domingo, 2 de novembro de 2014

A cumulação de pedidos na Justiça Administrativa


1.       Importância que trouxe a admissibilidade da cumulação para a Justiça Administrativa;
2.       Vantagens da cumulação;
3.       Requisitos da cumulação;
4.       Reflexos da cumulação no processo administrativo;
5.       Regime da cumulação: a articulação do art. 4.º com o 5.º


1. A cumulação de pedidos consiste na concentração, num só processo, de mais do que uma pretensão material, isto é, a existência de mais do que um pedido no mesmo processo, e vem consagrada, a título geral, no artigo 4.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e desenvolvida noutros preceitos do mesmo código, designadamente o art. 47.º, no âmbito da ação administrativa especial.
A escolha por este tema prende-se essencialmente com a importância que a cumulação de pedidos trouxe à justiça administrativa, tendo em conta que a sua inserção no contencioso administrativo exprimiu uma mudança de conceção da tramitação processual, aumentando em grande escala a sua flexibilidade e, consequentemente, a sua operabilidade. O facto de se ter abolido tantos entraves formais faz com que muitas vezes se designe o regime previsto no art. 4.º como um princípio, o princípio da livre cumulação de pedidos.

2. As vantagens de deixar na disponibilidade das partes a opção de concentrar num processo mais do que uma pretensão são da maior importância uma vez que, como já foi acima referido, veio tornar bastante mais operativa a jurisdição administrativa. E o grande beneficiário parece ser mesmo o próprio sujeito, consistindo a cumulação num instrumento ao serviço da tutela jurisdicional efetiva dos particulares, permitindo ao Autor discutir e resolver num só processo questões conexas, tornando assim muito mais rápido, eficaz e menos dispendioso para o particular ver todas as suas pretensões resolvidas.
É menos dispendioso desde já, porque evita a proposição de várias ações autónomas, o que equivale a uma diminuição das custas processuais (nomeadamente, perante um caso de cumulação aparente, quando os pedidos têm a mesma utilidade económica, o valor da causa, nos termos do art. 32.º nº7 do CPTA, é o valor dessa utilidade económica, globalmente considerada).
O facto de ser admissível a cumulação superveniente de vários pedidos, permite também que o objeto do processo consiga acompanhar a evolução da relação jurídica existente, garantindo a atendibilidade de circunstâncias supervenientes que podem ter influência na decisão final.
Para além dos benefícios atribuídos ao sujeito, a cumulação também traz benefícios de economia processual uma vez que, há uma clara diminuição de processos autónomos. Assim, num mesmo processo, pode-se obter sentenças de anulação de atos administrativos, de condenação da Administração à prática de atos, entre outros.
Por último, também se pode afirmar que a cumulação de pedidos permite uma redução de recursos jurisdicionais tendo em conta que, ao se proceder a uma avaliação conjunta de pedidos cumulados evita-se a emissão de sentenças contraditórias sobre questões conexas.

3. Previstos nas alíneas a) e b) do nº1 do art. 4.º (e, no âmbito de ação especial, os nºs 1, 2 e 4 do art. 47.º) os requisitos da cumulação consistem essencialmente na (i) mesma causa de pedir, (ii) numa relação de dependência ou de prejudicialidade (nomeadamente por se inserirem no âmbito da mesma relação jurídica material, como por exemplo, o pedido de impugnação de um ato administrativo com o pedido de indemnização por danos por ele causados- art. 4.º nº2 al. f); um exemplo de uma relação de dependência ocorre quando o primeiro ato fornece um requisito de validade ao segundo; um exemplo de uma relação de prejudicialidade ocorre quando o primeiro ato é condição sine qua non da existência do segundo ato) e, (iii) quando o julgamento dos pedidos cumulados dependa da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou das mesmas regras de direito. Estes requisitos consistem na exigência processual de conexão objetiva entre todos os pedidos cumulados e aplica-se a todos os tipos de cumulação. O nº2 do mesmo artigo vem fazer uma exemplificação dos requisitos do nº1.
Estes critérios de cumulação permitem tanto a cumulação simples (em que o Autor requer a procedência de todos os pedidos e a produção de todos os efeitos), como a cumulação alternativa (através da qual se requer a procedência de todos os pedidos mas a satisfação apenas de um) e como a cumulação subsidiária (em que se apresenta um pedido principal e um subsidiário, para o caso do principal não proceder).

