sábado, 1 de novembro de 2014

A extensão da legitimidade activa dos cidadãos

Os cidadãos portugueses no gozo dos seus direitos civis e políticos podem usar a figura da acção popular (artigo 2.º/1 da Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto)
Ao abrigo do artigo 9.º/2 do CPTA os cidadãos podem intentar acções em defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos (esta solução resulta necessariamente do direito fundamental consagrado pela nossa Constituição de participação política, veja-se para tal o artigo 52.º/3 da Constituição da República Portuguesa). Após uma primeira análise do artigo 9.º/2 CPTA constata-se que não estamos perante um meio processual mas antes uma extensão da legitimidade activa aos cidadãos: "independentemente de ter interesse pessoal na demanda”. 
Em conjugação com o citado artigo 52.º/3 da Constituição, essa extensão da legitimidade activa aos cidadãos da acção popular traduz-se numa grande conquista processual no que se refere à defesa dos direitos e interesses fundamentais presentes na CRP.
É com base nestas normas e na Lei nº83/95 de 31 de Agosto, que qualquer cidadão enquanto pessoa singular e membro de uma comunidade obtêm através dos meios disponibilizados pelo contencioso a possibilidade de tutelar os valores enunciados nos dispositivos. 

Neste sentido, o elenco de valores que encontramos no artigo 9.º/2 CPTA, no artigo 52.º/3 CRP e na Lei 83/95 são no fundo o objecto da acção popular. A acção popular pela sua natureza incide sobre interesses difusos. É necessário, para que haja uma melhor compressão do que são os interesses difusos, tentar comparar os mesmos com outros tipos de interesses existentes:
O interesse individual ou interesse específico de cada individuo; o interesse público ou interesse geral que é subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais; e por fim surge a noção de interesse difuso, que esclarece que são difusos aqueles interesses que vêm satisfazer uma necessidade do todo e ao mesmo tempo de cada membro de uma comunidade. São no fundo os interesses que "são de todos mas ao mesmo tempo não pertencem a ninguém".

Esta noção não tem uma importância simplesmente teórica, na prática traduz-se a noção de interesse difuso como o interesse sem um titular determinável ou como um interesse adstrito a um conjunto de pessoas indivisível e indeterminável. Não podendo uma pessoa só invocar interesse pessoal e directo na “prevenção, cessação ou perseguição judicial das infracções” contra os valores defendidos.
Para melhor interpretação do que é o interesse difuso fiz uma breve análise do Acordão 10452/13 do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 23 de Janeiro do presente ano.
Neste Acordão, tendo como base a defesa do valor do urbanismo que foi usado pelos recorrentes como fundamento para intentar acção popular, verifiquei que não basta a simples invocação da defesa de um determinado valor presente tanto no 9.º/2 do CPTA, 52.º/3 da CRP ou na Lei 83/95 para que se possam encontrar preenchidos os requisitos legais de exercício do direito de acção popular.
 Alegar um interesse difuso passa pela comprovação de que esse interesse está a ser prejudicado e afectará toda a comunidade. A actuação do autor popular tem de ser uti cives e não uti singuli
Havendo um interesse pessoal do autor popular, mesmo que sustentado pelo fundamento da existência de um direito difuso, afasta por si a acção popular. Têm de haver uma afetação à comunidade.

Deve-se ter em consideração finalmente, que o elenco de valores do 9.º/2 CPTA não deve ser tomado como taxativo e sim como exemplificativo. Para que se possa falar de uma tutela de outros valores, que não esses enunciados no artigo 9.º/2, é necessário que esses “novos” valores tenham como os elencados nos diplomas legais um valor equiparado. Ou seja, pelo menos serem objecto de tutela constitucional e nomeadamente de aferir de dignidade constitucional, como é o caso dos valores protegidos no artigo 65.º/4 da CRP.
É assim de constatar uma vez mais que, havendo interesse próprio/pessoal de uma pessoa singular, a acção não poderá ser popular. O interesse da colectividade, pelo facto de ser supra-individual, prevalecerá aqui perante qualquer interesse pessoal do autor popular. 
Na presença de um eventual interesse pessoal, as partes são legitímas só por si, não havendo necessidade de recorrer à acção popular. 
Não havendo na petição inicial a comprovada alegação de que o autor popular pretende a tutela de interesses difusos (enquanto interesses concretos), poderá ser fundamento suficiente para a aplicação do artigo 13.º/2 da Lei 83/95, resultando assim num indeferimento da petição inicial em causa.

 Por fim, a extensão da legitimidade popular aos cidadãos implica sem dúvida um reforço do papel dos tribunais relativamente a tutela de interesses difusos, havendo desta forma uma garantia de acção popular perante qualquer tribunal vide artigo. 4.º/1 ETAF.



Andreia Viegas

Aluna nº 21701

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