Breve
enquadramento histórico:
Antes de fazer uma análise actualista do Ministério
Público no plano do Contencioso Administrativo em Portugal, cumpre abordar
(como forma de enquadramento histórico) o surgimento deste órgão. O Decreto de
1832, visando o funcionamento próximo dos tribunais comuns, fez surgir assim o
Ministério como órgão no Contencioso Administrativo através de uma
vertente funcional e não tanto orgânica.
Ao referido órgão competia:
- a transmissão por escrito de uma opinião fundamentada, opinião
essa que seria mencionada no final do processo pelo relator;
- a função de responder em todos os processos, mesmo
que não fosse parte;
- a promoção do cumprimento das leis;
- a disposição da Acção Pública (que, nas palavras do
Professor Sérvulo Correia, se traduz no “…poder
de agir em juízo administrativo, titulado por um órgão do Estado ou outra
pessoa colectiva inserida na Administração, dirigido à obtenção de uma
pronúncia jurisdicional de mérito sobre uma pretensão de repressão da violação
da legalidade democrática numa situação determinada e concreta ou devida à
atividade normativa da Administração”) contra deliberações ilegais das
câmaras municipais.
Findando o século XIX, as funções do Ministério
Público já denotavam uma certa complexidade, assistindo-se a um dualismo
orgânico relativamente às suas funções: por um lado, existiam os Agentes
directamente provindos da administração; pelo outro, os Magistrados encontravam-se
inseridos num corpo especializado e hierarquizado.
No entanto, apesar do progresso que se sentia no plano
das funções, relativamente à natureza dos interesses prosseguidos era
necessário colmatar a indefinição da mesma, sendo que o interesse na preservação
da legalidade administrativa defendia-se através da acção pública.
Indo ao encontro do pensamento do Professor supra
citado, a ambiguidade existente na participação do Ministério Público no
Contencioso Administrativo manteve-se até aos anos 1984-1985. O Ministério Público aqui apenas intervinha na defesa da legalidade
quando fosse parte ou em representação do Estado.
No plano
constitucional, mormente a partir da revisão de 1989 surge, através do
princípio da tutela jurisdicional e plena, o direito de acesso à justiça
administrativa como José Carlos Vieira de Andrade enuncia de um “direito fundamental dos administrados a uma
proteção jurisdicional efetiva (substancial e procedimental) ”.
Da reforma aos dias de hoje:
O Ministério Público,
enquanto sujeito do processo administrativo, é dotado de uma elevada
importância em virtude dos diversos papéis que desempenha nos tribunais
administrativos, nomeadamente o seu papel representativo do Estado, como
promotor da realização do interesse público e como defensor da legalidade
democrática.
A legalidade democrática genericamente
traduz-se pelo conjunto de normas constitucionais e outros actos normativos
materiais que se desenvolve através de uma prática permanente de todos os órgãos
e agentes do Estado e também dos cidadãos.
Cabe, assim, ao Ministério Público a verificação
de que a função jurisdicional está a ser exercida em conconrdância com a
Constituição e a Lei Administrativa, ou seja, de resolver conflitos e defender
interesses suscitados entre os órgãos do Estado ou órgãos e agentes do Estado e
da Administração Pública e os particulares - artigo 51º do ETAF.
No anterior sistema processual, o Ministério Público
tinha uma intervenção de cariz processual, permitindo-lhe arguir nulidades,
suscitar a regularização da petição inicial e requerer diligências
instrutórias.
A reforma do Contencioso Administrativo
estabeleceu-se através de um modelo subjetivista, consagrando o processo administrativo um processo de partes e que expande os poderes decisórios do juíz perante
a administração, aumentando assim a perda de algum excesso de mediatismo
do Ministério, que contribui para o equilíbrio dos poderes dos intervenientes
processuais.
Não obstante, também existem apontamentos objectivistas
no regime, no tocante à legitimidade processual activa (referente à impugnação
de atos administrativos) e quantos aos poderes que continuam a reconhecer-se ao
Ministério Público como figura auxiliadora da justiça na defesa da legalidade
(relativamente à impugnação de normas).
Através da leitura do artigo 11º/2 1ª parte, retira-se
que o Ministério Público representa o Estado sendo que, por vezes, o faz de seu
advogado como o Professor Mário Aroso de Almeida exemplifica, nas acções
administrativas comuns que sejam propostas contra o Estado em matéria de
responsabilidade civil ou relativamente a contratos.
O artigo 85º do CPTA altera fortemente o
modelo tradicional de intervenção do Ministério Público nos processos em que
este não se figure como parte, concedendo a este o poder de intervir nos
processos administrativos em que não seja parte e que sigam a forma de acção
administrativa especial. Segundo Aroso de Almeida, tal intervenção é
justificada em função da matéria que esteja em causa “… em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses
públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no
nº2 do artigo 9º do CPTA.”