4. Quais são então os reflexos, em termos de processo administrativo, da cumulação?
Desde logo, em sede de legitimidade ativa, o Autor há-de ter legitimidade ativa para todos os pedidos que formulou, mesmo que os fundamentos sejam, eventualmente distintos. No âmbito da legitimidade passiva, dispõe o art.10.º nº5 que devem ser demandados aqueles contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas.
No que diz respeito à competência do tribunal, há uma clara demonstração da preocupação do legislador em viabilizar de forma ampla a cumulação no regime do artigo 21.º do CPTA, que diz respeito à competência para a apreciação de pedidos que pertençam a tribunais diferentes.
O nº1 do artigo estabelece que, para a apreciação de pedidos que pertençam a tribunais de diferentes categorias, a competência pertence ao tribunal superior. Já o nº2 estabelece que, perante pedidos a que correspondam, a nível territorial, diversos tribunais, cabe ao Autor a escolha de um deles, fazendo na sua parte final a ressalva de que, se estivermos perante pedidos em relação de dependência ou subsidiariedade, o tribunal competente para conhecer de todos os pedidos será o tribunal competente para apreciar o pedido principal.
Ora, o regime previsto no art. 21.º é da maior importância para a efectivização da cumulação na medida em que, com esta concentração das causas permitiu-se eliminar situações em que, pelo facto de os diversos pedidos conexos pertencerem a tribunais de categorias diferentes não fosse possível a cumulação (por exemplo, quando a competência para conhecer de um certo ato administrativo se encontrava na competência de um tribunal superior e o pedido de indemnização desse mesmo ato fosse da competência de um tribunal de 1ª instância, o sujeito seria obrigado a propor ações autónomas).
Por último, em sede de forma de processo, determina o art. 5.º nº1 que, perante pedidos a que correspondam diferentes formas de processo, adota-se a forma especial.

5.O art. 5.º dispõe que não obsta à cumulação de pedidos o fato de, aos vários pedidos corresponderem formas de processo diferentes e que a solução passa pela adoção da forma administrativa especial. Parece que este artigo dispõe unicamente para os casos em que estão em causa formas de processo comum e especiais.
 Então e se estivermos perante pedidos a que correspondam outras formas de processo?
De acordo com o entendimento do professor Mário Esteves de Oliveira, dois pedidos que tenham carácter urgente e aos quais correspondam a mesma forma de processo, podem ser livremente cumulados, mas já não se os pedidos forem principais e urgentes mas com formas de processo diferentes, a cumulação nestes casos só será permitida por lei expressa. No caso de estarmos perante processos urgentes e não urgentes, também só perante lei expressa a autorizar é que pode ocorrer a cumulação.

O art. 5.º nº2 dispõe como obstáculo à cumulação a ofensa das regras de delimitação da jurisdição administrativa, pelo que se pode inferir que a ofensa de regras de competência em razão da hierarquia (tal como dispõe o art. 21.º nº1 do CPTA) ou da matéria não obstam à cumulação e como tal, apenas a falta de jurisdição administrativa leva à absolvição da instância.

Sofia Paixão,
Nº 20683

Bibliografia:
OLIVEIRA, Mário Esteves de, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina 2006;
ANDRADE, José Carlos Vieira de, “Justiça Administrativa”, Almedina, 2011;
CORREIA, Cécília Anacoreta, “O Princípio da cumulação de pedidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em especial em sede executiva”;
ALMEIDA, Mário Aroso de, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos” Coimbra, 2005.



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