sábado, 1 de novembro de 2014

PRINCIPIO PRO ACTIONE COMO COROLÁRIO DO PRINCIPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA

Tal como nos demais ramos de Direito Processual, estão subjacentes às normas que regulam o Contencioso Administrativos, princípios. Como refere OLIVEIRA ASCENSÃO os princípios gerais do direito são grandes orientações formais subjacentes na ordem jurídica, que fundam e unificam normas em soluções singulares. (Ascensão, 2005, pp. 460)
Há depois que destrinçar ainda princípios processuais, nomeadamente em sede de processo administrativo, que tornam possível clarificar-se a forma como se “compatibiliza as finalidades da fiscalização da legalidade e da defesa do interesse público com as da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, prosseguindo-se deste modo aquilo que se pretende com o Direito Processual Amdinsitrativo. (Andrade, 2013, pp. 420)
São estes princípios que permitem ao intérprete da lei, entender o fundamento da mesma, bem como a sua razão de ser, possibilitando a integração de lacunas e uma melhor prossecução dos objectivos da norma.
VIEIRA DE ANDRADE, indica-nos duas ideias estruturantes dos processos:
- o processo prossegue os interesses das partes nele intervenientes, assegurando um processo justo e equitativo na medida do possível, atribuindo ao juíz uma “função de árbitro”, cabendo-lhe aferir o cumprimento das normas processuais;
- o processo tem ainda como objectivo a prossecução de interesses públicos, externos aos intervenientes no mesmo, impondo uma intervenção autónoma das “autoridades judiciárias”. (Andrade, 2013, pp. 420)
Importante é não esquecer, que não deixa o procedimento administrativo de estar sujeito aos princípios presentes na Constituição e transversais a todo o Direito e não somente específicos do processo, que constituem padrões de conduta e valoração, como sendo os princípios da igualdade, da boa-fé, da protecção da confiança, entre outros.
São decerto variadíssimas as possibilidades de agrupamento dos princípios, bem como os próprios princípios indicados pela doutrina, seguindo-se no entanto, para efeitos da presente análise, a ideia proposta feita pelo professor VIEIRA DE ANDRADE, que os divide em 2 grupos: princípios relativos à promoção ou iniciativa processual e princípios relativos à prossecução processual, englobando este último as fases do decurso, condução e extinção do processo.
No primeiro grupo, apresenta-nos 3 princípios: o da necessidade do pedido, o da vinculação do juíz ao mesmo e o da limitação o juíz pela causa de pedir, equivalente ao princípio da substanciação em processo civil. Estão portanto, inseridos nesta categoria, todos os princípios relacionados com o impulso processual e acção do juíz em conformidade com o que é pretendido pelo/s Autor/es.
Já no segundo conjunto, encontram-se princípios como o da tipicidade, compatibilidade processual e adequação formal da tramitação, princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, princípio do contraditório, princípio da devolução facultativa ou da suficiência discricionária e, finalmente, o princípio que estará no centro da presente análise: do favorecimento do processo ou pro actione.
Estão assim presentes na segunda categoria aqueles que contribuem para um processo célere e justo, indispensáveis para que seja dado cumprimento ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, expresso no art. 2º do CPTA que refere numa enumeração exaustiva aquilo que se pretende com o processo administrativo que nomeadamente “compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.” Ora, este normativo nada mais é do que uma concretização do art. 268º/4 da CRP que sob a epígrafe “direitos e garantias dos administrados” lhes oferece o direito ao procedimento administrativo para impugnação de actos e reconhecimento de direitos que tenham sido preteridos.
Referem-nos os professores DIOGO FREITAS DO AMARAL e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a propósito das «Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo” e mais concretamente deste princípio que “a cada direito corresponde uma acção e  esse deverá ter uma tutela adequada por parte da jurisdição efectiva”. (Amaral e Almeida, 2004, pp. 53)
Esta tutela jurisdicional efectiva é conseguida através de uma intervenção judicial direcionada e adequada à pretensão em juízo, efectiva e tão rápida quanto possível, flexível de modo a evitar alongamentos excessivos da instância, permitindo que o processo se adapte a determinadas vicissitudes e ainda, estável, através de decisões definitivas que adquirem força de caso julgado. (Caupers, 2010, pp. 427)
FREITAS DO AMARAL e AROSO DE ALMEIDA vão mais longe, e dividem em 3 vertentes, apresentando-nos o plano da tutela declarativa que prossegue precisamente a obtenção em prazo razoável da decisão com força de caso julgado, o plano da tutela cautelar, que permite a adopção de determinadas providências de modo a evitar a perda irremediável de determinados direitos e, o plano da tutela executiva que materializa no campo factual a decisão com força de caso julgado (Amaral e Almeida, 2004, pp. 53 a 55)