Estatuto do MP:
Ao
introduzir a questão relativa ao Estatuto do Ministério Público (EMP) não se
pode deixar de o fazer em paralelo com a aplicação da C.R.P., começando pelo
artigo 219º/1 CRP que indica que compete ao Ministério Público “…representar o Estado, defender os interesses que a lei determinar, bem
como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei,
participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania,
exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a
legalidade democrática”.
Pela leitura do
artigo 20º/1 da C.R.P. observa-se que a todos é assegurado o acesso ao direito
e aos tribunais com o propósito da defesa dos seus direitos e interesses não
podendo a justiça ser negada por insuficiência de meios económicos.
Conjugando o artigo
219º C.R.P. com o artigo 51º ETAF e artigo 3º/1 do EMP, retira-se as diversas
funções relevantes no plano administrativo do Ministério Público.
Assim,
retiramos como funções: a defesa da legalidade (através da fiscalização da
constitucionalidade dos actos normativos); a representação do Estado e outros
entes públicos assim como ausentes e incapazes; e, a defesa dos grandes
interesses colectivos e difusos.
Percorrendo mais
detalhadamente os vários preceitos legais do CPTA referentes aos poderes do
Ministério Público, constata-se que cabe a este, pela sua legitimidade activa,
iniciativa processual.
Como primeira
demonstração surge a designada “Acção
Pública”, que legitima o Ministério a:
- impugnar actos
administrativos e normas (artigos 55º/1 b) e 73º/3);
- formular pedidos
relacionados com a validade e execução de contratos (artigos 40º/1 b) e nº2 c));
- defender valores
e bens comunitários, numa “acção popular pública” (artigo 9º);
- pedir intimações
para informações, consultas e passagem de certidões (artigo 104º/2);
- assumir a posição
de autor, nos processos de impugnação de actos iniciados por particulares, como
garantia da prossecução do processo, em caso de desistência (artigo 62º).
Em segundo lugar,
como “Auxiliar de Justiça” (amicus
curiae), o Ministério Público intervindo, ainda que de forma imparcial,
na defesa de direitos fundamentais, valores comunitários ou interesses públicos
especialmente relevantes, dispõe de poderes processuais importantes nas acções
administrativas especiais iniciadas por particulares.
Detém o poder de
pronúncia na fase preparatória sobre o mérito da causa (incluindo poder de
arguição de vícios não invocados pelo impugnante) e, alguns poderes de
iniciativa no âmbito da instrução (artigo 85º) e nos recursos jurisdicionais,
onde dá parecer sobre o mérito do recurso (artigo 146º).
Como terceiro ponto
demonstrativo dos seus poderes, temos a Representação
do Estado, nomeadamente nas acções administrativas em que o mesmo é
parte, contudo intervindo aqui como defensor da legalidade (artigo 11º/2).
Por último, é da
competência ainda do Ministério, a Representação
de outras pessoas colectivas públicas ou de outros interessados, como
por exemplo os incapazes, incertos ou ausentes e os trabalhadores e as
respectivas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social – artigo 3º
a) e d) do EMP.
Após o supra exposto,
no que diz respeito ao EMP deve ter-se especial atenção aos artigos 3º, 5º e
53º do EMP, pois demonstram-se ser os mais importantes nesta temática.
No tocante ao
artigo 3º/º1, alínea a) este enuncia que cabe ao Ministério Público
“representar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os
incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta”.
Já o artigo 5º do
EMP regula a Intervenção Principal e Acessória do Ministério Público.
Por Intervenção Principal entende-se aquela em que o Ministério representa ou é
o principal representante da parte; por Intervenção Acessória entende-se aquela
pelo qual o Ministério apenas tem de promover o que tiver por conveniente, para
zelar pelos interesses que lhe são confiados.
Conclusão:
Em
suma, há que referir que o Ministério Público enquanto órgão continua a deter
importantes poderes de iniciativa e intervenção processual para a defesa da
legalidade, do interesse público e de bens comunitários ou valores socialmente
relevantes, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, e os bens do Estado,
regiões autónomas e das autarquias locais (como supra mencionado), mas a sua
actuação no âmbito da Acção Pública tem-se verificado cada vez menos, sendo que
na prática a actuação do Ministério Público através de Acções Públicas é quase
inexistente.
Como
razões justificativas para tal facto podem apontar-se o défice de apoios
técnicos, a falta de um adequado modelo de organização, falta de formação
profissional e de cooperação.
Ana Rapoula, Nº 20968, 4º ano subturma6
Bibliografia
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Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, 2001.
Dias, Mário Gomes; Mendes, Carlos
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Marçalo, Paula; Estatuto do
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Miranda, Jorge; Medeiros, Rui;
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Visto.
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