Os cidadãos
portugueses no gozo dos seus direitos civis e políticos podem usar a figura da
acção popular (artigo 2.º/1 da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto)
Ao abrigo do artigo
9.º/2 do CPTA os cidadãos podem intentar acções em defesa de valores e bens
constitucionalmente protegidos (esta solução resulta necessariamente do direito
fundamental consagrado pela nossa Constituição de participação política,
veja-se para tal o artigo 52.º/3 da Constituição da República Portuguesa). Após
uma primeira análise do artigo 9.º/2 CPTA constata-se que não estamos perante
um meio processual mas antes uma extensão da legitimidade activa aos cidadãos:
"independentemente de ter interesse pessoal na demanda”.
Em conjugação com
o citado artigo 52.º/3 da Constituição, essa extensão da legitimidade activa
aos cidadãos da acção popular traduz-se numa grande conquista processual no que
se refere à defesa dos direitos e interesses fundamentais presentes na CRP.
É com base nestas
normas e na Lei nº83/95 de 31 de Agosto, que qualquer cidadão enquanto pessoa
singular e membro de uma comunidade obtêm através dos meios disponibilizados
pelo contencioso a possibilidade de tutelar os valores enunciados nos
dispositivos.
Neste sentido, o elenco de valores que encontramos no artigo
9.º/2 CPTA, no artigo 52.º/3 CRP e na Lei 83/95 são no fundo o objecto da acção
popular. A acção popular pela sua natureza incide sobre interesses difusos. É
necessário, para que haja uma melhor compressão do que são os interesses
difusos, tentar comparar os mesmos com outros tipos de interesses existentes:
O interesse individual
ou interesse específico de cada individuo; o interesse público ou interesse
geral que é subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais,
regionais e locais; e por fim surge a noção de interesse difuso, que esclarece
que são difusos aqueles interesses que vêm satisfazer uma necessidade do todo e
ao mesmo tempo de cada membro de uma comunidade. São no fundo os interesses que "são de todos mas ao mesmo tempo não pertencem a ninguém".
Esta noção não tem uma
importância simplesmente teórica, na prática traduz-se a noção de interesse
difuso como o interesse sem um titular determinável ou como um interesse adstrito
a um conjunto de pessoas indivisível e indeterminável. Não podendo uma pessoa
só invocar interesse pessoal e directo na “prevenção, cessação ou perseguição
judicial das infracções” contra os valores defendidos.
Para melhor interpretação
do que é o interesse difuso fiz uma breve análise do Acordão 10452/13 do
Tribunal Central Administrativo Sul datado de 23 de Janeiro do presente ano.
Neste Acordão, tendo
como base a defesa do valor do urbanismo que foi usado pelos recorrentes como
fundamento para intentar acção popular, verifiquei que não basta a simples
invocação da defesa de um determinado valor presente tanto no 9.º/2 do CPTA,
52.º/3 da CRP ou na Lei 83/95 para que se possam encontrar preenchidos os
requisitos legais de exercício do direito de acção popular.
Alegar um interesse difuso passa pela
comprovação de que esse interesse está a ser prejudicado e afectará toda a
comunidade. A actuação do autor popular tem de ser uti cives e não uti singuli.
Havendo um interesse
pessoal do autor popular, mesmo que sustentado pelo fundamento da existência de
um direito difuso, afasta por si a acção popular. Têm de haver uma afetação à comunidade.
Deve-se ter em
consideração finalmente, que o elenco de valores do 9.º/2 CPTA não deve ser
tomado como taxativo e sim como exemplificativo. Para que se possa falar de uma
tutela de outros valores, que não esses enunciados no artigo 9.º/2, é
necessário que esses “novos” valores tenham como os elencados nos diplomas
legais um valor equiparado. Ou seja, pelo menos serem objecto
de tutela constitucional e nomeadamente de aferir de dignidade constitucional,
como é o caso dos valores protegidos no artigo 65.º/4 da CRP.
É assim de constatar
uma vez mais que, havendo interesse próprio/pessoal de uma pessoa singular, a
acção não poderá ser popular. O interesse da colectividade, pelo facto de ser
supra-individual, prevalecerá aqui perante qualquer interesse pessoal do autor
popular.
Na presença de um eventual interesse pessoal, as partes são legitímas só
por si, não havendo necessidade de recorrer à acção popular.
Não havendo na
petição inicial a comprovada alegação de que o autor popular pretende a tutela de
interesses difusos (enquanto interesses concretos), poderá ser fundamento suficiente
para a aplicação do artigo 13.º/2 da Lei 83/95, resultando assim num
indeferimento da petição inicial em causa.
Por fim, a extensão da legitimidade popular
aos cidadãos implica sem dúvida um reforço do papel dos tribunais relativamente
a tutela de interesses difusos, havendo desta forma uma garantia de acção
popular perante qualquer tribunal vide
artigo. 4.º/1 ETAF.
Andreia Viegas
Aluna nº 21701
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