Como concretização deste princípio e, portanto corolário normativo, surge o princípio da favorecimento do processo, comummente referido na jurisprudência como princípio pro actione. VIEIRA DE ANDRADE entende que este é prosseguido através de uma “interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo”. (Andrade, 2013, pp. 439)
É certo que uma das principais queixas apresentadas contra a justiça actual, seja ela administrativa ou cível, prende-se com a demora dos processos nos Tribunais, com o excesso de burocracia e com os elevados custos. O princípio em análise, tenta a meu ver, precisamente fornecer ao juíz instrumentos que tornem a defesa dos direitos dos particulares mais eficaz, prosseguindo a sua protecção de direitos e mais eficiente, isto é, de forma adequada e sem custos desproporcionais. (Andrade, 2013, pp. 439)
Esta ideia foi aperfeiçoada com a reforma Administrativa de 2004, com o objectivo de suprir as deficiências normativas anteriormente existentes e fornecer a melhor resposta possível às mesmas. Um dos principais objectivos apontados pela doutrina foi o de assegurar uma decisão de mérito, evitando dentro da medida do possível, decisões formais injustificadas, designadamente nos casos semelhantes a outros revelados anteriormente. (Andrade, 2013, pp. 440)
Neste sentido, surge o art. 7º que estatui que “as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
No fundo, o que se pretende com este princípio é evitar delongas processuais que poderão ser supridas através de uma actuação diligente e cuidada do juíz, com a adaptação do processo a novas circunstâncias, em determinados casos, como p.e. na cumulação de pedidos em processos urgentes (Andrade, 2013, pp. 441), ou na emissão de uma decisão de mérito sempre que esta seja possível e justa. Prossegue assim uma eliminação de “obstáculos infundados e desproporcionados” que levam recorrentemente às incontáveis decisões de forma. (Amaral, Almeida, 2004, pp. 81).
É minha opinião que não deixa de ser possível e interessante estabelecer neste ponto um paralelismo com o art. 278º/3 do actual CPC que, com o mesmo objectivo, permite ao juíz que - ainda que na presença de excepções dilatórias, que normalmente determinariam a absolvição do Réu da Instância, impondo ao Autor que interponha nova acção caso pretenda a prossecução do seu direito, eliminando ou corrigindo o que está por base da excepção - possa “ainda que subsistam (as excepções dilatórias), não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”. Deste modo, obter-se-á assim uma decisão de mérito, evitando-se uma decisão meramente formal. O processo ficará deste modo concluído, não sendo possível outro com o mesmo pedido e causa de pedir – absolve-se o Réu do pedido e não somente da instância.
Outro exemplo deste favorecimento e promoção do processo reflecte-se, tal como sucede no processo civil, que sofreu recentemente também uma profunda reforma, no facto de o CPTA permitir a substituição da Petição Inicial, determinando apenas que se considere como recepcionada na data do primeiro registo, de modo a não comprometer a sua tempestividade. (Amaral, Almeida, 2004, pp. 81)
Não é ao acaso que variada doutrina denomina este princípio de anti-formalista e a própria jurisprudência recorrentemente se socorre do mesmo, indicando a título de exemplo o Ac. 0850/07 do Supremo Tribunal Administrativo que refere a propósito de um caso que implica a aplicação da lei no tempo do próprio CPTA relacionado com “o prazo de um recurso contencioso de anulação (hoje acção administrativa especial)” que o princípio pro actione deverá ser tido em conta “de forma a impedir que a rígida aplicação das regras processuais possam por em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito e, em consequência” admite o recurso.
É deste modo possível concluir que, há no Direito Processual Administrativo além de uma cada vez mais acentuada proximidade ao Direito Processual Civil, uma crescente preocupação com a tutela dos direitos do particular, como não poderia deixar de ser. Como? Através da prossecução de uma justiça mais rápida e eficaz, com a eliminação de fases ou procedimentos meramente dilatórias que possam prejudicar as partes e colocar em causa as suas legítimas expectativas.

Bibliografia:
1 – Amaral, Diogo Freitas e Almeida, Mário Aroso de - “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª edição, Almedina, 2004
2 –  Andrade, José Vieira de - “A Justiça Administrativa – Lições”, 13ª Edição, Almedina, 2014
3 – Ascensão, José de Oliveira - “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, 13ª edição refundida, Almedina, 2005
4 – Caupers, João - “Introdução ao Direito Administrativo”, 10ª edição refundida, Almedina, 2010




Ana Catarina Sampaio, n.º 21995

1 comentário: