativo ocorreu com o Código
Administrativo de 1940. Posteriormente, com o Regulamento do Supremo Tribunal
de Justiça de 1957, onde nos artigos 827.º e 47.º se previa que não podia recorrer
quem tivesse aceitado, expressa ou tacitamente a decisão ou deliberação de ato
administrativo proferida ou praticado. Estas disposições deram origem ao art.56º CPTA.
Não menos
importante, será analisar a aceitação tácita do Ato Administrativo, contudo
parece-nos relevante observar e estudar no seu todo o artigo 56º do CPTA e
todos os seus efeitos no âmbito do Contencioso Administrativo. Procuremos
analisar não só as várias posições doutrinárias, mas também a jurisprudência do
Supremo Tribunal Administrativo. De facto, expor diversas opiniões sobre o
artigo supra citado é conveniente
para melhor se poder compreender a matéria em questão.
A impugnação do
ato administrativo por quem o tenha aceite determina a ilegitimidade passiva e
conduz à absolvição da instância. Nesse sentido, esta ilegitimidade aparece
confundida e equiparada com a renúncia ao Direito de impugnar, com a queda do
prazo de impugnação, com uma forma de reconhecimento da legalidade do Ato ou
dos seus efeitos ou mesmo um mecanismo de reforço da eficácia do ato de
autoridade. Relativamente ao mero decurso do prazo de
impugnação (art. 58.º, n.º2, al. b) CPTA), este não apresenta qualquer
manifestação de vontade, podendo resultar do mero desleixo do particular, não
traduzindo, portanto, uma conformação com o conteúdo do ato, levando a uma
renúncia de posição substantiva.
Em todo o caso,
a aceitação do ato administrativo traduz-se numa manifestação da vontade
positiva, expressa ou tácita ( art. 56.º, n.º 2 CPTA e art. 217.º, n.º 1 CC), de concordância com o
conteúdo de um ato administrativo anulável, tende como efeitos a preclusão de
impugnação contenciosa do mesmo (art 53º, nº4 CPA e 56º CPTA). Este fator de
preclusão aliado aos efeitos de estabilização do ato administrativo são,
naturalmente, restritos à pessoa do aceitante, ou seja, só a ele a instauração
de ação pode corresponder a um comportamento contraditório.
A aceitação do ato só funciona bem em face de atos
anuláveis, quando estejam em causa atos nulos, a sua inoponibilidade parece,
sobrepor-se à existência de um comportamento incompatível com a vontade de
impugnar.
Jamais se
poderá dizer que a aceitação envolve um consentimento do particular para que a
Administração pratique atos desconformes com a lei. A Administração Pública
pauta-se pelo estrito respeito pela legalidade, não servindo como causa de
justificação uma atuação desconforme com o padrão normativo do mesmo. Atuação
administrativa deve, em todos os casos, estar vinculada à normatividade sendo,
por isso, irrelevante contenciosamente a aceitação anterior à prática do ato.
Olhando para a jurisprudência, esta, exige que só o ato praticado
posteriormente leva à perda de legitimidade para impugnar. A interpretação do
art.56º, nº1 do CPTA parece clara, na medida em que a prática do ato é um
pressuposto essencial para a não impugnação do ato.
Vamos, então, passar ao tratamento dos problemas
específicos a que nos propusemos refletir acima, e, como manda a boa
metodologia, a qualificação da natureza jurídica, estará no cerne da questão.
Quanto à natureza
jurídica da aceitação do ato administrativo, nas palavras de Paulo Otero parece
claro que estamos perante uma causa legal de perda do direito à impugnação
contenciosa por efeito de um juízo de concordância ou consentimento com esse ato.
Este juízo resulta de uma presunção iuris
et iure, prevendo que o comportamento do particular é interpretado no
ambiente de uma vontade de não impugnar. Paulo Otero fala numa presunção legal
absoluta onde a aceitação exclui o direito à impugnação contenciosa. Parece
unânime, a prevalência de valores constitucionais como a segurança e a
confiança sobre a impugnação de atos anuláveis. Pelo contrário a aceitação do
ato impossibilita o recurso contencioso, violando uma atuação de venire contra factum proprium,
ofendendo, consequentemente, o princípio da boa-fé.
Vieira de
Andrade tende a concordar, acrescentando que a natureza jurídica da aceitação
não exprime a aceitação da legitimidade substancial do ato, nem a sua
convalidação, não valendo como declaração pelo lesado de não danosidade.
Para Rui Machete
o legislador reconhece, ainda que implicitamente, que a aceitação foi proferida
numa situação desfavorável para quem a declara. Seguindo a doutrina italiana,
este autor, distingue a aceitação do ato ou da pretensão da renúncia ao direito
de impugnar. A primeira tem antes de mais, um carácter e efeitos substantivos,
significando a extinção do interesse legalmente protegido, como consequência
processual, a preclusão do direito de impugnação judicial. Rui Machete defende
assim, que a aceitação do ato constitui um negócio jurídico unilateral de
direito substantivo.
Vieira de
Andrade contrapõe referindo que a renúncia ao direito de impugnação, não
significa uma renúncia à posição jurídica substantiva, tratando-se de um mero
ato jurídico. O autor entende que a aceitação do ato é um pressuposto autónomo,
distinto da ilegitimidade e da falta de interesse em agir. De facto, o juiz vai
averiguar se o comportamento é adequado por parte de quem queria impugnar o ato
e não se o comportamento comprova que o particular, subjetivamente, quis não
impugnar. A legitimidade é um pressuposto que tem de se manter em todo o
processo, ou seja, a ilegitimidade superveniente concluiriam na
superficialidade dos preceitos.
Para Vasco Pereira da Silva a aceitação do ato e neste o direito ao ato
favorável, não fazem qualquer tipo de sentido, visto que este se extingui na
esfera do particular. Sendo assim, o mesmo autor admite a revogação da
aceitação do ato administrativo, não existindo nada a salvaguardar através da
anulação do ato aceite.
A jurisprudência, não tem aceite a mera possibilidade formal de
conhecimento do conteúdo final do ato administrativo, exigindo cumulativamente a
verificação de três requisitos para a aceitação do ato administrativo:
conhecimento do ato; da sua eventual ilegalidade e aceitação posterior ao ato,
consagrada no art.º 56 n 1 in fine do CPTA. Neste sentido, a aceitação do ato
depende do esclarecimento do particular, no quanto relativo ao conteúdo
integral do ato.
Em jeito de conclusão
e concordando com Paulo Otero, a aceitação não é mais que um instrumento de
reforço da permanência de atos anuláveis na ordem jurídica. A sua invalidade
consolida-se e, portanto, os atos ficam sujeitos aos efeitos dos atos válidos. A
aceitação expressa ou tácita de um Ato Administrativo, determina a
impossibilidade de impugnação contenciosa considerada, assim, pela lei como
requisito negativo da legitimidade processual.
Duarte Alves, nº21019
Visto.
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